Diversas trocas de mensagens privadas entre procuradores do Ministério Público Federal mostram que o ex-juiz Sergio Moro foi duramente criticado ao se aproximar do presidente Jair Bolsonaro e aceitar o cargo de ministro da Justiça e Segurança Pública. Os diálogos, captados de grupos do aplicativo Telegram, foram divulgados pelo site The Intercept Brasil. Neles, há desde questionamentos sobre a conduta e os métodos de Moro como juiz até preocupações com a repercussão negativa da nomeação dele no governo para a imagem da Lava Jato.
Moro foi acusado por alguns integrantes do Ministério Público de infringir os limites da magistratura para alcançar seus objetivos. “Moro viola sempre o sistema acusatório e é tolerado por seus resultados”, criticou a procuradora Monique Cheker em 1º de novembro de 2018, uma hora antes de o ex-juiz anunciar ter aceito o convite de Bolsonaro.
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Integrantes da força-tarefa da Lava Jato também lamentaram que, ao aceitar o cargo (algo que ele havia prometido jamais fazer), Moro colocou em eterna dúvida a legitimidade e o legado da operação devido aos questionamentos éticos ao ministério. Segundo eles, a ida dele para o governo poderia dar credibilidade às alegações de que a Lava Jato tinha motivações políticas.
Em um dos grupos do chat privado, a procuradora Laura Tessler, também da força-tarefa, diz que no ministério Moro não teria poder para promover as transformações que defende e traria prejuízos à Lava Jato. “Vai queimar a LJ [Lava Jato]. Já tem gente falando que isso mostraria a parcialidade dele ao julgar o PT. E o discurso vai pegar. Péssimo. E Bozo é muito mal visto… se juntar a ele vai queimar o Moro.” “É o fim ir se encontrar com Bolsonaro e semana que vem ir interrogar o Lula”, reclamou a procuradora Isabel Groba. “Pelo amor de Deus!!!! Alguém fala pro Moro não ir encontrar Bolsonaro!!!”, apelou Laura.
Para Antonio Carlos Welter, ao aceitar o cargo no ministério, Moro alimentava a teoria da conspiração. “Veja que um dos fundamentos do pedido feito [pelos advogados de Lula] ao comitê da Onu para anular o processo do Lula é justamente o de falta de parcialidade do juiz. E logo após as eleições ele é convidado para ser Ministro. Se aceitar vai confirmar para muitos a teoria da conspiração. Vai ser um prato cheio. As vezes, o convite, ainda que possa representar reconhecimento (merecido), vai significar para muita gente boa e imparcial, que nos apoia, sem falar da imprensa e o PT, uma virada de mesa, de postura, incompatível com a de Juiz”, advertiu o procurador.
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Segundo o Intercept, em 1º de novembro, quando ficou claro que Moro seria anunciado como ministro da Justiça, outros procuradores do MPF não envolvidos com a Lava Jato engrossaram o coro. Conversando no grupo BD, do qual faziam parte procuradores de vários estados, eles dispararam duras críticas ao ex-juiz:
1º de novembro de 2018 – BD
Ângelo – 10:00:07 – Cara, eu não confio no Moro, não. Em breve vamos nos receber cota de delegado mandando acrescentar fatos à denúncia. E, se não cumprirmos, o próprio juiz resolve. Rs.
Monique – 10:00:30 – Olha, penso igual.
Monique – 10:01:36 – Moro é inquisitivo, só manda para o MP quando quer corroborar suas ideias, decide sem pedido do MP (variasssss vezes) e respeitosamente o MPF do PR sempre tolerou isso pelos ótimos resultados alcançados pela lava jato
Ângelo – 10:02:13 – Ele nos vê como “mal constitucionalmente necessário”, um desperdício de dinheiro.
Monique – 10:02:30 – Se depender dele, seremos ignorados.
Ângelo – 10:03:02 – Afinal, se já tem juiz, por que outro sujeito processual com as mesmas garantias e a mesma independência? Duplicação inútil. E ainda podendo encher o saco.
Monique – 10:03:43 – E essa fama do Moro é antiga. Desde que eu estava no Paraná, em 2008, ele já atuava assim. Alguns colegas do MPF do PR diziam que gostavam da pro atividade dele, que inclusive aprendiam com isso.
Ângelo – 10:04:30 – Fez umas tabelinhas lá, absolvendo aqui para a gente recorrer ali, mas na investigação criminal – a única coisa que interessa -, opa, a dupla polícia/ juiz eh senhora.
Monique – 10:04:31 – Moro viola sempre o sistema acusatório e é tolerado por seus resultados.
