Como você, que é inteligente, já deve ter percebido, o governo Lula se debate neste momento com dois grandes desafios. Em primeiro lugar, é ameaçado por bolsonaristas radicalizados e dispostos a tudo para golpear as instituições e a democracia, como deixaram claro os atos de domingo. Em segundo lugar, enfrenta expressiva infiltração bolsonarista dentro das corporações militares e policiais, que ora são excessivamente permissivas em relação aos abusos da extrema-direita brasileira, ora dão sinais de integrá-la de corpo e alma.
Essa permissividade ficou clara, por exemplo, com a proteção dada pelas autoridades de segurança do Distrito Federal aos baderneiros que vieram a Brasília para não só defender um golpe de Estado, como tentar concretizá-lo. Até a Procuradoria-Geral da República (PGR), tão criticada por fazer vista grossa a arbitrariedades cometidas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, se insurgiu contra o comportamento da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) e do governo local por fazer a “escolta policial ‘pacífica, organizada, acompanhada’ dos criminosos que assacaram contra o Estado Democrático de Direito”. As Forças Armadas, que trataram como “democráticas” manifestações golpistas flagrantemente ilegais em frente aos seus quartéis, também são suspeitas de terem facilitado a ação dos extremistas.
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Já a infiltração bolsonarista nas forças policiais e militares tem ficado óbvia em inúmeras frentes, tais como: pronunciamentos públicos de integrantes das duas categorias profissionais, sobretudo pelas redes sociais; a tentativa da cúpula militar de tentar tutelar o processo eleitoral, atribuição que não lhe compete; e participação direta em atos golpistas, inclusive em depredações. Como se fosse pouco, descobriu-se ontem (quinta, 12) que o ex-ministro da Justiça Anderson Torres mantinha em casa um decreto com o caminho jurídico para fraudar os resultados eleitorais e manter Bolsonaro no poder.
Um episódio apurado pelo Congresso em Foco traz mais um sinal preocupante com relação à politização das corporações policiais. Veículos simpáticos a Bolsonaro publicaram que no último domingo, dia da invasão das sedes dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, membros da PMDF a serviço da Força Nacional de Segurança Pública prenderam “um cidadão que estava infiltrado no meio dos bolsonaristas para poder causar o terror aí e dizer que foi o pessoal”.
As palavras aspeadas traduzem literalmente o que disseram em vídeo os policiais responsáveis pela prisão de Antonio Geovane Sousa de Sousa, 22 anos. Ele foi preso antes da invasão dos prédios do Congresso, da Presidência da República e do Supremo por portar duas mochilas, com bombas, maçarico, gasolina, álcool, estilingues e materiais usados para fazer coquetel molotov, como isqueiro e pano molhado com combustível.
Não reproduziremos o vídeo dos policiais aqui porque ele está repleto de mentiras. Segundo dizem na gravação os PMs a serviço da Força Nacional, Antonio Geovane estava “jogando bombas nas pessoas de bem pra dizer que é os bolsonaristas”. Falso!
Geovane contou em depoimento à Polícia Civil, quando foi formalizada sua prisão em flagrante, que veio de carro para Brasília a convite de um “patriota”, isto é, de um desses seguidores extremistas de Bolsonaro que defendem a volta ao poder do presidente derrotado em outubro nas urnas. Falou que veio se manifestar contra o comunismo, que, conforme o seu relato, as forças do mal pretendem introduzir no Brasil tendo Lula como instrumento.
Ficou desde 15 de novembro acampado em frente ao quartel-general do Exército, onde recebeu comida e teve um local para dormir. Para completar a renda, vendia cigarros, caixas de fósforo e vaper. Numa parte menos confiável do seu depoimento, evita fornecer provas contra si mesmo e diz que a carga que exclusiva que portava não era dele.
Detalhe crucial: Antonio Geovane Sousa de Sousa, que no próximo dia 27 completará 24 anos de idade e reside no município paraense de Novo Progresso, tem um mandado de prisão por homicídio, expedido pela Justiça do Pará. A cidade onde mora, aliás, foi palco de uma violenta agressão contra a Polícia Rodoviária Federal (PRF), cometida exatamente por partidários de Bolsonaro que já naquele momento contestavam o resultado da disputa presidencial e clamavam por intervenção armada no país.
Veja o documento com o mandado de prisão:
Tão absurda é a tese de que Geovane seria um “infiltrado” que ela sequer aparece no depoimento oficial dos dois soldados da PMDF que o prenderam. Em nome do princípio da presunção da inocência, não declinaremos os nomes dos policiais. As autoridades competentes não terão dificuldade para encontrá-los.
O auto de prisão em flagrante foi homologado na última segunda-feira (9) por Frederico Botelho de Barros Viana, juiz federal substituto da 15ª Vara Federal de Brasília, que logo em seguida declinou a competência da condução do processo – número 1000856-58.2023.4.01.3400 – para o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). O magistrado concluiu que o caso tinha “conexão fática” com o Inquérito 4781 do STF, relatado por Alexandre, no qual são investigados “esquemas de financiamento e divulgação de esquemas de financiamento e divulgação em massa nas redes sociais, com intuito de lesar ou expor a perigo de lesão a independência do Poder Judiciário e ao Estado de Direito”.
Qualquer das partes relacionadas com os fatos aqui descritos, sejam elas pessoa física ou jurídica, tenham ou não sido citadas nominalmente, ficam desde já convidadas a oferecer os esclarecimentos que julgarem necessários. Basta escrever ou fazer contato através do email redacao@congressoemfoco.com.br.