Em algum momento do início dos anos 1980, em meio à ditadura militar, em um daqueles célebres festivais de música, Baby Consuelo e Pepeu Gomes apareceram nas telas da televisão com seus longos cabelos coloridos e espantaram o público com os seguintes versos: “Você pode fumar baseado”. No dia seguinte, a censura proibiu a música e ela foi desclassificada do festival. Tempos duros, nos quais a mera menção à maconha, por qualquer um dos seus apelidos, era duramente reprimida.
Hoje, alguns milhares de Pepeus e Babys saem todos os anos na Marcha da Maconha, pedindo a liberação do entorpecente. Que, de forma derivada, já adentra a casa de muitos como medicamento à base de Cannabis sativa. Para além das marchas, a maconha e suas implicações são discutidas por vetustos senhores engravatados e por uma distinta senhora na Suprema Corte do país.
Se a sombra das trevas que ameaçam não apenas nosso país hoje, mas boa parte do planeta, não cair sobre nós, toda essa possibilidade de discussão já é um imenso avanço. E aqui ninguém faz apologia ao uso da maconha ou qualquer tipo de droga. Trata-se do avanço civilizatório, no qual hábitos e costumes precisam, devem, ser debatidos dentro de um ambiente democrático. É assim que se avança.
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Há, porém, um problema na forma como não apenas o tema da maconha mas outros hoje em dia têm sido discutidos no Supremo Tribunal Federal (STF). Cada vez mais política, a Corte vai se movimentando ao sabor das mudanças no país e na opinião pública. Acaba acirrando disputas entre os poderes. Gera um avança e recua de decisões, o que é péssimo para o país. Gera confusão e insegurança política.
Diante da clara diferença de ponto de vista a respeito do tema entre a Corte e o Congresso hoje, será mesmo possível ao STF sustentar a posição que tomou? Até quanto vale a pena uma queda-de-braço na qual o Supremo julga algo com base em uma interpretação da Constituição, e o Congresso, como reação, altera a Constituição. Levando a um outro julgamento no qual o Supremo mantém o que dissera ou muda de posição?
Mesmo que prevaleça a posição do Supremo, vão aqui algumas dúvidas. Os policiais sairão às ruas com balanças de precisão para conferir se o cidadão leva consigo mais ou menos de 40 gramas de maconha? A própria decisão dos ministros do STF diz que haverá, no caso, uma “presunção relativa”. Ou seja, em determinados casos, a autoridade policial continuará podendo entender que aquela posse significa tráfico. Então, na prática, o que irá mudar de fato?
PublicidadeDe novo, a preocupação aqui não é com relação a se fumar maconha deva ou não ser considerado crime. É com o acirramento da disputa entre os poderes. O equilíbrio entre eles é base fundamental da democracia. Montesquieu já dizia isso há quase 300 anos.
A decisão do STF aperta a briga entre os poderes. Tomara que não acenda agora…