O juiz federal Rolando Valcir Spanholo, substituto da 21ª Vara do Distrito Federal, decidiu nesta quinta-feira (25) que três entidades do setor privado não precisarão doar ao Sistema Único de Saúde (SUS) as vacinas contra a covid-19 que comprarem. Cabe recurso da decisão.
As três organizações atendidas pela decisão do juiz são: a Associação Brasiliense das Agências de Turismo Receptivo, o Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo e o Sindicato dos Servidores da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais.
Cada uma das entidades moveu ação semelhante e as três foram decididas pelo mesmo despacho. Os processos são contra a União e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Apesar da decisão se limitar às autoras do pedido, pode criar o precedente e estimular que outras empresas e juízes façam o mesmo.
Na decisão, Spanholo declara inconstitucionais dois trechos da lei de, de autoria do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), sancionada no início do mês, e que regulamenta a compra das vacinas contra a covid-19 por estados, municípios e setor privado.
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Leia a íntegra da decisão:
O juiz declarou inconstitucionais os trechos que obrigam o setor privado a doar ao SUS todas as vacinas adquiridas enquanto os grupos prioritários não estiverem imunizados e que, após essa faixa ser vacinada, as empresas ainda teriam que repassar aos sistema público metade das doses.
Spanholo decidiu que as três entidades em questão poderão usar as vacinas para imunizar seus associados e familiares, proibindo apenas a venda a terceiros do imunizante, sob pena de multa de R$ 3 mil por unidade comercializada ilegalmente.
Segundo o juiz, a lei alvo da ação traz estranhezas e contradições por “ao invés de flexibilizar e permitir a participação da iniciativa privada” acabar “estatizando’ completamente todo o processo de imunização da COVID-19 em solo brasileiro”.
No despacho, Spanholo afirma não se tratar “furar fila” ou de “quebrar ordem de preferência” na utilização das vacinas adquiridas pelo poder público.
“Afinal, mesmo legalmente ‘autorizadas’ a importar tais vacinas, as organizações privadas passaram a ser obrigadas a doar INTEGRALMENTE tudo que conseguirem importar até que o Estado brasileiro conclua a ‘imunização dos grupos prioritários previstos no Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação’ (que, na melhor das hipóteses, seguindo o atual ritmo, só deverá ocorrer daqui quase um ano)”, avalia o juiz.
Fura-filas
Nesta quarta-feira (24), reportagem da jornalista Thaís Bilenky, na Revista Piauí, que revelou que um grupo ligado ao setor de transportes violou a lei ao importar e tomar as primeiras doses da vacina da Pfizer, pelo valor de R$ 600 para cada pessoa.
Diante dos relatos envolvendo empresários, políticos e seus familiares, de Belo Horizonte (MG), teriam furado a fila da vacinação contra a covid-19, o líder do PSB na Câmara, deputado Danilo Cabral (PSB-PE), apresentou notícia crime ao Ministério Público (MP) mineiro nesta quinta-feira (25).
Também nesta quinta, o senador Humberto Costa (PT-PE) acionou o Ministério da Saúde e o Ministério Público Federal em Minas para que confisquem as vacinas adquiridas pelos empresários e também a Anvisa para que apure as irregularidades.
O senador criticou o episódio denunciado em sessão desta quarta do Senado: “É uma demonstração de como o vale-tudo está hoje, no Brasil, uma coisa indigna. E acho que isso precisa ter uma apuração exemplar”.
Na sequência, o presidente da Casa e autor do projeto de lei, Rodrigo Pacheco, afirmou: “É uma lei claríssima neste sentido da possibilidade de aquisição de vacinas pela iniciativa privada para doação de 100% para o Sistema Único de Saúde, uma lei que se baseia na solidariedade, na filantropia, no dever cívico de ajudar o Estado brasileiro. Portanto, é inconcebível e inadmissível que haja o desvirtuamento da lei até então em vigor no Brasil”.