Em seu discurso na cúpula do G7 nesta sexta-feira (14), o presidente Lula (PT) voltou a criticar a falha da atual governança global em evitar a proliferação de guerras. De acordo com ele, os órgãos institucionais se tornaram instrumentos de perpetuação de privilégios. Para ele, isso pode ser visto claramente em Gaza, no que considerou a transformação do “legítimo direito de defesa” em um “direito de vingança”.
Desde que assumiu o terceiro mandato como presidente do Brasil, Lula se manteve crítico à estrutura adotada pelo Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), principal órgão internacional para contenção de conflitos. O modelo que limita a presença no Conselho aos países vencedores da Segunda Guerra Mundial e o poder de veto individual sobre decisões coletivas, na análise do presidente brasileiro, se tornou ultrapassado e incapaz de resolver atritos.
A escalada do do conflito entre Israel e Palestina, com a destruição das cidades palestinas que formam a Faixa de Gaza, foi citada por Lula como um exemplo da limitação do atual modelo da governança internacional. A guerra na região iniciou em 7 de outubro de 2023 e até o momento não chegou a parâmetros aceitos por israelenses e palestinos para a negociação de paz.
Leia também
“Em Gaza, vemos o legítimo direito de defesa se transformar em direito de vingança. Estamos diante da violação cotidiana do direito humanitário, que tem vitimado milhares de civis inocentes, sobretudo mulheres e crianças”, disse Lula.
Ele também reafirmou o interesse do Brasil em mediar um acordo de paz entre Rússia e Ucrânia. “O Brasil condenou de maneira firme a invasão da Ucrânia pela Rússia. Já está claro que nenhuma das partes conseguirá atingir todos os seus objetivos pela via militar. Somente uma conferência internacional que seja reconhecida pelas partes, nos moldes da proposta de Brasil e China, viabilizará a paz”, defendeu o presidente brasileiro.
A proposta sino-brasileira de conferência prevê um acordo prévio de cessar-fogo e interrupção das sanções econômicas nos dois lados do conflito, além da criação de um fundo de reconstrução da Ucrânia. Por outro lado, preserva a presença de tropas russas nas regiões atualmente ocupadas. O acordo, apesar de contar com apoio dos membros do Brics+, é criticado pelo governo ucraniano e por Washington.
PublicidadeA guerra na Ucrânia começou em 24 de fevereiro de 2022, durando mais de dois anos. Até o momento, nem o governo ucraniano nem o russo estão perto de um compromisso para o retorno da paz no território.
Confira a íntegra do discurso do presidente Lula na cúpula do G7:
“Quero agradecer à primeira-ministra Giorgia Meloni [Itália] pelo convite para participar deste segmento ampliado.
“Na última reunião similar de que participei na Itália, na Cúpula de L´Áquila em 2009, enfrentávamos uma crise financeira global que expôs os equívocos do neoliberalismo.
“Hoje o Brasil preside o G20 num contexto de múltiplos e novos desafios.
“Conduzir uma revolução digital inclusiva e enfrentar a mudança do clima são dilemas existenciais do nosso tempo.
“Precisamos lidar com essa dupla transição tendo como foco a dignidade humana, a saúde do planeta e um senso de responsabilidade com as futuras gerações.
“Na área digital, vivenciamos concentração sem precedentes nas mãos de um pequeno número de pessoas e de empresas, sediadas em um número ainda menor de países.
“A inteligência artificial (IA) acentua esse cenário de oportunidades, riscos e assimetrias.
“Seus benefícios devem ser compartilhados por todos.
“Interessa-nos uma IA segura, transparente e emancipadora.
“Que respeite os direitos humanos, proteja dados pessoais e promova a integridade da informação.
“Que potencialize as capacidades dos Estados de adotarem políticas públicas para o meio ambiente e que contribua para a transição energética.
“Uma IA que também tenha a cara do Sul Global, que fortaleça a diversidade cultural e linguística e que desenvolva a economia digital de nossos países.
“E, sobretudo, uma IA como ferramenta para a paz, não para a guerra.
“Necessitamos de uma governança internacional e intergovernamental da inteligência artificial, em que todos os Estados tenham assento.
“Os países africanos são parceiros indispensáveis no enfrentamento desses e de outros desafios.
“Com seus 1,5 bilhão de habitantes e seu imenso e rico território, a África tem enormes possibilidades para o futuro.
“A força criativa de sua juventude não pode ser desperdiçada cruzando o Saara para se afogar no Mediterrâneo.
“Buscar melhores condições de vida não pode ser uma sentença de morte.
“Além da União Africana, que integra o G20 pela primeira vez como membro pleno, convidamos Angola, Egito e Nigéria a participar das reuniões durante nossa presidência.
“Muitos países africanos estão próximos da insolvência e destinam mais recursos para o pagamento da dívida externa do que para a educação ou a saúde.
“Isso constitui fonte permanente de instabilidade social e política.
“Sem agregar valor a seus recursos naturais, os países em desenvolvimento seguirão presos na relação de dependência que marcou sua história.
“O Estado precisa recuperar seu papel de planejador do desenvolvimento.
“Promover o emprego decente e a inclusão social são alguns dos temas que tratei ontem na Conferência Internacional do Trabalho, em Genebra.
“A Parceria para o Direito dos Trabalhadores que levamos adiante com o Presidente Biden tem essa finalidade.
“É nesse contexto de combate às desigualdades que se insere a proposta de tributação internacional justa e progressiva que o Brasil defende no G20.
“Já passou da hora dos super-ricos pagarem sua justa contribuição em impostos.
“Essa concentração excessiva de poder e renda representa um risco à democracia.
“Muitos países em desenvolvimento já formularam políticas eficazes para erradicar a fome e a pobreza.
“Nosso objetivo, no G20, é mobilizar recursos para ampliá-las e adaptá-las a outras realidades.
“O apoio de todos os presentes nesta reunião à Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, que lançaremos na Cúpula do G20 no Rio de Janeiro, será fundamental para dar fim a essa chaga que ainda assombra a humanidade.
“Senhoras e senhores,
“As instituições de governança estão inoperantes diante da realidade geopolítica atual e perpetuam privilégios.
“O ano de 2023 viu o gasto com armamentos subir em relação a 2022, chegando a 2,4 trilhões de dólares.
“Em Gaza, vemos o legítimo direito de defesa se transformar em direito de vingança.
“Estamos diante da violação cotidiana do direito humanitário, que tem vitimado milhares de civis inocentes, sobretudo mulheres e crianças.
“Isso nos levou a endossar a decisão da África do Sul de acionar a Corte Internacional de Justiça.
“O Brasil condenou de maneira firme a invasão da Ucrânia pela Rússia.
“Já está claro que nenhuma das partes conseguirá atingir todos os seus objetivos pela via militar.
“Somente uma conferência internacional que seja reconhecida pelas partes, nos moldes da proposta de Brasil e China, viabilizará a paz.
“O G7, o BRICS e o G20 reúnem as maiores economias do planeta.
“O futuro que compartilharemos dependerá de nossa capacidade de superar desigualdades e injustiças históricas para vencer as batalhas que a humanidade enfrenta hoje.
“Muito obrigado“.