por Luiza Nagib Eluf*
“Nunca há motivos para matar. Não há nada no mundo que justifique o atentado contra a vida humana. A vida é séria e respeitável demais para que se exponha ao arbítrio de qualquer arrebatado. A vida é o único bem que não se restitui. Acima do amor, da honra, do ciúme, da vingança, de todas as paixões da alma e de todos os instintos da carne, está o inviolável direito de viver. Para matar, não pode haver justificação. Não há direito de matar”.
– Pedro da Mata Machado
Em recente pronunciamento, o procurador-geral da República, Augusto Aras, deixou claro que a tese da “legítima defesa da honra”, utilizada no passado por longo tempo para absolver homicidas “passionais”, deve ser considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
De espantar essa moção, tendo em vista que a redação dada ao crime de homicídio cometido contra a mulher, por razões da condição do sexo feminino no Brasil, situação na qual a mulher está sujeita a violência doméstica e sofre todo o tipo de discriminação apenas por ser mulher, já se encontra estabelecida em nossa legislação desde 2015! E nosso espanto não é pelo pronunciamento do procurador-geral da República, a quem devotamos toda a nossa admiração, mas pela necessidade de ele ter feito esse apelo mesmo depois de 8 anos da reforma que inseriu a figura penal do feminicídio no artigo 121, § 2º, VI, do nosso Código. Ou seja: não apenas nada mudou, como ainda restam arraigados os padrões machistas de comportamento que tanto malefício vêm causando ao povo brasileiro.
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Impressionante a permanência dos padrões patriarcais de comportamento, extremamente atrasados, injustos e cruéis que insistem em permanecer arraigados nos costumes da sociedade brasileira. A “legítima defesa da honra” é uma excrescência, importada dos colonizadores europeus, segundo a qual a mulher não alcança o status de ser humano, ela seria apenas um apêndice da família, condenada a obedecer o marido e a cuidar de filhos. Sua vida e seus direitos deveriam ser submetidos aos desejos do varão.
O procurador-geral Augusto Aras, em boa hora, veio a público reivindicar para as mulheres e para toda a população brasileira o direito à vida, à liberdade, à locomoção, à igualdade de direitos, à não discriminação e à dignidade humana. Para isso, manifestou-se o chefe do Ministério Público Federal na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 779, no sentido de que “o STF dê a dispositivos dos Códigos Penal e de Processo Penal interpretação conforme a Constituição Federal para proibir a tese da legítima defesa da honra. A mencionada vedação deverá valer para defesa, acusação e autoridade policial, sendo que o desrespeito à proibição deverá levar à nulidade do ato e do próprio julgamento”.
PublicidadeAlém disso, se os jurados reconhecerem materialidade e autoria do crime de feminicídio, porém ainda assim absolverem o réu contrariando as provas, deve ser assegurado recurso de apelação para que seja reconhecida a inadequação na apreciação das provas, devendo ser determinado novo julgamento por outro Tribunal do Júri.
A malsinada tese da “legitima defesa da honra” é uma verdadeira aberração jurídica, ultrapassada, criada no século retrasado, que deve ser totalmente banida.
A exemplo do que aconteceu com a Lei Maria da Penha, algumas críticas mordazes e improcedentes, a princípio, foram feitas ao feminicídio pelos segmentos conservadores. No entanto, é bom lembrar que nossa lei penal já há tempos prevê outras formas específicas de homicídio, como o infanticídio, o aborto e o genocídio. Além disso, a doutrina penal também destaca o parricídio, o matricídio e o fratricídio, mas, ainda que assim não fora, o feminicídio teria que ser criado, pois o morticínio de mulheres por motivos passionais (e portanto de gênero, resultante de violência doméstica) é gigantesco no Brasil e precisa ser mais severamente coibido.
Assim como observado na epígrafe acima, atribuída a Pedro da Mata Machado, ele estava coberto de razão. Foi um advogado de renome, mas também jornalista e político Mineiro de muita sabedoria, que se elegeu Senador e foi também deputado federal, por Minas Gerais, em 1934. Nasceu em Diamantina, em 28 de janeiro de 1865 e consta que faleceu em 1944. Evidente, portanto, que o assassinato de pessoas, mas principalmente das mulheres, é uma violação de direitos de há muito em prática em nosso país, sem que se consiga evitar eficazmente tal morticínio.
Nosso país já deu vários passos na defesa da integridade física e psicológica da população feminina, mas as medidas tomadas ainda não se mostram suficientes para fazer diminuir a violência contra a mulher. Por essa razão, devemos continuar buscando caminhos para alcançar a eficiência que nos possibilitará viver em uma comunidade pacificada.
* Luiza Nagib Eluf é advogada criminal formada pela USP. Procuradora de Justiça de São Paulo aposentada, integrou o Ministério Público Estadual de São Paulo por 30 anos até 2012. Site: www.luizaeluf.com.br.
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