Quando se discute o papel do Supremo Tribunal Federal, é muito comum se criticar o protagonismo de seus membros que, em suas decisões, de acordo com os críticos, invadem áreas de competência dos demais poderes da República.
Décadas atrás os nomes dos ministros do Supremo Tribunal Federal sequer eram conhecidos.
Nos dias de hoje, a cada aposentadoria de um ministro, inicia-se uma grande articulação, mais política do que jurídica, para a substituição.
Nas três últimas nomeações o presidente da República fez uma opção pessoal. Bolsonaro, sem nenhum pudor, deixou claro que, entre outros critérios, escolheria alguém com quem pudesse “tomar tubaína” e que fosse “terrivelmente evangélico”. Já Lula nomeou seu advogado pessoal.
Isso porque, diante da importância de cada um dos membros do Supremo Tribunal Federal, o chefe do Poder Executivo opta por alguém com quem tenha diálogo e, mais que isso, seja previsível nos votos dos casos de interesse do governo.
Em verdade, desde a promulgação da Constituição de 1988, o STF foi ocupando espaço ascendente na vida política do Brasil.
Felipe Recondo e Luiz Weber, em magnífico estudo (Os Onze, Companhia das Letras) procuram apontar as razões para essa ascensão e ponderam:
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Publicidade“Não há explicação simples para essa ascensão. A Carta de 1988 regulou inúmeros temas da vida brasileira, canalizando conflitos sociais para o STF, o tribunal com competência para interpretar, quando motivado, a letra da lei. A Constituição ainda abriu as portas do tribunal para que partidos políticos e organizações da sociedade civil questionassem, por meio das ‘ações diretas de inconstitucionalidade’, a constitucionalidade das leis, antes prerrogativas do procurador-geral da República – demissível pelo presidente. Ou seja, a Constituição alçou o Supremo à última arena das disputas políticas do país, uma Corte muito diferente do tribunal que os anos de ditadura militar apequenaram. As transformações não ocorreram de forma linear, nem decorreram apenas da nova Constituição. O Congresso aprovou leis que, ao reformarem o controle de constitucionalidade, aumentaram o poder de fogo do tribunal”.
Importante notar que os nomeados são vitalícios e nada garante que, ao longo dos anos, manterão suas tendências que impulsionaram a nomeação.
Basta lembrar que no julgamento do mensalão, o relator, ministro Joaquim Barbosa, decisivo para a condenação de vários dirigentes do PT, entre os quais o então todo poderoso José Dirceu, foi nomeado pelo presidente Lula.
A propósito, o ministro Alexandre de Moraes assumiu o cargo após a morte de Teori Zavascki, nomeado no breve mandato de Michel Temer. Na ocasião sua nomeação foi duramente contestada por partidários do PT, críticos de sua atuação como Secretário de Segurança do governo Geraldo Alckmin.
A atuação da polícia de São Paulo, no período em que Alexandre era o responsável pela pasta da segurança, no dizer de muitos petistas, criminalizava os movimentos sociais e muitas vezes não respeitava o direito de livre manifestação da classe trabalhadora. A expressão “polícia do Alckmin” era usada de maneira pejorativa por setores da esquerda ligados ao atual Presidente da República.
Ainda que hoje pareça incrível, a nomeação de Alexandre de Moraes por Michel Temer foi bem recebida pelos setores mais conservadores da sociedade, ao contrário do que ocorreu com os chamados progressistas. Em outras palavras, o exercício do cargo fez com que a visão sobre Alexandre de Moraes mudasse radicalmente.
Em verdade, o longo tempo de mandato de cada ministro faz com que, com o passar dos anos, cada ministro se distancie de quem o nomeou (alguém se lembra que o decano Gilmar Mendes foi nomeado por FHC?).
Como é sabido, os primeiros votos do ministro Zanin desagradaram vários segmentos da sociedade ligados ao Presidente que o nomeou. Certamente, daqui a uma década, assim como ocorre com Gilmar Mendes e FHC, será difícil se lembrar que Zanin foi nomeado por Lula.
