O empreiteiro que incriminou o ex-presidente Lula no caso que o levou à prisão foi tratado com desconfiança pela Operação Lava Jato durante quase todo o tempo em que se dispôs a colaborar com as investigações, aponta reportagem conjunta da Folha de S.Paulo e do Intercept Brasil. É o que indica a troca de mensagens privadas trocadas entre procuradores envolvidos nas negociações reproduzida na edição deste domingo (30) do jornal.
Segundo a reportagem, o empresário Leo Pinheiro, da OAS, só apresentou a versão que incriminou Lula em abril de 2017, mais de um ano depois do início das negociações com a Lava Jato, quando foi interrogado pelo então juiz Sergio Moro no processo do triplex. Na ocasião, ele disse que a reforma do imóvel era parte dos acertos que fizera com o PT para garantir contratos da OAS com a Petrobras. Essa conexão fundamental para que o processo ficasse nas mãos de Moro.
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“Sobre o Lula eles não queriam trazer nem o apt. Guaruja”, escreveu o promotor Sérgio Bruno Cabral Fernandes a outros integrantes da equipe que negociou com os advogados da OAS em agosto de 2016, numa discussão sobre a delação no aplicativo Telegram. “Diziam q não tinha crime.” Antes da declaração envolvendo Lula, os procuradores haviam rejeitado a proposta de acordo da empreiteira. As negociações, então, foram retomadas, mas até hoje ainda não foram concluídas no Supremo Tribunal Federal.
Quando foi ouvido por Moro, Leo Pinheiro já havia sido condenado pelo então juiz por ter pago propina a dirigentes da Petrobras e recorria em liberdade, mas temia ser preso se a apelação fosse rejeitada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, onde os processos de Curitiba são revistos. Na época, havia indícios de que a OAS e a Odebrecht tinham feito obras no sítio de Atibaia (SP), também atribuído ao presidente, como forma de compensação por contratos.
O desejo de Leo Pinheiro em colaborar foi recebido com ceticismo desde o início. “A primeira notícia de versão do LP [Léo Pinheiro] sobre o sítio já é bem contrária ao que apuramos aqui”, disse um dos procuradores, Paulo Roberto Galvão, no início de março. “Estamos abertos a ouvir a proposta da empresa mas não nos comprometemos com nada.”
De presente a propina
De acordo com a Folha, uma pessoa que acompanhou as conversas da OAS com a Lava Jato na época disse que, inicialmente, o empreiteiro descreveu o triplex como um presente que oferecera a Lula sem pedir nada em troca. Segundo essa pessoa, a insatisfação dos procuradores o levou a mudar sua versão pelo menos duas vezes até chegar àquela adotada em 2017.
Conforme a reportagem, as mensagens analisadas mostram que os relatos apresentados pela empreiteira sofreram várias alterações até que os procuradores aceitassem assinar um termo de confidencialidade com os advogados, passo essencial para que as negociações avançassem.
Mas os ajustes feitos pela OAS pareciam sempre insuficientes. “Na última reunião dissemos que eles precisariam melhor[ar] consideravelmente os anexos”, disse o procurador Roberson Pozzobon aos colegas em julho, quando se preparavam para um novo encontro com os representantes da empresa.
Embora apontassem várias omissões nos relatos entregues pela empreiteira, os procuradores achavam que conseguiriam mais informações quando pudessem entrevistar seus executivos.
Mas havia muita especulação sobre a delação da OAS na imprensa e os vazamentos incomodavam os negociadores, que os atribuíam a uma estratégia dos advogados para despertar interesse pela proposta e torná-la irrecusável para o Ministério Público. Entre eles, um relato que tentava envolver o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, como beneficiário de favores da empreiteira.
Conexão com a Petrobras
A reportagem narra a sequência de fatos que levaram o caso até as mãos de Moro:
“Moro mandou prender Léo Pinheiro por causa de um dos inquéritos que envolviam o ex-presidente da OAS e as negociações de sua delação ficaram congeladas por meses.
A Procuradoria-Geral da República e a força-tarefa de Curitiba aceitaram retomá-las em março de 2017, quando o processo aberto para examinar o caso do tríplex estava se aproximando do fim e Léo Pinheiro se preparava para ser interrogado por Moro.
Em seu depoimento, em 24 de abril, o empreiteiro afirmou que tinha uma conta informal para administrar acertos com o PT, introduzindo pela primeira vez o tema em sua versão. Além disso, acusou Lula de orientá-lo a destruir provas de sua relação com o partido após o início da Lava Jato.
O depoimento foi decisivo para o desfecho do caso do tríplex, porque permitiu a Moro conectar o apartamento à corrupção na Petrobras, justificando assim a condenação do ex-presidente Lula pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro”.
Mensagens trocadas pelo coordenador da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol, com seus colegas e Moro na época, publicadas pelo Intercept no início do mês, revelam que os procuradores se preocupavam com a fragilidade dos elementos que tinha para estabelecer essa conexão, essencial para que o caso ficasse em Curitiba e fosse julgado por Moro.
Conforme a reportagem da Folha e do Intercept, os procuradores voltaram a conversar com Leo Pinheiro sobre sua delação premiada semanas depois do depoimento a Moro. No mês seguinte, o Ministério Público pediu ao então juiz que reduzisse pela metade a pena do empreiteiro no caso do triplex, como prêmio pela colaboração no processo. Em julho, o juiz o condenou a dez anos e oito meses de prisão, mas o autorizou a sair quando completasse dois anos e seis meses atrás das grades.
Ainda assim, ele despertava desconfiança nos procuradores que negociavam sua delação. “Leo parece que está escondendo fatos também”, escreveu a procuradora Jerusa Viecili aos colegas em agosto. Ela achava estranho o fato de que ninguém nunca falara em destruição de provas antes do empreiteiro.
Deltan Dallagnol admitiu que havia o risco de um acordo com Léo Pinheiro, com redução de pena e outros benefícios em troca de sua cooperação, ser interpretado como concessão indevida. “Não pode parecer um prêmio pela condenação do Lula”, disse o chefe da força-tarefa aos colegas em julho. Léo Pinheiro continua preso em Curitiba. Os procuradores e o delator fecharam um acordo em dezembro passado, mas a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, ainda não encaminhou para homologação no Supremo.
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