Lúcio Lambranho, enviado especial
Manágua (Nicarágua) – Há exatos 30 anos, a Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) tomou a praça principal de Manágua, ocupou o palácio do governo e sacramentou a vitória contra o ditador Anastasio Somoza. O povo nas ruas festejava a revolução depois de mais de cinco décadas da luta iniciada ainda em 1920 pelo líder Augusto Sandino.
Os nicaraguenses voltam hoje à praça, batizada Praça da Revolução, para comemorar a vitória sandinista. O Congresso em Foco enviou o repórter Lúcio Lambranho para acompanhar a manifestação prevista para contar com mais de um milhão de pessoas. Nos próximos dias, o site publica uma série de reportagens sobre a situação do país 30 anos depois da chegada da FSLN ao poder. Mostra, ainda, como o Brasil contribuiu para o sucesso da revolução com militantes de esquerda e, também, com ações de governo.
O site ouviu pessoas que viveram a história da Nicarágua desde a guerra contra Somoza. Entre os personagens, encontrou a brasileira Berenice Maranhão, ex-militante do PCB e moradora do país centro-americano desde 1974. Junto com os sandinistas, Berenice se encontrava em Manágua no dia da vitória. Agora, escreve um livro sobre o que viveu há 30 anos.
No final deste texto, leia um trecho do relato de Berenice.
Povo comemora vitória da revolução e saúda os principais líderes sandinistas na chegada deles na praça central da capital
Uma brasileira na revolução
A potiguar Berenice Maranhão vivia há cinco anos na Nicarágua quando a Frente Sandista de Libertação Nacional (FSLN), apoiada por uma insurreição popular, conseguiu há exatos 30 anos por fim aos 45 anos de ditadura somozista na Nicarágua. Ela e o marido, Heber Maranhão Rodrigues, ambos exilados políticos devido à militância no Partido Comunista Brasileiro (PCB), chegaram para trabalhar no escritório das Nações Unidas que ajudava na reconstrução de Manágua depois do terremoto que destruiu a capital do país em 1972.
O casal militante de esquerda tinha que se superar a cada dia para conviver com o risco constante e com os oficiais mais graduados do somozismo com os quais estavam em permanente contato. Para manter-se informada de tudo e passar relatos sobre as violações contra os Direitos Humanos da ditadura da familía Somoza para organizações internacionais, como o Tribunal Russel II, que combatia a repressão política desde a Itália, Berenice resolveu se aproximar perigosamente dos inimigos da sua ideologia. Começou a promover festas brasileiras embaladas a Carnaval e comida típica brasileira em sua casa em Manágua.
“Essa foi a minha maneira de fazer revolução. Me sinto como um mamute, pois vi toda a evolução deste país. Da queda do regime de Somoza, a guerra contrarrevolucionária nos anos oitenta, dos governos neoliberais dos anos 90 e a volta dos sandinistas ao poder com a eleição, em 2006, de Daniel Ortega”, conta Berenice ao Congresso em Foco.
Vestida de Carmen Miranda, Berenice Maranhão promovia carnavais com as brasileiras casadas com oficiais somozistas para tentar minizar os riscos que passava, pois passava informes para organizações internacionais sobre as violações contra os direitos humanos durante a ditadura (arquivo pessoal)
A partir de 1974, Berenice e Heber mergulharam na realidade do país e nos bastidores da revolução sandinista que se preparava para entrar na reta final da luta iniciada em 1927 por Augusto Cesar Sandino contra o intervencionismo dos Estados Unidos. A Nicarágua vivia sob o controle militar dos EUA desde 1856, quando o país foi tomado de assalto pelo norte-americano William Walker. O invasor se autoproclamou presidente da Nicáragua durante a guerra civil entre os liberais de León, a segunda cidade mais importante do país, e os conservadores de Granada.
Em 1848, quando foram descobertas minas de ouro em Sutters Creek, na Califórnia, os destinos da Nicarágua começam a cruzar o caminho dos Estados Unidos. A corrida do ouro naquele país despertou a atenção dos aventureiros norte-americanos sobre a Nicarágua e sua posição geográfica. No sul do país, o Lago Nicarágua desemboca no Mar do Caribe pelo navegável rio San Juan.
A distância da costa oeste do lago até o Oceano Pacífico é de apenas dezoito quilômetros no seu ponto mais estreito. Esse trajeto começou a ser utilizado pela maioria dos buscadores de ouro, pois fazia com que o caminho fosse menos perigoso do que a rota árida e cercada de índios selvagens da costa leste americana até as minas da Califórnia. Empresas americanas exploravam essas rotas, muito rentáveis na época. Em 1853, a Pacific Mail Steamship Co transportava mil passageiros por mês com lucros superiores a um milhão de dólares por ano.
A partir do final do século 19, as atenções norte-americanas se voltaram para o país, geopoliticamente privilegiado e com possibilidades de ser o local mais viável para construção do canal intraoceânico, que, pela instabilidade política na Nicarágua, acabou sendo construído no Panamá. (leia aqui a história da Nicarágua desde o descobrimento)
Atualmente, as duas cidades coloniais são rivais na tentativa de fomentar o turismo com possibilidades ainda pouco exploradas na Nicarágua, principalmente devido às duas guerras que arrassaram o país, que ainda hoje está entre os três mais pobres da América Latina junto com Haiti e a vizinha Honduras, agora debaixo de um golpe de estado.
Conhecida no país pela ajuda que vem prestando à Nicarágua nos últimos 35 anos, Berenice se ressente das críticas contra os sandinistas, como a aliança à direita de Ortega com o ex-presidente Arnoldo Alemán, acusado de corrupção, e de dissidentes indignados com o retrocesso provocado pela lei contra o aborto. Sandinistas e deputados da legenda de Alemán, o Partido Liberal Constitucionalista (PLC), aprovaram, antes da contagem de votos em 2006, uma lei que proibiu o aborto terapêutico mesmo para mulheres vítimas de estupro ou gravidez de alto risco. Neste caso, a aliança tentou conquistar a população de maioria católica e colocar os sandinistas ao lado da Igreja.
A aliança política com o PLC já tinha acontecido no final dos anos 90, quando o pacto tinha a missão de dar governabilidade ao último período de Ortega no poder antes da derrota eleitoral para Violeta Chamorro, em 1990, justamente após o fim da guerra contra os contrarrevolucionários, que deixou um saldo de 45 mil mortos e um país tão devastado quanto após a vitória da FSLN em 1979.
Hoje, o governo espera mais de um milhão de pessoas na Praça da Revolução. “Os que criticam esse atual governo e suas alianças se esquecem que os sandinistas passaram por duas guerras e por um governo que até agora exerceu o poder por apenas 12 anos. Desde a criação da república as oligarquias governaram a Nicarágua por mais de 150 anos. O que eles queriam, que a FSLN pegasse em armas de novo?”, questiona a brasileira radicada em Manágua.
Berenice Maranhão se