Procuradores também chamaram de “tabelinhas” alguns absolvições de Moro para criar, segundo sugerem as mensagens, uma percepção de imparcialidade. Quando Moro foi finalmente confirmado como ministro da Justiça, o procurador Sérgio Luiz Pinel Dias, que atua na Lava Jato no Rio de Janeiro, digitou no grupo MPF GILMAR MENDES que, daquele momento em diante, seria muito difícil “afastar a imagem de que a LJ integrou o governo de Bolsonaro”:
1º de novembro de 2018 – Grupo MPF GILMAR MENDES
Thaméa Danelon – 10:19:01 – Bom dia pessoal. Qual a opinião de vcs sobre Moro no MJ?
José Augusto Simões Vagos – 10:44:57 – Acho inoportuno
Sérgio Luiz Pinel Dias – 10:50:51 – Thamea e colegas, pessoalmente acho ruim para o legado da LJ, por melhor que sejam as intenções dele de tentar influir por dentro. . . . Para mim, LJ, além de ser um símbolo, é um método de atuação das nossas instituições, que nos permitiu, até aqui, surfar juntos em uma excelente onda. Mas será difícil, muito difícil, hoje e provavelmente no futuro, com a assunção de Moro ao MJ, afastar a imagem de que a LJ integrou o governo de Bolsonaro. Vejo, por esse motivo, com muita preocupação esse passo do Moro.
Mônica Campos de Ré – 10:54:12 – Concordo!
A procuradora Isabel Cristina Groba Vieira, da Lava Jato em Curitiba, opinou no grupo Filhos do Januario 3: “É realmente péssimo. O nome da LJ não pode ser conspurcado.”
De acordo com o Intercept, os diálogos vazados indicam que, antes mesmo da confirmação da ida de Moro para o governo Bolsonaro, já havia críticas de procuradores sobre uma aproximação entre o então juiz e o favorito à eleição presidencial por conta das declarações consideradas antidemocráticas, misógenas e homofóbicas do candidato vitorioso. A três dias do segundo turno das eleições, em 25 de outubro, os procuradores Jerusa Viecili e Paulo Roberto Galvão lamentaram que Moro e a própria força-tarefa passassem a impressão de favorecer a candidatura de Bolsonaro.
Segundo o site, Galvão se mostrava especialmente preocupado com o silêncio da força-tarefa em relação às declarações do político contra a liberdade de imprensa e ao seu desprezo pelo devido processo legal. Essas posições eram criticadas pela Lava Jato quando verbalizadas por outros políticos. Galvão se incomodava também com o silêncio dos colegas frente aos ataques dirigidos contra os protestos anti-Bolsonaro que ocorriam em universidades, assim como Jerusa Viecili:
25 de outubro de 2018 – grupo Filhos do Januário 3
Jerusa Viecili – 14:45:52 – Pessoal, desculpem voltar ao assunto (sou voto vencido), mas, somente esta semana, várias pessoas, inclusive alguns colegas e servidores, me questionaram a ausência de manifestação da FT diante de alguns posicionamentos dos candidatos à presidência. Fato é que sempre nos posicionamos diante de várias ameaças ao nosso trabalho e, nos últimos dias, temos ficado silentes, mesmo com ameaças de candidatos à independência do Ministério Público (nomeação de PGR fora da lista tríplice) e à liberdade de imprensa. Em outros tempos, por motivos outros, mas igualmente relevantes e perigosos, divulgamos nota, convocamos coletiva e ameaçamos renunciar (!). Agora, jornalistas escrevem no Twitter que a LAVA JATO é caso de desaparecido político, pois já alcançou o que queria. Acho muito grave ficarmos em silêncio quando um dos candidatos manifesta-se contra a nomeação do PGR da lista tríplice, diante de questões ideológicas. Mais grave ainda, assistirmos passivamente, ameaças à liberdade de imprensa quando nós somos os primeiros a afirmar a importância da imprensa para o sucesso da Lava Jato. Igualmente grave, candidatos divulgarem nomes de futuros ministros que são alvos de investigações e processos por corrupção. Nossa omissão também tem peso e influência. Eu sinceramente não quero (e isso a penas a história dirá) que a Lava Jato seja vista, no futuro, como perseguição ao PT e, muito menos, como co-responsável pelos acontecimentos eleitorais de 2018. . . .
Três horas depois, o procurador Paulo Roberto Galvão disse no mesmo grupo: “Pessoal, nós somos procuradores da República. Cumprimos a nossa função no combate à corrupção, e não poderíamos ter feito diferente, ainda que soubéssemos que daí poderia advir um eleito antidemocrático (e sabíamos pois estudamos e conhecíamos o risco Berlusconi)”. Para ele, a força-tarefa não poderia ser acusada de ter tentando influenciar as eleições presidenciais, porque só fez o seu trabalho. “Infelizmente, Moro indiretamente e Carlos Fernando diretamente erraram ao deixar transparecer preferência (o primeiro) ou dizer abertamente de sua preferência (o segundo)”, ponderou.
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Jerusa Viecili insistiu no assunto: “Já desvirtuam o que falamos contra a corrupção ser a favor do Bolsonaro. mas não vou mais insistir. o fato é que a FT sempre comentou tudo (desde busca e apreensão em favela, lei de abuso de autoridade, anistia, indulto, panelinha, etc …) e agora não comenta independencia do MP, liberdade de imprensa e BA em universidade”.
