Contrariando as principais projeções e o resultado das prévias, o candidato de extrema-direita Javier Milei terminou o primeiro turno para as eleições presidenciais da Argentina em segundo lugar. Nem ele e nem seu concorrente, o governista Sergio Massa, contam com um cenário certeiro de resultado para o segundo turno. Esse aparente empate, conforme contam especialistas consultados pelo Congresso em Foco, pende em maior ou menor grau de forma desfavorável a Milei.
O cientista político Bruno Marcondes, que compareceu em Buenos Aires em julho para estudar a ascensão de Javier Milei, avalia que o candidato, que concorre pelo partido La Libertad Avanza (LLA), pode ter chegado ao limite de seu capital eleitoral. “Se observarmos os resultados das primárias, Milei chegou a 30,04% dos votos, e agora bateu 30,01%. Ou seja: não cresceu. Ele talvez tenha esse teto do eleitorado de pouco mais de 30%”, apontou.
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A outra possibilidade para explicar o saldo do primeiro turno, que garantiu 36,68% de votos para Massa, pode ter sido o esforço intenso do campo peronista após as primárias para retomar a vantagem eleitoral. “Houve uma movimentação intensa por parte do governo e por forças de esquerda para colocar no imaginário do público o medo Milei. Repercutiu muito na imprensa e nas redes sociais o possível estrago que ele poderia trazer ao país, o que pode ter resultado na sua estagnação”, explicou Marcondes.
Numericamente, Massa começa em vantagem: além de concluir o primeiro turno em primeiro lugar, ele tende a receber o apoio de outros candidatos peronistas e de centro-esquerda, com a expectativa de iniciar a disputa com cerca de 40% dos votos. Os votos restantes para que qualquer um dos dois vença, porém, estão nas mãos de Patrícia Bullrich, de centro-direita, que recebeu 23,83% de votos. A posição dela e de seus eleitores segue incerta, adeptos à corrente iniciada pelo ex-presidente Maurício Macri, pode pender para qualquer um dos lados.
Efeito Bolsonaro
Bruno Marcondes é otimista com relação às tendências do segundo turno, acreditando em uma probabilidade maior de vitória para Massa. Essa posição não é compartilhada por Alejandra Pascual, professora de Direito Internacional na Universidade de Brasília graduada pela Universidade de Buenos Aires e pós-doutora em filosofia política latinoamericana pela Universidade Nacional Autônoma do México. Para ela, ainda é cedo para verificar o resultado do impasse, mas não deixam de existir fatores favoráveis para o candidato governista.
Ao longo das últimas semanas antes da eleição, a família Bolsonaro procurou participar de forma ativa em apoio à candidatura de Milei. Eduardo Bolsonaro (PL-SP) chegou a comparecer na Argentina para apoiar o candidato. Tanto Marcondes quanto Alejandra avaliam que dificilmente esse apoio chegou a surtir impacto no resultado das urnas, mas a jurista ressalta que a participação desastrosa do filho do ex-presidente brasileiro na mídia argentina abre uma oportunidade para Sergio Massa.
PublicidadeEla relembra que, ao longo da apuração das urnas, Eduardo Bolsonaro prestou uma entrevista para um dos principais canais de televisão argentinos. Ao desviar o tema para discursar em defesa da legalização do armamento civil, foi interrompido pelos jornalistas, que o criticaram abertamente ao vivo. O vídeo viralizou dentro e fora da Argentina.
“Essa declaração do Eduardo Bolsonaro em favor das armas sem dúvida alguma vai influenciar no segundo turno. Não é só por ter defendido essa pauta, mas principalmente por expor o tratamento na mídia argentina, que o viu de forma muito negativa o fato de ele, enquanto apoia um candidato argentino, pregar a entrega de armas à população”, apontou.
Ela também considera como favorável à campanha de Sergio Massa o seu alinhamento com o peronismo, conjunto de ideologias que buscam dar continuidade às tendências políticas iniciadas pelo ex-presidente Juan Domingo Perón, figura extremamente popular no país. “O peronismo está entranhado na população carente da Argentina. Se alguém quer obter o apoio da população menos privilegiada, terá necessariamente que passar pelo peronismo”, ressaltou.
Os dois também chamam atenção para o fato de, no momento, a máquina pública argentina estar sob as mãos de uma chapa também peronista e aliada a Sergio Massa, fator que também aumenta o seu potencial eleitoral. Milei, por outro lado, é fruto de um fortalecimento mundial de candidaturas de extrema-direita, beneficiando-se de uma descrença generalizada na política tradicional.
Alejandra relembra a tendência constante na América Latina de alternância entre correntes políticas, tornando imprevisível o desfecho do segundo turno. “A política na latinoamericana funciona como um pêndulo que vai e vem: uma hora ele aponta para um crescimento dos partidos de esquerda e centro-esquerda, outra para a direita, centro-direita e até extrema direita. O próprio aparecimento de alguém com o perfil de Javier Milei já foi uma surpresa para todos na Argentina”.