Donald Trump conseguiu convencer trabalhadores frustrados com a queda do poder de compra diante da inflação que ele era o candidato certo para trazer o país de volta à prosperidade. Também reforçou valores conservadores da família, prometeu controle da imigração e segurança pública. Venceu; voltará à Casa Branca com os Estados Unidos inclinado à direita.
Brasil e EUA são muito diferentes, mas a angústia de trabalhadores com futuro de bolso vazio no fim do mês está acima das nacionalidades e ideologias. A economia americana se recuperou com Joe Biden, assim como sob a presidência de Lula o Brasil está crescendo e o desemprego foi derrubado. No entanto, Biden foi derrotado. Ainda faltam dois anos para as eleições brasileiras, mas algumas dificuldades já estão claras para Lula, caso ele realmente dispute a reeleição. Pesquisa Quaest de outubro revelou que 58% dos eleitores acham que ele não deveria se candidatar novamente. E o Datafolha, também no mês passado, mostrou que só um em quatro brasileiros (26%) acha que a situação econômica melhorou. Para 41%, a sensação é de piora.
Esse sentimento pessimista é costumeiro na metade dos governos, mas Lula o enfrenta num momento complexo. Além de precisar fazer um forte ajuste fiscal que pode abalar sua popularidade, com cortes em programas sociais, ainda não conseguiu oferecer alternativas a esse trabalhador desiludido ou à grande massa que vive na informalidade e sonha com um pequeno negócio para mudar de vida, seduzida por promessas de riqueza individual — um discurso extraído do púlpito televisivo da teologia da prosperidade e assumido pela extrema-direita .
Esse desafio ficou claro na eleição paulistana, no desempenho de Pablo Marçal e na derrota de Guilherme Boulos para o prefeito Ricardo Nunes. A pregação antissistema e a valorização do sucesso individual conquistaram o eleitorado.
Na campanha eleitoral, Lula defendia que o trabalho dos entregadores de mercadorias e motoristas de aplicativos deveria ser enquadrado na CLT. Teve de se render aos fatos e propor ao Congresso regras de previdência, apenas. Mas os supostos beneficiários são céticos em relação a governos, não querem saber de patrão nem de qualquer imposição, mesmo que se trate de garantias estatais para a aposentadoria. Como o governo não produziu uma alternativa, e os parlamentares não pretendem se indispor com esses eleitores — mais de dois milhões — , o projeto de lei para regulamentar a atividade está parado no Congresso desde março.
Aos poucos, o presidente foi adaptando a retórica à realidade, e o apoio ao pequeno e microempreendedor das periferias ganhou algum espaço no governo, com o programa de crédito Acredita. “Meu mundo é um mundo de fábrica, assim como o mundo do ministro Marinho (Luiz, do Trabalho). Liguei para ele e disse que é importante a gente saber que tem uma parte da sociedade que não quer ter carteira assinada, quer ter o próprio negócio. É preciso que a gente aprenda que mundo mudou, o mundo dos negócios no Brasil mudou”, afirmou Lula.
O discurso é tardio e ainda não parece convicto. Para chegar a 2026 com poder de convencimento, será preciso mais. A direita encontrou o tom que agradou o trabalhador. O coro da esquerda ainda soa desafinado.
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