O ex-presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) José Robalinho Cavalcanti classificou, entre outra conversa, de “erro crasso” a comemoração feita pela esposa de Sergio Moro com a vitória de Bolsonaro na noite do segundo turno.
28 de outubro de 2018 – grupo BD
Alan Mansur PRPA – 20:21:05 – Esposa de Moro comemorando a vitória de Bolso nas redes
José Robalinho Cavalcanti – 20:21:29 – Erro crasso.
José Robalinho Cavalcanti – 20:22:09 – Compromete moro. E muito
Janice Agostinho Barreto Ascari – 20:25:30 – Moro já cumprimentou o eleito. Como perde a chance de ficar de boa, pqp
Luiz Fernando Lessa – 20:25:56 – esse povo do interior
Luiz Fernando Lessa – 20:26:02 – é muito simplório
No dia 31 de outubro, véspera do anúncio da ida de Moro para o ministério, a procuradora Janice Ascari comentou que Moro havia se perdido na vaidade. “Ele se perdeu e pode levar a Lava Jato junto. Com essa adesão ao governo eleito toda a operação fica com cara de ‘República do Galeão’, uma das primeiras erupções do moralismo redentorista na política brasileira e que plantou as sementes para o que veio dez anos depois”, emendou João Carlos de Carvalho Rocha. Janice, segundo o Intercept, completou depois: “Se Moro topar ser MJ, para mim será a sinalização de estar de olho na próxima campanha presidencial.”
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Para o procurador Alan Mansur, ao aceitar o convite de Bolsonaro, Moro dava motivos de comemoração para o PT. “Acho que o PT deve estar em festa agora, para justificar todo o discurso deles”, escreveu Alan Mansur. Peterson de Paula Pereira, procurador da República no Distrito Federal, disse que a decisão de Moro mostrava como ele atuava contra o ex-presidente Lula: “Fica claro que ele tinha Lula como troféu”. Para Monique Cheker, o movimento do ex-juiz passava uma imagem de que ele estava fazendo uma “escadinha” política com a Lava Jato. “Diferente se fosse ao STF direto. Seria perfeito. Políticos precisam obedecer prazos de desincompatibilidade. Por que não juízes e membros do MP? O distanciamento é importante numa república. Não basta ser honesto, tem que parecer honesto”, defendeu Monique. ” E a ‘escadinha’ disso tudo foi terrível: Moro ajudou a derrubar a esquerda, sua esposa fez propaganda para Bolsonaro e ele agora assume um cargo político. Não podemos olhar isso e achar natural”, completou a procuradora da República.
Conforme o Intercept, dias depois de Moro ter aceitado o ministério, o coordenador da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol, admitiu estar preocupado com os danos causados à reputação e à credibilidade do trabalho realizado por cinco anos pela operação Lava Jato. Ele e a procuradora Janice Ascari concordaram em uma conversa entre os dois que a conduta de Moro gerava “uma preocupação sobre alegações de parcialidade que virão”. Mesmo assim, os dois continuariam a defendê-lo.
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De acordo com o site, a força-tarefa diz não atestar a veracidade do conteúdo e que a Lava Jato é sustentada com base em provas robustas e denúncias consistentes, analisadas e validades por diferentes inst}ancias do Judiciário. “Os integrantes da Força-Tarefa pautam suas ações pessoais e profissionais pela ética e pela legalidade.” Já a procuradora Monique Cheker disse que “não tem registro da mensagem enviada e, portanto, não reconhece a suposta manifestação”. “A procuradora ainda afirma que são públicas e notórias as incontáveis manifestações de apoio à operação Lava Jato e ao então juiz Sérgio Moro”, acrescentou sua assessoria.
O procurador regional da República Luiz Fernando Lessa esclareceu que, desde recentes ataques ao Telegram, não possui mais o aplicativo nem as mensagens trocadas por meio dele, de modo que não reconhece as mensagens. Demais procuradores que não fazem parte da força-tarefa foram procurados e não responderam até a publicação deste texto. Eventuais comentários serão publicados se forem enviados ao Intercept.
Desde o início do mês o site editado pelo jornalista Glenn Greenwald tem publicado reportagens que sugerem que Moro orientou investigadores da Lava Jato, prática proibida por lei, já que o magistrado deve se manter equidistante das partes em um processo. Moro admitiu o teor de alguns diálogos, mas afirmou que não poderia atestar outros por não se recordar se eles existiram ou não. Também disse que não vê nada de ilegal no teor das declarações atribuídas a ele e ainda condenou a invasão dos celulares e o vazamento do material. Glenn afirma que muitas revelações comprometedoras serão feitas pelo Intercept sobre o assunto. Os dois estiveram no Congresso nesta e na semana passada.
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