O tempo inteiro, em nossas vidas particulares, instituições e organizações públicas e privadas, estamos tomando decisões, que impactam sobre as nossas próprias vidas e também sobre a vida da coletividade. Nessa reflexão, a análise será focada nas instituições e organizações do setor público.
Para tomar decisões mais assertivas, seguimos consciente ou inconscientemente modelos sequenciados de raciocínio, e nos baseamos em informações disponíveis para tomada da decisão em um determinado momento. Quando refletimos sobre os modelos contemporâneos mobilizados nos processos decisórios, um elemento fundamental, tanto no nível individual quanto no nível organizacional, é a atenção. A atenção é considerada importante porque:
- Primeiro, trata-se de um bem escasso e o sendo, é disputado e precioso. Essa disputa envolve conflitos políticos internos e externos às organizações, em nível de sistemas e subsistemas, e atenção é fundamental para que, por exemplo, os gestores se debrucem sobre os problemas para tentar resolvê-los, pois a todo momento há muitas questões a serem decididas, que, para isso, necessitam de atenção.
- Segundo, tem a capacidade de pautar o debate público, direcionando o foco a uma questão importante de tal modo que pode influenciar a agenda governamental e decisional; pode, inclusive, fazer com que “uma questão se torna uma questão”, para que agentes se dediquem a ela e tomem uma decisão.
- Terceiro, e em sentido oposto, a atenção pode ser usada para distrair e desviar o foco de problemas ou questões que não sejam de interesse de um político, de um governo ou organização em nível de sistema e subsistema e pode ser manipulada para virar a página de eventos e assuntos que são incômodos.
Vamos a um exemplo sobre a importância da atenção (ou o desvio de foco em relação a ela), baseado em um caso concreto: em 29 de novembro de 2016, em meio à comoção nacional com a tragédia da queda do avião com os jogadores da Chapecoense, para a qual as atenções estavam voltadas, a Câmara Federal, de maneira inusual, adentrou a madrugada tocando a votação do polêmico pacote de medidas anti-corrupção e o Senado colocou em votação a PEC 241, do Teto de Gastos, congelando os gastos públicos por 20 anos, curiosamente, exceto para o pagamento dos juros da dívida pública. Enquanto as redes e mídias sociais digitais eram inundadas com #somostodoschape, ocorreu também que o segundo fato ainda ganhou uma relativa atenção por parte da mídia tradicional. Mas o terceiro fato, crucial para a vida dos brasileiros, foi completamente ofuscado em relação à atenção que lhe era necessária.
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Ter capacidade de agência é importante para chamar a atenção a uma questão em detrimento de outra, bem como para reduzir as ambiguidades e incertezas. Nesse sentido, não necessariamente, na gestão pública e sobretudo na mesa de decisões políticas governamentais, são os principais problemas que recebem mais atenção. Por isso, há picos de atenção que se convertem em picos de direcionamento de recursos para áreas específicas das políticas públicas.
Em meio a recursos escassos, sendo a própria atenção um deles, quando um tema é eleito como prioridade e nele são focadas as atenções, outros temas são automaticamente esquecidos. E, segundo Cairney (2020), “essa falta de atenção à maioria das questões, ajuda a explicar por que a maioria das políticas pode não mudar, enquanto períodos intensos de atenção a algumas questões podem levar a novas formas de enquadrar e resolver problemas de políticas”.
Mesmo assim, também podemos considerar a existência de mudanças repentinas de atenção em virtude da ocorrência de eventos de foco, como também, a falta de atenção a questões concorrentes, ao que poderíamos chamar de “temas engavetados” pode impactar na estabilidade das demais políticas em funcionamento pois “quando se cobre um santo, se descobre outro”.
PublicidadeComo mais um exemplo, a atenção do Palácio do Planalto, chamada tecnicamente na gestão de políticas, é de processamento serial (nível macropolítico); a atenção dos ministérios e secretarias, um nível mais abaixo de governo, têm sistemas de processamentos paralelos. Ou seja, o que chega na mesa do presidente e dos ministros passa por filtros e a atenção é crucial nesse processo. Quando assuntos da reunião sobem à mesa do presidente, pode, de lá, seguir para o Congresso e se transformar em lei.
No momento em que o assunto ganha relevância, sai do processamento paralelo, que é o subsistema que processa as questões do governo, e vai para o serial. É essa movimentação que desenha o “blip”, que representa a convergência dos fluxos. Na teoria do equilíbrio pontual é o que marca a diferença do serial e do paralelo. Na Figura 1, que ilustra um eletrocardiograma, o pico representa a chegada do assunto à mesa do presidente da República.
Na prática, podemos citar o processo decisório pelo qual passou a construção do arcabouço fiscal, no terceiro governo Lula, assunto de máxima atenção interna e externa ao governo. O tema, conduzido pelo ministro Fernando Haddad, da Fazenda, passou pelas mesas de negociações da ministra Simone Tebet, do Planejamento, Rui Costa, da Casa Civil, e outros ministérios, além de negociações junto ao mercado, aos partidos e ao Congresso Nacional, até estar “pronto” para subir à mesa do presidente da República.
Zahariadis (2016) especifica que é importante rastrear os níveis de atenção conferidos às questões diversas, tanto pelo governo quanto pela mídia e público em geral e procurar pesquisar os fatores que fazem com que a atenção aumente ou diminua, como: preconceitos pré-existentes do público, o significado e o imediatismo das questões e “a capacidade dos atores de exercerem o poder de chamar a atenção para uma questão em detrimento de outra”.
