A partir do dia 5 de agosto, a Comissão de Conciliação do Supremo Tribunal Federal (STF) dará início às negociações ao redor dos processos apresentados por diversos partidos políticos e movimentos de defesa dos povos indígenas que pela declaração de inconstitucionalidade da lei aprovada ao final de 2023 que estabelece o ano de 1988 como marco temporal para demarcação de terras indígenas. Em nota técnica enviada à Corte, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) alega que não há espaço na lei para que a disputa seja resolvida por conciliação.
A proposta de uma solução negociada entre as partes à questão do marco temporal das terras indígenas foi acatada pelo relator Gilmar Mendes em abril, e foi recebida com ceticismo por lideranças indígenas. Uma vez iniciada, a conciliação seguirá até meados de dezembro, a menos que todos os lados envolvidos cheguem antes a um acordo.
Para que audiências de conciliação possam ocorrer, porém, a disputa deve acontecer ao redor de um objeto negociável. De acordo com o Cimi, a própria Constituição veda negociações sobre direitos dos povos indígenas. “Trata-se, a rigor, de direitos fundamentais, reconhecidos pelo STF (…) como verdadeiras cláusulas pétreas. Certo de que a Constituição não permite a transação sobre terras de ocupação tradicional ou sobre direitos e garantias individuais de povos indígenas, que por serem direitos fundamentais estão protegidos sobre o manto da indisponibilidade”, argumentam a defesa jurídica do Conselho.
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O Cimi também relembrou que já existe jurisprudência no STF que reconhece como inconstitucional a adoção de um marco temporal como critério para demarcação dos povos indígenas, incluindo o julgamento da própria ação que resultou no surgimento da lei que agora é tema de disputa. “É de afirmar que a Lei 14.701/2023, nos termos da jurisprudência da Suprema Corte, nasce com presunção de inconstitucionalidade”, apontam. Com isso, a entidade defende que, no lugar da negociação, seja concedida uma decisão liminar suspendendo os efeitos da lei do marco temporal.
O marco temporal também, de acordo com o Cimi, fere o princípio constitucional da vedação ao retrocesso em matéria de direitos humanos, além de violar compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, que estabelecem a preferência pela aplicação de normas mais favoráveis ou benéficas aos direitos dos povos indígenas.
Para além da questão jurídica, tanto o Cimi quanto outras organizações de proteção aos indígenas alertam para a vulnerabilidade das comunidades desde a aprovação da lei do marco temporal, situação que se agravou na última semana: entre o último sábado (14) e quinta-feira (8), ao menos oito ataques armados de fazendeiros a aldeias indígenas foram registrados no Centro-Sul, situação que tende a piorar diante da insegurança jurídica ao redor das reservas em processo de demarcação.
PublicidadeDo outro lado, o Congresso Nacional defende a saída negociada da disputa. O próprio presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), se pronunciou em defesa da conciliação, que ao seu ver pode ser uma alternativa à aprovação da PEC que tramita na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) que inclui o marco temporal na Constituição.
Confira a íntegra da nota técnica: