O Supremo Tribunal Federal (STF) condenou nesta quinta-feira (14) Aécio Lúcio Costa Pereira, primeiro réu acusado de depredar prédios públicos durante os atos golpistas de 8 de janeiro. Morador de Diadema (SP), o ex-funcionário da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) foi condenado a 17 anos de prisão, sendo 15 anos e meio em regime fechado. A maioria dos ministros imputou a Aécio os crimes de associação criminosa armada, tentativa de golpe de Estado e tentativa de abolir o Estado Democrático de Direito. Ele também foi sentenciado, por unanimidade, por dano qualificado e deterioração de patrimônio público.
Nesta quinta, os ministros Edson Fachin, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Rosa Weber acompanharam integralmente o voto do relator, Alexandre de Moraes, lido na sessão de ontem. Os demais ministros divergiram quanto ao tamanho da pena e ao enquadramento dos crimes. Moraes também estabeleceu que os condenados pelos atos golpistas terão de pagar uma indenização coletiva no valor somado de R$ 30 milhões por danos públicos.
Depois do voto do relator, apenas Kássio Nunes Marques, o ministro revisor, posicionou-se nessa quarta. Em voto completamente diferente de Moraes, o ministro indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro votou pela dois anos e meio de prisão para o acusado. Na prática, a pena livraria Aécio do regime fechado.
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O primeiro a votar nesta quinta foi o mais novo integrante da corte, Cristiano Zanin, indicado pelo presidente Lula. Ele propôs uma pena de 15 anos de prisão, sendo 13 anos e seis meses em regime fechado.
Em seguida, houve o momento de maior tensão do julgamento, marcado por um bate-boca entre o ministro André Mendonça e Alexandre de Moraes. Mendonça votou pela aplicação da pena de sete anos de prisão a Aécio Lúcio Costa Pereira por tentativa de abolição do Estado democrático de direito. No entanto, o ministro votou pela absolvição por tentativa de golpe de Estado.
A discussão se deu após o ministro questionar a invasão do Palácio do Planalto e a falta de ação do efetivo da Força Nacional, o que provocou reações dos demais ministros.
Publicidade“Não coloque palavras na minha boca!”
Alexandre de Moraes interrompeu a fala de Mendonça e inseriu o fato de que cinco comandantes da Polícia Militar do Distrito Federal estão presos desde o segundo turno das eleições de 2022 por se comunicarem por WhatsApp e planejarem omissão da PM no caso de manifestações contrárias ao resultado do pleito que elegeu Luiz Inácio Lula da Silva.
“Com todo respeito, Vossa Excelência querer falar que a culpa do 8 de janeiro é do ministro da Justiça é um absurdo. São comandantes presos. O ex-ministro que o sucedeu [Anderson Torres] fugiu para os EUA e jogou o celular dele no lixo. Ele foi preso e agora vossa Excelência vem ao Plenário do STF, que foi destruído, para dizer que houve uma conspiração do governo contra o próprio governo. Tenha dó”, disse Alexandre de Moraes.
“Não coloque palavras na minha boca”, devolveu Mendonça.
No início de sua justificativa de voto, Mendonça reiterou o posicionamento quanto à ausência de competência do STF para processamento e julgamento do caso em função de se tratar de um crime cometido por uma multidão. O ministro chegou a diferenciar vândalos presentes no dia 8 de janeiro de manifestantes pacíficos que pediam que não houvesse quebra-quebra na ocasião.
Sérias dúvidas
Mendonça disse que há sérias dúvidas que todos os presentes estavam envolvidos em ações criminosas. O ministro admitiu que houve associação criminosa por parte de muitos participantes, mas isso não deveria permitir a inclusão automática de toda a turba que estava na Praça dos Três Poderes como um grupo com o único objetivo de destruir patrimônio público.
“Além de ter utilizado uma camiseta pedindo intervenção militar, ter sido preso em flagrante dentro do Congresso e ter incentivado quebradeira, mesmo não havendo registros de que ele tenha participado da depredação, entendo que há elementos o suficiente para condená-lo”, disse Mendonça. No entanto, o ministro afirmou em seguida que Aécio não deveria ser condenado por tentativa de golpe de estado porque não houve tentativa legítima para tanto.
