Embaixador da Palestina no Brasil, Ibrahim Alzeben estava de férias em Gaza quando o grupo extremista Hamas atacou Israel, no último dia 7 de outubro. Desde então, Alzeben e o mundo viram o enclave palestino desmoronar diante de mísseis lançados por Israel. O rastro de morte deixado pela guerra é algo que o embaixador jamais imaginou ver. Crianças e mulheres são as principais vítimas, em um número que nem mesmo as autoridades locais conseguem precisar.
Publicaremos amanhã pela manhã entrevista exclusiva com o embaixador israelense no Brasil, Daniel Zohar Zonshine
“Eu me sinto impotente. Misturam os sentimentos de raiva e de tristeza”, desabafou o embaixador da Palestina no Brasil, em uma conversa de quase 30 minutos com o Congresso em Foco na manhã desta terça-feira (17). Ibrahim Alzeben deixou a região da Palestina na segunda-feira (16) e está na Jordânia, onde acompanha as negociações de retirada de brasileiros da região de guerra, antes de voltar ao Brasil. Ele, contudo, admite que a situação é delicada, e quase sem saída. “É uma maneira de limpeza étnica”, afirma. O diplomata também considera difícil a situação dos brasileiros que tentam sair da Faixa de Gaza.
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Assista à íntegra da entrevista dada pelo embaixador palestino ao Congresso em Foco e leia os principais trechos abaixo:
Leia os principais trechos da entrevista:
PublicidadeCongresso em Foco – O senhor estava de férias quando foi pego com essa situação de guerra na região da Palestina. Eu queria que o senhor trouxesse um rápido relato de como está a situação na Faixa de Gaza, na Cisjordânia e em relação aos palestinos, que também estão sendo vítimas desta guerra que foi deflagrada pelo Hamas contra Israel?
Ibrahim Alzeben – Esse é um ataque de Israel contra o povo palestino porque a quantidade de bombas, de armas e de tanques de guerra e de bombardeio mostra que o que há é uma guerra aberta contra o povo palestino, não é contra o Hamas. É contra o povo palestino. No momento que ataca norte, centro e sul da Faixa de Gaza, desta maneira, com tanta barbárie, é um genocídio o que está acontecendo em Gaza. Temos mais de 2,7 mil mortos, metade crianças, mais de 600 mulheres, e temos mais de 11 mil feridos sem medicamentos, hospitais em colapso, todo o sistema sanitário assim. Essa é a situação de Gaza. Todos os caminhos levam à morte. É um genocídio contra o povo palestino. E na Cisjordânia todas as cidades estão bloqueadas, inclusive em cidades grandes como Ramallah, Hebron, Jerusalém, têm barreiras que você pode passar ou não para seu destino.
Temos aqui no Brasil uma tentativa do governo de retirar um grupo de brasileiros que estava na Faixa de Gaza e hoje se encontra na fronteira com o Egito. Ainda assim, não temos previsão de quando essa retirada será efetivada. O senhor tem alguma informação a respeito disso?
Se tem possibilidade que eles saiam? Parece que não, porque Israel era para ter aberto a passagem à barreira de Rafah, ontem, às 9 horas. E eu estou em contato com eles pessoalmente, ligo para eles e não tem previsão de saída. Como eu falei aos senhores que estão acompanhando, todos os caminhos em Gaza conduzem lamentavelmente à possível morte, e isso é o que está acontecendo.
Isso significa que os brasileiros que foram para a fronteira para tentar sair para o Egito, na verdade, também estão caminhando para a morte?
Lamentavelmente caminhando para a morte. Eu conheço todos, são 38 pessoas e que estou em contato a cada duas horas, mandando mensagem, fazendo uma chamada telefônica. E, lamentavelmente, não só eles. Têm também americanos, de outras nacionalidades que são palestinos e ao mesmo tempo também de outras nacionalidades, como brasileiros ou norte-americanos. Israel bombardeou a entrada de Gaza com o Egito. E inclusive vale a pena destacar que Israel ordenou que os palestinos que estavam na parte norte e centro deveriam se deslocar para o sul. É uma maneira de limpeza étnica. Pela lei internacional é um crime de guerra. A gente agora não sabe se vai para o norte, para o sul, se sai à rua, se fica em casa, porque todos estão em perigo. Se ficar em casa, a casa pode ser derrubada em cima deles. Nós conhecemos os israelenses. O povo palestino está condenado a uma chacina.
