A mão do sujeito de camisa preta estampada com a cara de Jair Bolsonaro teve ajuda planetária para derrubar e destruir o relógio de mais de 300 anos que a família real portuguesa trouxe para o Brasil em 1808. A consciência demonstrada pelo presidente Lula na entrevista concedida à jornalista Natuza Nery, da Globo News, na noite de quarta-feira (18) de que o avanço da extrema-direita não é um problema localizado, mas mundial, é certamente um dos pontos mais importantes de tudo o que foi dito.
Demonstra que Lula, de fato, tem hoje plena consciência do tamanho do desafio que tem pela frente e de quem são realmente os seus inimigos. E, no caso, embora estampe a camiseta preta do fascista que destruiu o relógio, o maior desses inimigos talvez não seja Bolsonaro. E seja um erro chamar aquele vândalo e os demais de bolsonaristas. Bolsonaro talvez tenha sido apenas o nome que a extrema-direita mundial encontrou para vencer uma eleição no maior país da América Latina. E essa extrema-direita bem poderá encontrar outros Bolsonaros à disposição. Rei morto, rei posto.
Muito mais, portanto, que a definição de uma estratégia para obter apoios internos e neutralizar seus opositores locais, a tentativa de golpe do dia 8 de janeiro e a tarefa que Lula terá agora pela frente para debelar suas consequências faz parte de um esforço mundial, do qual participam também outros líderes do planeta. É a democracia e seus valores que está ameaçada. E não apenas no Brasil.
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Por isso, essa discussão, segundo Lula, será um dos principais pontos da conversa que ele terá com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em fevereiro. E, antes, com o chanceler alemão, Olaf Scholz, no dia 30 de janeiro. Como Lula disse a Natuza, a organização da invasão dos três principais prédios da República brasileira no dia 8 de janeiro guarda enorme semelhança com o que aconteceu no dia 6 de janeiro de 2021 quando direitistas americanos invadiram o Capitólio nos Estados Unidos inconformados com a vitória de Biden.
Aparentemente, não se trata apenas de exemplo e imitação. Aconteceu nos Estados Unidos e serve de modelo para o que acontece aqui. Mas da orquestração de algo mais amplo. A extrema-direita norte-americana tem conexões com a extrema-direita brasileira. E com a extrema-direita da Hungria, da Alemanha, da Itália… Será necessária a conjugação de um esforço dos líderes mundiais para que a democracia não seja destroçada como o relógio que pertenceu a Dom João VI.
No caso, o grande problema não é o fato de líderes de diversos países do mundo terem de lidar com o crescimento do pensamento de direita entre seus eleitores. E o ponto de risco está justamente na palavra “eleitores”. O que esses grupos parecem empenhados em fazer é justamente eliminar eleições democráticas. Portanto, tudo o que eles desejam é deixar de ser eleitores.
A destruição, como ficou óbvio em 2021 no Capitólio e no dia 8 de janeiro deste ano aqui, é a regra. A destruição já era a regra em diversas das ações do governo Bolsonaro. Em plena pandemia, desestimula-se a vacinação como regra de destruição. Retira-se dinheiro da educação como regra de destruição. Aumentam-se as queimadas e o desmatamento como regra de destruição.
E tudo isso é pensado. Porque a nova extrema-direita entende-se como antissistema. Entende que o atual sistema do mundo seria de esquerda. Então, precisa destruí-lo para, a partir desses escombros, vir a construir alguma outra coisa. Uma coisa que não se conhece e que ninguém de fato formula claramente.
Portanto, quem acha tudo isso bonito e se classifica como “conservador” está muito enganado. Quem acha tudo isso bonito não é nada conservador. Se alguém ameaça o status quo é essa nova extrema-direita.