Esperamos ter contribuído um pouco para que você possa refletir sobre a importância da “atenção” nos processos decisórios que estão presentes na condução das ações políticas das organizações e das políticas públicas; a manipulação da ‘atenção’ pode facilitar ou engavetar decisões políticas…
A seguir, complementarmente, para quem desejar se aprofundar um pouco mais, pontuaremos tecnicamente e de maneira bem resumida, na nossa coluna do portal Congresso em Foco, como a atenção é incorporada em alguns modelos de análise de políticas públicas e deixaremos ao final algumas sugestões de leituras:
- A Teoria dos Múltiplos Fluxos (MSA), abordada por Zahariadis (2016), está focada em nível sistêmico e preconiza que quatro fluxos fluem em uma organização: problemas, soluções, participantes e oportunidades. A arena de escolha é composta por uma boa quantidade e diversidade de problemas que disputam a atenção dos gestores e aguardam soluções; às vezes, soluções prontas aguardam problemas surgirem para se acoplarem e seguirem o fluxo; a definição do problema é central para a definição da agenda e a atenção é fundamental nesse processo por direcionar o foco às questões especificas e selecionar entre as alternativas que estejam disponíveis.
- A Teoria do Equilíbrio Pontuado (PET) se apoia em um modelo de tomadores de decisão baseado na racionalidade limitada. A atenção tem o potencial de influenciar diretamente na agenda e os orçamentos, compondo assim, parte do processo decisório. Pesquisar, por exemplo, para onde foi e de onde foi redirecionado o dinheiro e analisar para onde se voltaram as atenções dos gestores, constituem-se importantes caminhos para o estudo em políticas públicas. De acordo com Kingdon (1984) e Schattschneider (1960) apud Cairney (2020), o estudo do agendamento e das mudanças de agenda e de políticas, de maneira rápida e em larga escala são centrais no equilíbrio pontuado. Um sistema de dados do Projeto Agendas Políticas Comparadas – PAC pode ser utilizado como métrica e servir como aliado nesses estudos.
- A Advocacy Coalition Framework (ACF), interpretado como coalizões de defesa ou de advocacia, é uma forma de análise que também pode se beneficiar do rastreio da atenção, de como e para onde ela está sendo (re)direcionada. E, segundo Baungartner e Jones (2012, p.4): “ao focar no lado humano cognitivo e emocional da decisão política, o PET é semelhante ao ACF (…) no entanto, ACF depende de atitudes e estruturas de crenças, enquanto o PET se baseia mais na alocação da atenção e nas heurísticas que os tomadores de decisão e, consequentemente, as organizações usam para alocar a escassa atenção”.
- A Tese da Pontuação Geral desenvolvida por Baumgartner e Jones (2005) a partir de uma generalização da abordagem do PET (que foca no nível micro) é “uma tentativa de dar conta das mudanças políticas em nível macropolítico, bem como dentro dos subsistemas”. Na ótica de Weimer (2008), a vantagem da teoria mais geral é a sua abrangência em relação à mudança de política e os custos dizem respeito ao fato de que “as análises detalhadas de políticas substantivas, que são a pedra angular do PET, ficam submersas na formulação mais geral”. Workman, Baumgartner e Jones (2022), discorrendo sobre um tópico do PET, destacam ainda a complexidade das questões políticas, relacionando-as com ACF. Os autores nos lembram que a ACF “é excelente para entender como a complexidade científica e técnica entra em jogo na determinação do curso da mudança de política”; ao passo em que “a complexidade no contexto do PET diz respeito à interdependência e às compensações inerentes aos problemas políticos”.
SUGESTÕES DE LEITURA
Cairney, Paul. Understanding Public Policy: Theories and Issues. 2 nd Edition. Red Globe Press, 2020.
Galbraith, James K. Inequality: What Everyone Needs to Know. Oxford; Oxford University Press, 2016
Jones, Bryan. Bounded Rationality and Political Science. Lessons from Public Administration and Public Policy. Journal of Public Administration Theory and Research, v. 13, p. 395-412, 2003
Jones, Bryan D. and Frank R. Baumgartner. From There to Here: Punctuated Equilibrium to the General Punctuation Thesis to a Theory of Government Information Processing. The Policy Studies Journal, v. 40, n. 1, p. 1-19, 2012. https://doi.org/10.1111/j.1541-0072.2011.00431.x
Kingdon, John W. Agendas, Alternatives ad Public Policies. Boston: Longman, 2011.
Lowndes, Vivien e Roberts, Mark. Why Institutions Matter: The New Institutionalism in Political Science. New York: Palgrave Macmillan, 2013
Mahoney, James; Thelen, Kathleen. Explaining Institutional Change: Ambiguity, Agency and Power. Cambridge: Cambridge University Press, 2010
Sabatier, Paul A.; Weible, Christopher. The Advocacy Coalition Framework: Innovations and Clarifications. In: Sabatier, Paul A. (Ed.). Theories of the Policy Process. 2. ed. Boulder: Westview Press, 2007. p. 189-220
Weible, Christopher; Jenkins-Smith, Hank. The Advocacy Coalition Framework: An Approach for the Comparative Analysis of Contentious Policy Issues. In: Peters, B. Guy e Phillipe Zittoun. Contemporary Approaches to Public Policy: Theories, Controversies and Perspectives. London: Palgrave MacMillan. 2016
Workman, Samuel, Baumgartner, Frank e Jones, Bryan. The Code and Craft of Punctuated Equilibrium. In Workman, Samuel e Weible, Christopher. Methods of the Policy Process. NY: Routledge, 2022.
Zahariadis, Nikolao. Bounded Rationality and Garbage Can Models of Policy-Making. In: Peters, B. Guy e Phillipe Zittoun. Contemporary Approaches to Public Policy: Theories, Controversies and Perspectives. London: Palgrave MacMillan, 2016.