Israel alega que os palestinos estão sendo, segundo eles, vítimas do Hamas. Eu quero saber qual é a posição do senhor como embaixador da Palestina no Brasil em relação ao Hamas.
Somos vítimas. Somos vítimas da violência, independentemente de onde vier. A violência maior já começou em 1948. E essa chacina, essa limpeza étnica, esse forçamento para sermos refugiados, não parou. Iniciou em 1948 com a criação do Estado de Israel e segue até o momento. A única mudança é o tipo de armamento usado.
Há denúncias de uso de munições de fósforo branco também, o que é proibido internacionalmente.
Estão usando bombas de 900 quilos. Bombas de fósforo também, que são proibidas. Bombas de sucção, que sugam o ar. Estão usando bombas de fragmentação. Não sou especialista militar, mas, segundo os especialistas, essas bombas são proibidas internacionalmente, especialmente aquela de fósforo, que praticamente destrói tudo o que está à frente. Somos vítimas da violência desde 1948. Nós, como Estado da Palestina, estamos apegados ao direito internacional. Estamos contra a violência. Estamos a favor da resistência, da resistência popular pacífica, daquela maneira de que não queremos mais esse ocupante no nosso território e não queremos derramamento de sangue. Essa é a resistência que acreditamos que deve ser praticada. Não a violência das armas, que sempre vai trazer mais derramamento de sangue.
Quando o senhor fala que vocês são contrários à violência dessa ocupação violenta que traz mais derramamento de sangue, vocês se colocam contrários ao que o Hamas fez?
Somos contrários ao uso da violência. Somos contrários a ter os civis como objetivo. Nosso presidente é o Comitê Executivo, a Autoridade Nacional Palestina, e nós acreditamos que essa é a única via viável. Claro, pode ser que a guerra traga algum resultado. Nós duvidamos, porque nós somos o povo que paga mais. Olha as estatísticas, nós temos quase 3.000 mortos. Lamentavelmente, não temos como dizer o número exato com tantas vidas civis inocentes que temos perdido nesta guerra maluca desnecessária e nesta guerra que não vai resolver a questão palestina.
Essa guerra acabou renascendo a polarização política também no Brasil. Muitas pessoas não entendem muito o que está acontecendo, mas tomaram partido em defesa dos palestinos e na defesa dos judeus. Como o senhor enxerga essa polarização no Brasil?
É lamentável. Não só no Brasil, mas no mundo está acontecendo isso. A comunidade e os governos devem tomar medidas porque a paz social no Brasil deve ser respeitada. Sempre convivemos em paz e harmonia no Brasil e em diferentes partes. Eu tenho, desde 1975, trabalhando em vários países da América Latina e vi perfeitamente como as comunidades convivem em paz, harmonia e cooperação. Nós devemos levar para essa área onde eu estou. E agora, para a Palestina, levar o exemplo dessa convivência cooperação e não trazer o conflito para o Brasil. O Brasil é um país amigo e não merece isso. Queremos que o Brasil fique longe desse conflito e que siga ajudando discutindo no Conselho de Segurança da ONU para que coloque fim a esse conflito, nesta guerra maluca.
O senhor fala que quer que o Brasil fique fora dessa batalha e que esteja ajudando pela paz. Temos logo mais uma nova reunião do Conselho de Segurança da ONU, onde há a possibilidade de se votar uma resolução do Brasil e há uma pressão de várias nações no mundo em relação ao posicionamento do Brasil, sobretudo sobre o Hamas, que a diplomacia brasileira não classifica o Hamas como um grupo terrorista. O senhor concorda com esse posicionamento do Brasil?
Não adianta classificar ou deixar de classificar, porque o que deve ser feito é pôr fim a este conflito. E depois que os tribunais e os órgãos internacionais definam quem realmente é terrorista. Se é o povo palestino que está sendo massacrado ou é Israel que está massacrando o povo palestino desde 1948.
O senhor acredita que o Brasil, na presidência rotativa do Conselho de Segurança da ONU, consiga fazer com que se abram os corredores humanitários para que civis deixem a região de conflito em Gaza?
Depende. Claro que o Brasil está fazendo este grande esforço, estamos a par das comunicações. Tomara que isso dê certo. Isso totalmente somente depende do Estado de Israel, que está atrapalhando esta saída. É o Estado de Israel que bombardeou duas vezes este espaço terrestre em terra entre a Faixa de Gaza e o Egito. São eles que estão negando a saída.
Edição de imagens: Thiago Freitas