Nesta sexta-feira (15), o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), tornou público o conteúdo dos depoimentos dos alvos do inquérito movido pela Polícia Federal que investiga a tentativa de golpe de Estado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e seus aliados. Dentre eles, as falas de dois investigados podem aproximar o antigo mandatário da prisão: são as do ex-comandante do Exército, general Freire Gomes, e do tenente-brigadeiro Baptista Junior, da ex-comandante da Aeronáutica.
O ponto central do inquérito diz respeito à minuta de decreto, cuja versão inicial foi encontrada no último mês de fevereiro na sede do PL. Uma versão revisada, mais curta, já havia sido apreendida pela Polícia Federal na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, após os ataques de 8 de janeiro de 2023. O documento institui no Brasil um Estado de Sítio ou de Defesa, a depender da versão, sobre o Tribunal Superior Eleitoral, visando impedir a posse do presidente Lula sob o preceito de uma suposta fraude nas urnas.
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Juristas consultados pelo Congresso em Foco ressaltaram que, caso se comprove a participação de Bolsonaro na elaboração da minuta, ou a sua aceitação ao tomar conhecimento da existência do documento, este passa a se enquadrar nos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado de Direito e tentativa de golpe de Estado, previstos nos artigos 359-L e 359-M do Código Penal.
O depoimento de Freire Gomes caminha exatamente nessa direção. À Polícia Federal, o general relatou ter sido convocado para uma reunião com o próprio presidente para que lhe fosse apresentado o teor da minuta, na presença do ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, e do comandante da Marinha, almirante de esquadra Almir Garnier. O documento foi lido pelo ex-assessor de Bolsonaro, Filipe Martins. Ao concluir a leitura, Bolsonaro teria informado os oficiais de que se tratava de uma minuta, ainda em processo de elaboração. Na sequência, as versões variam entre o depoimento de Freire Gomes e o de Baptista Junior.
Implicações jurídicas
De acordo com o advogado Cláudio Castello de Campos Pereira, as condutas de Bolsonaro relatadas nos últimos depoimentos “ultrapassam as meras intenções criminosas para configurar etapas executórias do crime”. Ele chama atenção não apenas para os eventos ao redor da minuta do golpe, mas também para o depoimento do presidente do PL, Valdemar Costa Neto, que disse ter sido pressionado por Bolsonaro a tentar anular as eleições pela via judicial.
“O golpe chegou a ser iniciado, mas não se efetivou devido à resistência de segmentos militares, o que demonstra a transição da fase de intenção para a de execução do delito”, ressaltou o advogado, que relembrou o entendimento manifestado anteriormente pelo Supremo Tribunal Federal de que uma conduta pode ser considerada golpe de Estado independente de haver ou não a participação de forças militares, mas sim “a ambição de usurpar ou de alterar a ordem constitucional estabelecida”.
PublicidadeAntonio Rodrigo Machado, professor de Direito pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), compreende que o ex-presidente poderá ser condenado, uma vez ficando comprovado o esforço de Jair Bolsonaro em pressionar os chefes das Forças Armadas a participar de um golpe de Estado. Segundo o advogado, não há, no momento, indícios de que ele esteja efetivamente tentando obstruir as investigações, continuar com os esforços pelo golpe ou sair do país, o que impede de acontecer uma eventual prisão preventiva. “Entendo que não existem elementos para que Bolsonaro seja preso na atual conjuntura”, avalia.
Na versão apresentada por Freire Gomes, o ex-presidente teria convocado os comandantes das três forças armadas e mais o ministro da Defesa ao Palácio da Alvorada para apresentar o último modelo da minuta. Garnier teria expressado concordância com o decreto, e posto a Marinha à disposição de Bolsonaro. A força possui um grupamento de fuzileiros navais localizado próximo ao Tribunal Superior Eleitoral e à Esplanada dos Ministérios. Baptista e Freire Gomes teriam protestado, e o general teria ameaçado usar voz de prisão se houvesse insistência do presidente.
Na versão de Baptista Junior, Bolsonaro não estava presente nesta última reunião. O encontro teria acontecido não no Alvorada, mas no Ministério da Defesa, no gabinete de Paulo Sérgio Nogueira. O tenente-brigadeiro relata a concordância de Garnier sobre o golpe, e reafirma o protesto dele e de Freire Gomes, que se retiraram da sala. Em seu depoimento, porém, não é citada a possibilidade de voz de prisão pelo chefe da força terrestre.
Paulo Sérgio Nogueira são aliados do ex-presidente, e ficaram em silêncio durante suas oitivas na Polícia Federal.