No dia 25 de novembro de 2016, morreu, aos 90 (noventa) anos, Fidel Castro.
“Fidel foi um ditador brutal que oprimiu seu povo”. Essa frase sintetiza inúmeras manifestações contrárias ao líder máximo (o “comandante em chefe”) da revolução cubana.
“Fidel Castro tornou-se referência na luta contra o imperialismo e as injustiças em nosso tempo”. Essa outra frase condensa várias manifestações de simpatia por aquele que marcou a história da segunda metade do século XX.
As reações diametralmente opostas retratam a complexidade: a) da personalidade política de Fidel Castro; b) do momento histórico por ele protagonizado e c) do enorme desafio civilizatório subjacente à sua ação política.
Fidel liderou um vigoroso movimento que retirou “a Ilha” da triste condição de “bordel dos norte-americanos” com baixíssimos índices de desenvolvimento humano, projetou Cuba para o mundo e construiu avanços sociais amplamente reconhecidos nos quatro cantos do planeta, sobretudo nas áreas da educação e da saúde.
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Por outro lado, Fidel conduziu Cuba com mão de ferro. Foram décadas de partido único, profundas restrições à oposição política e forte cerceamento às liberdades democráticas mais elementares (e não se tratam de meros erros).
Não foram poucos os episódios históricos que emprestaram forte dramaticidade à trajetória de Fidel como comandante da “Ilha”. Cito três. A malograda invasão da Baía dos Porcos humilhou o império norte-americano e acentuou as desavenças com os Estados Unidos da América (consta que a CIA tentou, por dezenas de vezes, assassinar Fidel Castro). A famosa “crise dos mísseis soviéticos” deixou o mundo na iminência de uma guerra nuclear no início da década de 60 do século passado. O bloqueio econômico à “Ilha”, com fortes consequências sociais, permanece até hoje.
Penso que o maior legado histórico de Fidel (e sua Revolução) foi encarnar ou simbolizar um dilema. Talvez o mais importante dilema civilizatório dos últimos 200 (duzentos) anos da “aventura humana sobre a Terra”.
Trata-se justamente da forma de superação do modo de produção capitalista. O capitalismo consiste num formidável avanço numa história marcada por séculos de escravidão e servilismo. Ocorre que esse sistema de organização socioeconômico da produção e apropriação das riquezas gera explorações e desigualdades em larga escala. Um dado é esclarecedor. Atualmente, 2,4 bilhões de seres humanos (cerca de um terço da humanidade) sobrevivem com menos de dois dólares por dia (dado divulgado pela ONU).
Essa superação, entretanto, não pode ser efetivada com a negação das liberdades democráticas. As conquistas humanas nessa área, decorrentes de muito sangue, suor e lágrimas, caracterizam-se como patamares mínimos de reconhecimento e efetivação da dignidade da pessoa humana. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1948, é o ponto culminante desse longo e dramático caminho histórico. Aquele importantíssimo documento afirma, entre outros: a) o espírito de fraternidade nas relações interpessoais; b) a interdição da tortura e dos tratamentos cruéis, desumanos e degradantes; c) a presunção de inocência até julgamento justo; d) a liberdade de locomoção; e) a liberdade de pensamento, consciência e religião; f) a liberdade de opinião e expressão; g) liberdade de reunião e associação pacífica e h) a liberdade de participar da vida cultural da comunidade.
Portanto, Fidel pode e deve ser reconhecido positivamente como uma das figuras mais marcantes da história na tentativa de concretizar o ideal de justiça social plena, de superação das opressões e explorações no convívio social. Mas Fidel também deve ser reconhecido negativamente como protagonista de um caminho que não deve ser trilhado (repetido). A conquista e manutenção da justiça social plena não podem ser efetivadas com desprezo e mesmo negação das liberdades humanas fundamentais.
Em suma, a mais generosa utopia de realização de todas as potencialidades humanas, em termos de convívio social, precisa rimar justiça com liberdade. Não haverá liberdade plena sem justiça social plena. Não existirá justiça social plena sem liberdade plena.
“Por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres” (Rosa Luxemburgo).