O que fazia ali aquela criança com o rosto enfiado na areia de uma praia distante da Turquia? Não há castelos, pranchas ou sonhos ao redor naquela forte imagem que fez o mundo inteiro silenciar. O mal-estar se espalhou pelos quatro cantos da Terra. É como se a comunidade global estivesse diante do espelho e não se reconhecesse ou gostasse do que via. Imagens e palavras dizem mais que milhares de teses acadêmicas ou manifestos políticos-ideológicos. E a rede mundial de computadores tem esta capacidade inédita de difundir fotos e informações, despertando sentimentos globais. Aylan Kurdi e seus três anos estendidos no silêncio daquela praia fizeram ecoar o brado de milhões de migrantes e refugiados que vagam por terras estranhas às suas raízes. Aquela foto cortante e triste despertou uma onda de solidariedade e indignação.
Hoje, são milhões e milhões de pessoas que deixam pra trás suas vidas e histórias na África e no Oriente Médio, fugindo da miséria ou da intolerância política e religiosa. Varam mares e oceanos como podem. Botes, canoas e barcos precários transportam o pouco que restou de esperança. Não há horizonte claro. O futuro é turvo e nebuloso. Não há visto, permissão ou diálogo. É uma tentativa desesperada que mais se assemelha a uma roleta russa. Famílias inteiras lançam a sorte ao mar e sonham com o éden no mundo desenvolvido. Milhares naufragam na travessia. Aylan nos abriu os olhos para aquilo que todos já viam.
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Fugindo do Estado Islâmico ou da fome, aportam na Europa. Encontram cercas, muros, barricadas de arames. Repousam suas expectativas, ansiedades e sonhos em acampamentos improvisados.
O mundo desenvolvido, atônito e perplexo, não sabe bem o que fazer. Entre discursos xenófobos e gestos humanitários oscilam na falta de clareza e estratégia. O terrorismo plantou as sementes da intolerância. E a colheita veio agora. Ultranacionalistas alertam contra a invasão mulçumana. Por incrível que pareça, a líder conservadora alemã é uma voz dissonante. Angela Merkel defende uma política planejada e racional de incorporação dos fluxos migratórios.
A globalização é a radicalização das tendências da economia capitalista. Traz a queda das fronteiras e a relativização da autonomia dos Estados Nacionais. As forças produtivas devem avançar e, para isso, é preciso derrubar todas as barreiras. Abaixo o protecionismo! Fora o intervencionismo que inibe a integração global! As mercadorias devem circular livremente. Os capitais não têm fronteiras. A globalização potencializará a prosperidade. Mesmo que um espirro nas bolsas de Hong Kong ou Xangai possa se transformar em gripe global. Mesmo que a falência do Lehman Brothers leve pobreza a milhões que nunca tinham ouvido o nome do banco.
Mas se mercadorias e capitais devem circular livremente, por que não as pessoas? Esse é o “calcanhar de Aquiles”. A atual crise escancara essa contradição. O triste destino de Aylan Kurdi pôs o dedo na ferida.
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