Mendonça concordou com a defesa de Aécio, que afirma que ele não participou de nenhuma tentativa de golpe porque não houve atos que buscavam instituir um novo poder, uma vez que não houve ataques para criar instabilidade institucional. Mendonça disse que para que um golpe de fato ocorresse, seria necessária a participação dos militares.
Debate entre ministros
Cristiano Zanin questionou a declaração de Mendonça ao alegar que a legislação brasileira classifica como crime o mero ato de tentar aplicar um golpe de Estado. Em seguida, Alexandre de Moraes pediu a palavra e também questionou o argumento de Mendonça.
Moraes relembrou Mendonça que, em 1964, o golpe de Estado aplicado pelos militares trocou os presidentes da República e não houve uma busca por alterar os demais poderes porque, “lamentavelmente”, eles aderiram aos militares.
O ministro Gilmar Mendes também interrompeu a fala de Mendonça para acrescentar que, mesmo diante de várias invasões a ministérios ao longo da história do país, acampamentos em frente aos quartéis pedindo intervenção militar constituíram fato inédito.
“Nós tivemos dois 7 de setembro [em 2020 e 2021] que imaginávamos que pudessem descambar para a arruaça de 8 de janeiro. Fora o incentivo que havia do próprio chefe do Executivo à época. Jamais houve passeio no parque. A cadeira que o senhor está sentado estava lá na rua no dia da invasão. Estava implícito que diante da anarquia instaurada, nós estaríamos diante de uma GLO [Garanti da Lei e da Ordem]”, disse o ministro Gilmar Mendes a André Mendonça.
A GLO (Garantia da Lei e da Ordem) é uma operação militar que permite ao presidente da República convocar as Forças Armadas para garantir, por tempo determinado, de forma episódica e atuando numa área restrita, a integridade e segurança da população e das instituições.
Bendita Democracia
Após a conclusão do voto de Mendonça, Edson Fachin, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Rosa Weber acompanharam integralmente o voto do relator.
“Entre todos os que participaram dessa multidão delinquente, há aqueles que se valem disso para não terem suas condutas tipificadas individualmente”, declarou o ministro Luiz Fux ao ler seu voto.
De acordo com a denúncia apresentada pela PGR, o acusado participou da depredação do Congresso Nacional, quebrando vidraças, portas de vidro, obras de arte, equipamentos de segurança, e usando substância inflamável para colocar fogo no tapete do Salão Verde da Câmara dos Deputados.
“Ser oposição, não gostar do presidente eleito faz parte da vida, mas a aceitação do resultado eleitoral também é uma imposição democrática”, afirmou o ministro Luís Roberto Barroso ao ler o seu voto.
Durante os atos, ele postou um vídeo nas redes sociais enquanto invadia o plenário do Senado, onde foi preso pela Polícia Legislativa. No Supremo, os advogados de Aécio defenderam a absolvição. Segundo a defesa, as acusações foram feitas de forma genérica e não imputaram de maneira individualizada conduta do réu.
Em depoimento, Aécio afirmou que chegou a Brasília às 10h do dia 8 de janeiro. Ele partiu do Parque Ibirapuera, em São Paulo, e fez uma contribuição de R$ 380 para ir aos protestos com o grupo Patriotas, que foi quem o convidou a participar do movimento. Aécio compareceu ao acampamento em frente ao Quartel General do Exército Brasileiro, em Brasília.
“Bendita democracia, que permite que alguém, mesmo nos odiando, possa, por garantia dos próprios juízes, dizer aquilo o que pensa a nós. Em uma ditadura, isso não seria permitido porque nós sabemos que não há Judiciário independente, nem advocacia livre”, refletiu a ministra Cármen Lúcia em resposta ao advogado de Aécio, Sebastião Coelho da Silva, que ao defender o réu na quarta-feira (13) disse aos ministros do STF que eles são odiados pela população brasileira em função das decisões que tomaram nos anos do governo Bolsonaro.