Bruno Salles Pereira Ribeiro e Marcela Fleming S. Ortiz *
Após três ondas de matérias do The Intercept Brasil e de quase nove horas de sabatina do ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sérgio Moro, as peças foram colocadas no tabuleiro e a tensão pelas novas jogadas contagia o clima político de Brasília e terá impacto decisivo nas próximas decisões do Supremo Tribunal Federal, uma corte que tem entre seus componentes aqueles que não mais escondem seu direcionamento político.
Depois das divulgações iniciais que arrasaram as defesas governistas alicerçadas na extrema popularidade da Lava Jato, o que se viu foi uma reorganização das fileiras da defesa do ex-juiz, protagonista máximo da operação que desvelou um dos maiores esquemas de corrupção do mundo.
As contundentes revelações de diálogos travados entre o juiz da causa e os procuradores, nas quais se pôde observar o direcionamento da acusação pelo julgador, foram sucedidas por não menos graves revelações de que o ex-magistrado possuía receio de investigar determinados alvos, cujo apoio político poderia ser determinante. Revelações graves, porém, de difícil compreensão pela opinião pública.
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Pelo menos dois ministros do Supremo Tribunal Federal já declaram, abertamente, que as decisões da corte devem ouvir “a voz das ruas” ou o “sentimento social”. Seja lá o que isso for, fato é que essas declarações deixam clara que parte da corte – uns de maneira explícita e outros de maneira velada – aceitam guiar suas decisões pelas tendências manifestadas pela famigerada opinião pública.
De tal sorte, é de suprema importância (com o perdão do trocadilho) compreender como a “opinião pública” interpretará os vazamentos em si, bem como seus conteúdos. Nesse cenário, a maior ou menor percepção social da gravidade das condutas dos agentes públicos deverá guiar, não apenas os fluxos políticos do Poder Executivo e do Parlamento, como também as decisões de parte dos ministros da Suprema Corte.
PublicidadeA pergunta crucial que se erige, destarte, é se as conversas reveladas e a revelar terão potencial de minar a credibilidade do ministro da Justiça, um dos sustentáculos de credibilidade da atual gestão do governo federal.
A opinião pública leiga terá o alcance e dimensão sobre a frondosa quebra de parcialidade que se observou nas conversas obtidas pelo The Intercept?
Terá uma razoável compreensão da gravidade que representa a escolha de alvos – tanto pelo magistrado como pelo Ministério Público Federal – seja para persegui-los (“Mas será q não será argumento pra defesa da lils dizendo q eh a prova q não era corrupção”), seja para poupá-los (“Acho questionável pois melindra alguém cujo apoio é importante”)?
Compreenderá, do teor dos diálogos, que procuradores possuíam como regra a avocação artificial de competência (“se veio pra cá, é nosso… se veio pra cá com cópia, é nosso… se pensaram em mandar pra cá, é nosso tb”)?
Provavelmente não.
Se do ponto de vista técnico e processual-penal as revelações causam profunda perplexidade, do ponto de vista político-social não são capazes de sensibilizar uma parte substancial da população que tem na marca “Lava Jato” um referencial de caiação da política, de expurgo da corrupção e de esperança para o futuro. No cotejo entre garantias constitucionais (como da imparcialidade do magistrado, do juiz natural e do devido processo legal) com o combate à corrupção, esse último ainda tende a se sagrar vitorioso no embate público. Todos compreendem a necessidade do combate à corrupção. Pouquíssimos assimilam a importância das garantias processuais-constitucionais.
Daí a comemoração dos governistas com a última divulgação do The Intercept. Ao invés da esperada “bala de prata” que atingisse de modo direto e contundente o ministro Sérgio Moro às vésperas de sua sabatina pelo Senado, disseminou-se matéria cuja gravidade das revelações é absolutamente impermeável ao espectador comum, não iniciado no processo penal.
Essa é a razão germinal da extrema tranquilidade e desenvoltura do ministro da Justiça na CCJ do Senado Federal. Sabendo que a matéria não arranharia sua reputação de modo determinante – ao menos perante à opinião pública – o ex-juiz engendrou sua defesa, habilmente, com aquilo que, em direito processual-penal, chama-se de teses alternativas.
Em primeiro lugar, negou as conversas. Disse que poderiam ser, mas não se lembra e não pode atestar sua completa veracidade. Mas ainda que existam, não revelariam nada de grave. E ainda que revelassem, tudo que fez foi por um bem maior, o combate à corrupção.
Qualquer advogado iniciado sabe do risco das teses alternativas. Geralmente, uma acaba por desacreditar a outra. Se peço para ser absolvido, mas apelo para, alternativamente, ter uma pena baixa se condenado, admito a hipótese de ser condenado. Abarcam-se todas as hipóteses, mas contradizem-se entre elas.
Essa foi a aposta de Moro. Não sabendo o que mais pode ser revelado sobre ele, negou superficialmente a autenticidade dos diálogos, mas admitiu a possibilidade de sua veracidade. Pudera, pois se, de fato, existirem áudios do magistrado, a tese da falsidade cairia por terra. Investiu, portanto, paralelamente, na tese da normalidade, contando, nesse campo, com a incapacidade da opinião pública de compreender os desvios éticos e legais que emergem das divulgações do The Intercept.
A política se faz de apostas. E a sabatina do ministro Moro no Senado mostrou que muitos dos parlamentares fizeram de maneira clara suas apostas. A base governista insistiu em um apoio incondicional a Sérgio Moro. A oposição, principalmente de esquerda, fez carga em ataque. Por fim, no centro, observaram-se posturas cautelosas e descolamentos da imagem da Lava Jato. De sabatina muito pouco se viu. O ministro ficou à vontade para se esquivar de perguntas mais sensíveis.
Resta aguardar o que mais há por vir. Sérgio Moro sai fustigado politicamente da primeira grande batalha pública. Porém, desfila vitorioso no Tribunal das Redes Sociais. A demora na divulgação – ou inexistência – de elementos comprometedores fortalecerá o ministro que poderá voltar aos trilhos de seus projetos de governo, em especial, o Projeto Anticrime. Dará Moro.
Por outro lado, novas divulgações – especialmente se de áudios, que extirparão as dúvidas quanto à autenticidade – poderão colocar um termo no breve mandato do ex-magistrado, sepultando em definitivo suas ambições políticas maiores. Isso, no entanto, somente e tão somente, se puderem sensibilizar a opinião pública e balancear novamente os valores do combate à corrupção, com a manutenção das instituições democráticas.
Restará, nesse segundo cenário, a dúvida quanto ao comportamento dos ministros adeptos da voz das ruas, pois uma guinada no tom desse coro, fará com que necessitem abandonar aquilo que vêm defendendo há tempos ou a abandonar o próprio sentimento social. Resta saber, portanto, que ventos guiarão esses magistrados voláteis.
* Bruno Salles Pereira Ribeiro é mestre em Direito Penal pela USP e sócio de Cavalcanti, Sion e Salles Advogados. Marcela Fleming S. Ortiz é sócia de Borges, Ortiz Advogados.
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