Embora a classe política reclame do que se convencionou chamar de ativismo judicial, o Supremo foi crescendo porque não poucas vezes parlamentares, vencidos no Legislativo, começaram a levar ao Supremo demandas pendentes no Congresso, o que vale dizer que passaram a se utilizar da mais alta corte do país no campo da disputa política.
De outro lado, a competência originária do Supremo Tribunal Federal fez com que casos que causaram impacto- mensalão e petrolão são os melhores exemplos- fossem julgados em sessões televisadas com grande audiência. Importantes quadros políticos foram julgados e condenados pela cúpula do Poder Judiciário, o que ocasionou crítica descabida segundo a qual o Judiciário estava criminalizando a atividade política.
Importante destacar que até 2001 o STF só podia processar e julgar deputados e senadores se a Câmara e o Senado, respectivamente, tivessem autorizado e isso, raramente, ocorria. A propósito, o famigerado deputado Hildebrando Pascoal, acusado de liderar grupo de extermínio no Acre não foi julgado pelo Supremo. A Câmara, ao invés de autorizar o processo, preferiu cassar-lhe o mandato, pelo que, com a perda da prerrogativa de função, foi processado e condenado em primeira instância. Com a aprovação da emenda constitucional 35 houve importante inversão: o Supremo passou a ter competência para julgar sem autorização prévia. É certo que a Câmara e o Senado podem suspender o processo a posteriori, o que traz, sem dúvida, enorme custo político.
Feitas essas observações, fica claro que o protagonismo do Supremo tem como causa o texto da Constituição, o uso da própria classe política quando submete ao tribunal casos em que sua posição não prevaleceu e, finalmente, as inúmeras causas de competência originária da mais alta corte do país.
Ainda assim, mesmo não podendo se afirmar que o Supremo tenha dado causa ao seu excesso de visibilidade algumas ponderações devem ser feitas.
É preciso, em primeiro lugar, priorizar a ideia de que o Supremo Tribunal Federal, a exemplo do que ocorre na maioria das democracias, deve ser rápido e eficiente com competência prioritariamente constitucional.
Neste passo, caberia ao Supremo limitar o conhecimento dos casos que lhe são submetidos a apreciação.
Como é sabido, a nossa Constituição é criticada por ser muito extensa e por ser mais uma “carta de intenções” do que uma “carta de princípios”. Princípios extremamente amplos, como o da razoabilidade, por exemplo, no limite, permitem que a corte reveja decisões dos outros poderes.
Uma interpretação mais restrita dos casos de competência do Supremo Tribunal Federal traria, no meu sentir, mais segurança jurídica. Sucede, no entanto, que ninguém renuncia a poder pelo que, cada vez mais, o Supremo Tribunal Federal chama para si questões de duvidoso interesse constitucional.
Não bastasse a falta de clareza no estabelecimento dos limites ao “guardião da Constituição”, falta clareza nos poderes de cada um dos ministros. Há quem diga que temos onze supremos.
As liminares com efeito de decisão definitiva, os pedidos de vista muitas vezes protelatórios e a falta de um critério técnico para a definição da pauta de julgamento dão a cada membro da corte enorme dose de poder.
Não poucas vezes, os julgamentos são adiados com pedidos de vista com maioria já formada.
Para ficar apenas em um exemplo, o juízo de garantias, previsto no pacote anticrime, não foi introduzido até hoje muito em razão de liminar concedida pelo então presidente do Supremo e a não colocação do assunto em julgamento durante todo seu mandato.
Questionável também o tempo de mandato de cada um dos ministros. Com a aprovação da chamada PEC da Bengala, os ministros permanecem décadas no cargo, o que, sem dúvida, traz sérios inconvenientes quando o nomeado eventualmente não se mostrar preparado para o cargo.
Não se nega que, por quatro anos, vivemos momentos difíceis em que o Supremo Tribunal Federal teve atuação decisiva para a manutenção da ordem democrática e do Estado de direito.
A dívida existe.
Ainda assim, cabe ao Supremo Tribunal Federal uma reflexão sobre as críticas, cada vez mais frequentes e não necessariamente de inimigos da democracia, a respeito do excesso de protagonismo e excesso de poder.
A discussão é válida.
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