A posse do ministro Dias Toffoli como presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) deveria soar como um alento à combalida democracia brasileira. Afinal, aos 50 anos de idade, já começa fazendo história ao ser o mais jovem ocupante da mais importante cadeira do Poder Judiciário do país.
Mas muito além desse detalhe pontual, seu discurso de posse evoca o âmago da Nação, conclama todo o país ao diálogo “plural e democrático” para elaborar uma agenda comum, todos na condição de construtores do caminho – e não como simples passageiros da história – e coloca a educação como pilar fundamental da mudança e do desenvolvimento.
Também deu recados velados a eleitores desavisados, o que talvez tenha passado despercebido aos olhos da maioria. Insistiu no uso de termos que hoje não fazem parte do vocabulário nem do comportamento de alguns candidatos à Presidência da República, governos estaduais, Senado, Câmara dos Deputados, assembleias estaduais e distrital: tolerância, diversidade, respeito, liberdade, harmonia, diálogo, gentileza, afetividade, sensibilidade, amor.
Sim, o novo presidente do STF citou o amor no discurso de posse. Nada mais simbólico. Para bom entendedor, uma bem articulada sequência de palavras basta para que a mensagem seja absorvida. Não há possibilidade de um discurso desse porte não possuir enfoque político, mas chama a atenção o conteúdo e os termos empregados. Eles tinham endereço. E sabemos qual é.
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Há, porém, entraves gordurosos a serem encarados. Se por um lado as palavras bonitas e minuciosamente estudadas nos induzem a crer num novo momento do órgão máximo do Judiciário, por outro ações recentes nos colocam sob um gigantesco balde de água fria, como se a população toda fosse figurante do filme Matrix, nos momentos em que o tempo passa em câmera lenta, apenas prolongando o dramático desfecho daquele banho gelado, mas com a expectativa de que alguma coisa aconteça para mudar o rumo daquela história.
O principal entrave é o próprio senso de ética do Judiciário, a começar pela própria remuneração. Dias atrás, após uma negociação direta com o Palácio do Planalto, o STF remanejou seu orçamento para permitir reajuste salarial de 16,38% nos salários dos 11 ministros. Em contrapartida, os supremos magistrados se comprometeram a eliminar o ultrajante pagamento de auxílio-moradia à categoria, ou R$ 4,7 mil mensais adicionais ao já robusto salário a todos os juízes do país, ainda que já tenham moradia própria.
Para se ter uma ideia do tamanho da polêmica, até mesmo o juiz mais famoso do Brasil nos dias de hoje, Sérgio Moro, idealizador da Operação Lava Jato, foi acusado de receber o benefício mesmo sendo proprietário do imóvel em que reside em Curitiba (PR). Questionado, o juiz afirmou que o benefício compensa a falta de reajuste da categoria.
Ocorre que o reajuste gera impacto violento nas contas públicas do país, uma vez que servem de referência para o teto salarial do funcionalismo público e para o salário de todo o Poder Judiciário, além de servir de argumento para o reajuste de salário para o Legislativo e Executivo, incluindo senadores, deputados federais, estaduais, vereadores, governadores e prefeitos, mais ministros, secretários e assessores, numa bola de neve estimada em cerca de R$ 800 milhões por ano, mas que poderá facilmente chegar à casa do R$ bilhão. Afinal, os tais 16% serão aplicados sobre R$ 33,7 mil, resultando em R$ 39,2 mil – um reforço de R$ 5,5 mil mensais.
Fiquemos apenas neste exemplo, sem abordar a outras potenciais polêmicas que pairam sobre Dias Toffoli, como o possível direcionamento político da pauta do STF ou a sedução midiática por holofotes, ou mesmo o cabo de guerra e enfrentamento direto entre ministros registrados ao vivo e a cores em recentes sessões de julgamento.
Só para efeito comparativo, e a partir de um dos motes do novo presidente do Supremo, o reajuste do piso salarial dos professores – cuja valorização pode ser considerada a base da mudança e do desenvolvimento do país, como exposto no discurso de posse –, foi de 6,81%.
O índice foi amplamente celebrado e pomposamente anunciado pelo Ministério da Educação em dezembro de 2017.
Vamos aos valores. Em primeiro lugar, o índice é 10 pontos percentuais menor que o reajuste dos magistrados apresentado agora pelo STF. O piso salarial dos professores, com o reajuste, chegou a R$ 2.455,30, praticamente a metade do que os juízes recebem de auxílio moradia, menos da metade dos R$ 5,5 mil de aporte no novo salário dos magistrados e equivalente a irrisórios 6% do teto salarial.
Agora imagine uma decisão política geral, resultante do diálogo, do pacto democrático, da conclamação formalizada no discurso de posse de Toffoli, que equiparasse o salário – e o prestígio – do professor ao do juiz?
Aí sim o Brasil estaria diante de um novo recomeço.
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