Ana Paula Barreto *
Enquanto ecoam pelo mundo as frases proferidas pelo presidente Lula em entrevista à imprensa na Etiópia sobre o que acontece em Gaza e a desumanidade em forma de “defesa” promovida pelo governo de Israel, é importante que nos recordemos de como começou a mais bem-sucedida política externa que o Brasil já teve.
Foi, sob os ensinamentos do chanceler Celso Amorim – ministro das Relações Exteriores de 2003 a 2010, servidor de carreira do Itamaraty, professor renomado, respeitado em várias frentes da diplomacia mundial – que Lula aprendeu assim, como uma espécie de “mantra”, lá em seu primeiro governo como “comandante em chefe”, que o Brasil pode e deve exercer uma política externa altiva e ativa, pois só desta forma será respeitado pelos “grandes” no cenário geopolítico.
O “mantra” de Celso Amorim quer dizer em claro e bom português, não para “inglês ver”, mas para o mundo tomar como exemplo:
1 – este país chamado Brasil exerce, sob forma de diplomacia, liderança mundial na mediação de questões que são caras e atingem Nações em todo o planeta e propõe ações para resoluções de conflitos – política ativa;
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2 – este país, com dimensões continentais e que ocupa a posição de líder das nações da América Latina, tem orgulho de sua história e de seus “liderados”, não aceitando mais – frente a chamada política externa – o papel de coadjuvante e nem tão pouco de colônia dos países denominados desenvolvidos – política altiva.
PublicidadeEntão as declarações do presidente Lula, agora muito mais experiente e um homem entendedor do seu papel de líder das nações “marginalizadas”, são sim contundentes como devem ser todas as palavras ditas por uma liderança altiva e ativa diante de questões urgentes que não podem ser ignoradas, sob pena de cumplicidade com crimes de lesa humanidade.
O governo de Israel esconde seus crimes bárbaros embaixo da justificativa que a fala de Lula é desproporcional e ofensiva, uma vez que enseja uma comparação entre o genocídio em Gaza com o Holocausto do povo judeu. A palavra Holocausto tem um significado bem preciso: no idioma hebraico Shoah (holocausto) significa, literalmente, “destruição, ruína, catástrofe”. Além disso, é o termo utilizado para denominar o fenômeno de destruição sistemática – perseguição, exclusão sócio-econômica, expropriação, tortura e extermínio de seis milhões de judeus da Alemanha.
Ora o que vemos em Gaza não é tão somente a destruição, a ruína, a perseguição, a tortura física e psicológica de cidadãos, na maioria mulheres e crianças, que naquela região vivem e que estão impedidos de receber ajuda humanitária de organismos internacionais pela força bruta do Estado de Israel? Se operar crianças feridas por ataques de bombas e armas israelenses sem anestesia não é uma espécie de Holocausto, que mais outra barbárie pode haver para denominarmos com as palavras exatas estes acontecimentos?
O que Lula fez foi revelar uma “verdade inconveniente” que ninguém ousou dizer em nome da chamada diplomacia. Pois mesmo na diplomacia – que também é uma atividade fincada no “fazer política”, já que a política é sim a arte de negociar, de “vender” o melhor argumento, de na divergência achar o caminho da convergência – o silêncio é uma posição, e uma posição que pode custar infinitas vidas. Portanto, não há política externa altiva e ativa quando se é leniente com o sofrimento humano. Quando ao invés de gritar, se opta pelo silêncio.
Lula fez uma escolha arriscada, errada para as “etiquetas” diplomáticas, mas é sem dúvida a escolha mais corajosa de todas: Lula optou por “gritar”! E vejam, não foi em qualquer lugar, foi em um país simbólico – a Etiópia, em um continente simbólico – a África, onde a fome, o descaso e a indiferença são há décadas também uma espécie de Holocausto que vitimam milhares todos os anos.
É preciso ouvir e aprender com o “mantra” de Celso Amorim. Aprendam senhoras e senhores, que comandam Nações mundo afora, que para ser altivo e ativo é preciso “gritar” o óbvio para os ouvidos lenientes, indiferentes, compassivos, repulsivos, agressivos, nocivos e cúmplices de assassinatos em massa em nome de uma hipócrita e falsa auto defesa.
* Ana Paula Barreto é jornalista formada pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e pós-graduada em Comunicação Legislativa pela Universidade do Legislativo Brasileiro (Unilegis). Foi assessora de comunicação do Senado Federal e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e chefe de comunicação da Secretaria das Relações Institucionais da Presidência da República.
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