A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (25) a admissibilidade de Proposta de Emenda à Constituição 3/2021, que amplia os conceitos de imunidade parlamentar.
A PEC tem autoria de quase 200 deputados de diferentes legendas e passa a tramitar após as ofensivas da Justiça contra os deputados Flordelis (PSD-RJ), afastada da função acusada de matar o marido e Daniel Silveira (PSL-RJ), preso por ofensas ao Supremo Tribunal Federal (STF).
De acordo com o ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil Cezar Britto, a PEC é importante mas traz um “defeito grave” que é a “urgência desnecessária com ares vingativos”. A matéria não passou pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e somente ontem foi designada a relatoria da deputada Margarete Coelho (PP-PI).
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“Independentemente do seu mérito ela é editada e confessada como uma revanche e isso não é bom para o equilíbrio democrático. O sentido dela, que é preservar a interdependência dos Poderes e a harmonia, pela pressa, desarmoniza”, diz.
O deputado Fabio Trad (PSD-MS), que também é advogado, segue a mesma linha do ex-presidente da Ordem. “Não se muda a Constituição como se troca de roupa, você pode observar que há projetos de resolução que são proposições de menor diversão legislativa que tramitam há quatro meses, e uma PEC, que é a maior das alterações legislativas, está sendo votada em três dias sem ser submetida às comissões: CCJ e especial. Por isso ela vem com defeitos, lacunas, aparência de jabutis”, observa.
Para o delegado e professor da Escola da Magistratura do Paraná Henrique Hoffmann, a maioria das medidas acabam sendo “apenas escolhas políticas legítimas”, ainda que haja pontos que precisam ser melhor analisados no texto. “Algumas das alterações na Constituição estão inovando de uma forma um pouco perigosa”, avalia.
PublicidadeA PEC traz nova redação para o artigo 53 da Constituição, que determina que deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos, e que serão submetidos a julgamento perante o Supremo.
Um dos pontos mais criticados por Fabio Trad e outros parlamentares contrários ao texto é a possibilidade da retroatividade de alguns dispositivos que beneficiariam deputados que hoje estão afastados do mandato ou presos.
O texto diz “que não mais poderá ser processado criminalmente, ou seja, preso, o deputado por suas palavras, opiniões e votos. O deputado Daniel Silveira foi. Se houver essa modificação, ela vai retroagir e evidente que haverá extinção imediata da ação penal no Supremo. Ele vai tentar um habeas corpus com a consequente revogação da prisão, e eu me pergunto isso é ético? Tem correspondência com os anseios populares? Será bom para a casa? Não poderá ser visto como uma armadilha que foi preparada pelos deputados? Uma emboscada jurídica?”, questiona Trad.
Outra questão levantada pelo deputado e que deve ser modificada por meio de emenda apresentada pelo partido Novo, é que os crimes previstos na PEC suscetíveis de prisão em flagrante não preveem os crimes contra administração pública.
“Significa dizer que se um deputado for flagrado com uma mala com um milhão de dólares fruto de corrupção, derivado de uma ação controlada da polícia que o investigou, vão recolher a mala, ele vai assinar um papel e tchau. Isso é inconcebível”.
Mais um ponto de discussão é sobre a custódia do parlamentar eventualmente preso, que pelo texto, não ficaria mais sob os cuidados da polícia, mas sim da CCJ. “Vai ter uma cela na Câmara? Vai ser no térreo, no estacionamento, onde é?”, diz Trad.
Além disso, o texto prevê ainda alteração no rito sobre buscas e apreensões feitas nas residências e gabinete dos parlamentares. Se aprovada a PEC, essas diligências só serão convalidadas se o plenário do Supremo posteriormente ressaudar, caso contrário, toda a medida será em vão. “Até a convalidação do STF, todos os bens apreendidos ficarão acautelados na Câmara, ou seja, ninguém poderá usar os bens até o Supremo dizer que a medida foi legal”.
De acordo com Henrique Hoffmann a competência absoluta do STF para decidir sobre busca e apreensão “acaba indo contra o entendimento sobre o foro privilegiado. Só tem que atuar o STF quando for crime no exercício da função ou em razão dela, não o STF ficar tomando decisão em toda e qualquer decisão sobre parlamentar”, diz.
De acordo com Cezar Britto, a PEC “traz jabuticabas em um texto que não tem relação com a prisão”. Para o advogado, a iniciativa relativiza outra matéria que foi objeto de iniciativa popular, a Lei da Ficha Limpa.
Nesta quarta-feira (24) o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), composto por entidades e organizações da sociedade civil condenou a PEC. “O texto prevê que só haverá inelegibilidade com a observância do duplo grau de jurisdição, o que é um ataque direto a um dos mecanismos mais eficientes da Lei; a condenação em grau colegiado”. O MCCE diz ainda que a Lei da Ficha Limpa “vêm sofrendo por parte de parlamentares e partidos políticos, cujo o objetivo é o abrandamento da Lei para benefício próprio”.
Na visão do advogado João Pedro Mello, o projeto não tem como objetivo blindar os parlamentares. “Neste momento da história política e jurídica do país, eles vêm assegurar uma estabilidade institucional”, defende.
Nesta quinta-feira (25), o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), disse que o projeto não busca o corporativismo parlamentar, mas “garantir proteção a voz e voto”. “Essa inviolabilidade tem que ser mantida. O Congresso Nacional vota matérias aqui contra organizações criminosas, contra grupos com interesses econômicos muito fortes e o parlamentar precisa sim ter a imunidade preservada”, afirmou.
De acordo com fontes ouvidas pelo Congresso em Foco, apesar de ter sido aprovada a admissibilidade ontem, o mérito só deve ser aprovado caso a relatora acate as emendas sugeridas pelos partidos.
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