O Congresso Nacional mais renovado dos últimos anos é também um dos que têm menos parlamentares com problemas na Justiça neste século. Desde 2007, outro ano de início de legislatura, o total de congressistas com acusações criminais nunca foi tão pequeno. Levantamento exclusivo do Congresso em Foco mostra que pelo menos 27 senadores e 93 deputados (120 nomes) são alvos de algum tipo de investigação. Uma queda de 27% na comparação com 2015, o primeiro ano da composição passada, e de 46% em relação a 2018 (veja a evolução anual na tabela mais abaixo).
> Os senadores com acusações criminais
> Os deputados com acusações criminais
Os dados foram obtidos após pesquisa nas páginas oficiais do Supremo Tribunal Federal (STF), do Superior Tribunal de Justiça (STJ), da Justiça eleitoral, da Justiça federal e dos tribunais de Justiça. Os levantamentos anteriores do site se concentravam no Supremo, onde até então corriam todas as ações criminais contra integrantes da Câmara e do Senado e outras autoridades federais.
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Para o consultor da Transparência Internacional Brasil Fabiano Angélico, os novos números são uma boa notícia que precisa ser vista com cautela. “Isso vem da renovação de nomes que nunca tiveram uma carreira política. Aparentemente são pessoas que vêm para o Congresso com uma trajetória mais idônea. O desafio é saber como será isso daqui a quatro anos, depois de estarem em posição de poder. Fora da política, essas pessoas estavam menos expostas a processo”, disse o consultor do Centro de Conhecimento Anticorrupção.
Fabiano ressalva, no entanto, que a queda no total de processados não é prenúncio de qualidade parlamentar. “Não indica qualidade, apenas que é uma pessoa que não sofreu processo judicial. Mas pode ser uma pessoa de baixa abertura para o diálogo democrático, que não tem vivência ou experiência dos problemas públicos em algumas áreas, coisa importante para uma boa representatividade. Ausência de processos não tem nada a ver com qualidade”, pondera Fabiano.
PublicidadeO elevado número de parlamentares que estreiam na vida pública – são 118 na Câmara e dez no Senado – coincide com a saída de congressistas com histórico de acusações criminais, como os ex-senadores Romero Jucá (MDB-RR), Edison Lobão (MDB-MA) e Valdir Raupp (MDB-RO) e os ex-deputados Roberto Góes (PDT-AP), campeão de processos da legislatura passada.
Há um fator em comum entre 2019 e 2007, ano com menor número de parlamentares processados desde o início da série histórica em 2005: ambos marcaram o início de uma legislatura que sucedeu outra recém-saída marcada por escândalos. Se o Congresso passado ficou marcado pelas denúncias da Lava Jato, aquele será sempre lembrado pelos escândalos do mensalão e da máfia das ambulâncias, ou sanguessugas. Em comum, os dois anos trouxeram esperança de melhores dias com alto índice de renovação. Aquela legislatura, porém, chegou ao final, em 2010, com 168 congressistas sob investigação.
Atualmente o congressista com mais pendências na Justiça é o deputado paranaense Boca Aberta (Pros). O ex-vereador de Londrina, que levou recentemente um soco na boca de um ex-colega da Câmara Municipal, acumula 24 processos – dois por crime eleitoral, e os demais por calúnia, injúria e difamação.
Quando o assunto é crime contra a administração pública ninguém supera dois veteranos – o senador Renan Calheiros (MDB-AL) e o seu ex-colega Aécio Neves (PSDB-MG), hoje deputado. Renan responde a 12 acusações criminais e Aécio, a pelo menos oito. A quase totalidade das investigações contra o emedebista e o tucano decorre da Operação Lava Jato, por crimes como corrupção, quadrilha e lavagem de dinheiro.
O número de processos e senadores investigados pode ser ainda maior, já que algumas cortes dificultam a pesquisa em suas páginas na internet e alguns casos correm no mais absoluto sigilo, ou seja, não é possível tomar conhecimento sequer de sua existência. São os chamados “processos ocultos”, que não aparecem nos portais do Judiciário.
Até maio do ano passado, todas as investigações criminais envolvendo deputados e senadores tinham de tramitar no Supremo. Naquele mês, porém, os ministros decidiram restringir o conceito do chamado foro privilegiado: ficam na alçada do tribunal apenas aqueles crimes relacionados com o exercício da atividade parlamentar e cometidos durante o mandato. Cabe a cada ministro relator analisar a questão, caso a caso. A mudança no entendimento deslocou para outras instâncias da Justiça vários processos contra congressistas.
Há também investigações que foram repassadas à Justiça eleitoral depois que o Supremo decidiu, em março, que essas cortes também podem julgar crimes conexos, como corrupção e lavagem de dinheiro, se a denúncia estiver relacionada a delitos eleitorais, como caixa dois de campanha. Integrantes da Lava Jato criticaram o tribunal, na ocasião, alegando que a mudança vai resultar em impunidade. Na avaliação da força-tarefa, os magistrados eleitorais não têm, em geral, competência para tratar de crimes de outra natureza.
Em 2004 o Congresso em Foco se tornou o primeiro veículo do país a levantar as pendências criminais dos parlamentares. Mais de uma dezena de pesquisas sobre o tema foi feita desde então pelo site, que passou a monitorar o assunto de forma sistemática.
Responder a uma acusação criminal não implica culpa. Todos os investigados têm direito à ampla defesa. Em muitos casos o próprio Ministério Público conclui, ao longo das apurações, que não há elementos que justifiquem a abertura de uma ação penal, processo que pode resultar em condenação. Mesmo quando são condenados, os réus ainda podem recorrer. Muitos recursos, no entanto, são apenas protelatórios ou buscam reduzir a pena para livrar o condenado da cadeia e substituir sua punição pela prestação de serviços.
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