Contou-nos o escritor dinamarquês Hans Christian Andersen, no distante século 19, uma fábula que ingressou na imaginação popular em razão da reflexão por ela produzida. Em sua narrativa, apontou que em um quimérico país vivia um rei conhecido por sua vaidade, arrogância e violência para com os súditos. Dessas infelizes características o grande fabulista se aproveitou para alimentar o seu histórico conto, centrando na ambição de um rei que se julgava merecedor de toda glória e riqueza do mundo. Daí ter sido convencido a contratar um alfaiate que se dizia o melhor já nascido em todos os reinos. O costureiro, em sua propaganda enganosa, seduziu o rei com a promessa de que iria confeccionar para ele a roupa mais bela e rica do mundo, tão extraordinária que somente as pessoas inteligentes poderiam enxergá-la.
Cobrou-lhe, em troca, uma fortuna, pois iria necessitar de materiais raros e super preciosos. O espertalhão, entretanto, apenas simulava que estava costurando. Não havia a prometida roupa. Mas todos fingiam que ela existia, pois não queriam parecer burros diante do violento rei. Tampouco o vaidoso rei queria exibir a sua ignorância diante dos súditos. E assim, todos elogiavam a inexistente vestimenta. Até o dia em que o rei, orgulhoso de seu traje fenomenal, resolve que era o momento de exibi-lo em um desfile oficial. Durante o cortejo, os ministros, os nobres e súditos elogiavam, em gestos dignos das pessoas inteligentes, a belíssima nova roupa do rei. Todos não! Uma criança, destoando da sábia malta, gritou: “O rei está nu! O rei está nu!”
Leia também
Hans Christian Andersen, ao que parece, profetizava o surgimento de um novo rei violento e arrogante. O personagem não ficcional atende pelo nome de Benjamin Netanyahu, o autoproclamado monarca de um reino sionista instalado no Oriente Médio. No alto de seu incomparável exército de bélicos alfaiates da morte, o poderoso rei faz do ódio ao povo palestino a sua mais deslumbrante e rica vestimenta. Utilizando-se do mesmo método do falsário da ficção, avisou ao mundo que somente enxergariam os crimes cometidos em razão do seu ódio aqueles que fossem burros, antissemitas ou terroristas. E assim presidentes, ministros, embaixadores, incontáveis autoridades, jornalistas e convertidos súditos passaram a acompanhar o mortal séquito real, silenciosos ou não.
Em termos bélicos e mortais, registre-se que o rei Netanyahu não fora o único a desprezar a vida do povo palestino. Lembre-se que no dia 4 de dezembro de 1948, o New York Times publicou uma nota assinada por Albert Einstein, Hannah Arendt, Sidney Hook e outros importantes judeus, condenando o futuro governante do Reino de Israel, o bielorrusso Menachem Begin (Reinado de 1977 a 1983) e o seu partido Herut, comparando-os aos “partidos nazistas e fascistas”. O partido de direita, depois fundido em outros partidos de direita e extrema-direita era adepto do Sionismo Revisionista, que pregava a criação de um Estado Judeu.
Da mesma forma, a demonstrar a ausência de interesse concreto dos governantes israelenses em reconhecer o Estado da Palestina, devolver as terras ilegalmente ocupadas e permitir o retorno dos palestinos expulsos e refugiados – condições já reconhecidas pela Organização das Nações Unidas (ONU) – basta recordar que o também bielorrusso Yitzhak Shamir (Reinado de 1983 a 1984, 1986 a 1992) foi um dos acusados de assassinar o experiente conde Folke Bernadotte, mediador designado pela ONU com a missão pacificadora de resolver a Questão Palestina. Não se podia esperar outra conduta do ex-integrante do Lehi, o grupo terrorista sionista que operou, clandestinamente, durante o Mandato Britânico da Palestina.
E que o Ariel Sharon (Reinado de 2001 a 2006) e o seu partido de extrema direita (Likud) nunca esconderam que eram segregacionistas e contrários ao Estado da Palestina. O construtor do “muro do apartheid” da Cisjordânia – condenado pela Corte de Haia, no relatório da Comissão de Inquérito das Nações Unidas, por decisão do Conselho de Segurança da ONU e na Resolução 1544/2004 – sempre soube que a comunidade internacional apenas reagiria através da contumaz e inútil Batalha das Palavras. E sabia por experiência pessoal, pois nunca fora preso pela prática de crime de guerra, em razão de sua participação no “Massacre de Sabra e Shatila”, em que foram chacinados e esquartejados aproximadamente 3 mil palestinos e xiitas libaneses, a grande maioria de mulheres e crianças.
PublicidadeNa História do mundo real – assim como na fábula de Hans Christian Andersen – não foram os governantes, a comunidade internacional, religiosos ou jornalistas quem apontaram que a vestimenta do rei Netanyahu não conseguia encobrir a chacina por ele ordenada em Gaza. Estes, como se faz por décadas, seguem vestidos do medo ou da autoignorância estabelecidas no decreto real, mesmo quando a israelense Ministra da Igualdade Social, ameaça os bebês palestinos, dizendo-se “orgulhosa das ruínas” em Gaza. Tampouco fora a denúncia de genocídio apresentada na Corte de Haia pela África do Sul, depois secundada pelo presidente Lula, humanistas, judeus e israelitas que se opõem à nefasta política real.
Não! A voz que desnudou para o mundo o genocídio palestino e apontou a violência, a arrogância e o ódio do novo rei sionista era anterior. E que ainda ecoa nas ruínas das cidades arrasadas pelas mortais bombas israelenses. Voz que, fundida em outras idênticas vozes, se fizeram coletivas. São as vozes dos mais de 30 mil palestinos assassinados em Gaza – a maioria de mulheres e crianças – transmitidas ao vivo, sem disfarce, que gritam para a insensível (des)consciência da humanidade: “O rei Netanyahu está nu! O rei Netanyahu está nu!”
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para redacao@congressoemfoco.com.br.