O coletivo de advogados “Advogue pela Democracia” protocolou nesta terça-feira (23) na Justiça Federal um pedido de habeas corpus preventivo para suspender e futuramente encerrar investigação aberta com base na Lei de Segurança Nacional (LSN) a pedido do ministro da Justiça, André Mendonça.
O recurso foi movido em favor de uma das pessoas “ilegalmente constrangidas” pelo inquérito instaurado pela Polícia Militar de Minas Gerais e intimada a prestar depoimento. Mendonça determinou a investigação a partir de postagens no Twitter sobre uma visita que seria realizada pelo presidente Jair Bolsonaro em Uberlândia, no interior mineiro.
Na visão do Serviço de Inteligência da Polícia Militar mineira, as mensagens “buscavam arregimentar outras pessoas para a prática delituosa e, por conseguinte, expor a perigo de lesão os bens jurídicos” e seriam um atentado “à ordem político-social e ao próprio Estado Democrático de Direito”.
O estudante João Reginaldo Junior chegou a ser preso em flagrante por uma das postagens.
“Na espécie, o constrangimento ilegal está consubstanciado na própria (requisição de) instauração de Inquérito Policial para, sem qualquer justa causa, apurar a prática de crime previsto na Lei de Segurança Nacional”, diz trecho do habeas corpus. Leia a íntegra:
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No recurso, o grupo argumenta que a postagem atribuída a ao investigado “não imputa ao presidente nenhum fato ofensivo à sua honra ou imagem, bem como não indica qualquer tom de ameaça de mal injusto e grave, sendo EVIDENTE a cabal ausência de capacidade lesiva das expressões altamente abstratas e sem sentido ali utilizadas”.
O advogado José Carlos Muniz coordena o movimento “Advogue pela Democracia” e ressalta que o habeas corpus é uma garantia fundamental do regime democrático e que, não à toa, nas ditaduras tal direito é cerceado, como feito por meio do AI-5.
“Ao procurarmos o Poder Judiciário nesse momento, pretendemos por fim a um cerceamento ao direito de expressão e opinião. Críticas, ainda que ácidas e jocosas, não podem ser criminalizadas. Garantir o trancamento desse inquérito deve servir como uma mensagem geral de que ainda vivemos em um regime que aceita a divergência política e que o Estado reagirá a quem tentar sufocar manifestações políticas nas redes ou fora delas”, afirma Muniz.
Os advogados reforçam que, por lei, as investigações com base na LSN cabem à Polícia Federal e não à PM. O habeas corpus afirma que a legislação em questão ainda mantém “graves vícios” como normas contrárias à liberdade de expressão ou trechos vagos passíveis de ser utilizados para intimidação política.
“Porém, lamentavelmente, o que se vê é o crescente emprego da Lei de Segurança Nacional nos últimos anos, sob o Governo Bolsonaro, muitas vezes utilizada como nítido aparato de disputa política. E o emprego crescente desta estratégia de dominação política forçada, num contexto mundial de recesso democrático, pode conduzir, muito em breve, a uma efetiva ruptura constitucional e democrática”, diz o habeas corpus.
O recurso tramita na 2ª Vara Federal de Uberlândia e será analisado pelo juiz José Humberto.
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Mobilização
Muniz relatou que, na semana passada, muitas pessoas comentavam na internet que o governo estava perseguindo opositores com intimidação através de processos judiciais. A partir disso, ele postou nas suas redes sociais que se dispunha a atender gratuitamente quem tivesse sofrido esse tipo de abordagem após criticar o presidente.
A notícia se espalhou e ganhou uma proporção muito maior do que ele esperava. Muitos colegas advogados começaram a procurá-lo querendo também colaborar com os casos. Na terça-feira (16) veio a público que, em Uberlândia, pessoas foram intimadas, sendo enquadradas na Lei de Segurança Nacional, depois de tecerem críticas ao presidente Jair Bolsonaro. Essas pessoas procuraram o grupo de advogados.
Os atendimentos são feitos de forma gratuita. “Primeiro, a gente é movido por uma compreensão de que não é legítimo, não é justo que o governo intimide a crítica por meio de ameaça de processo judicial. Nós entendemos que a Lei de Segurança Nacional é um entulho antidemocrático que não deve servir na democracia para perseguir pessoas brasileiras independente de suas opiniões e a gente acredita que não só nós, mas todos os profissionais liberais, no momento em que a gente está vivendo no Brasil, tem que levantar em defesa da liberdade e da democracia”, explica o advogado mineiro.
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