Ex-juizes federais, eleitos para o Senado em 2022 e titulares do Ministério da Justiça. Os caminhos do maranhense Flávio Dino (PSB) e do paranaense Sergio Moro (União Brasil) vão se cruzar novamente no próximo dia 13, quando o primeiro será sabatinado pelo segundo e pelos demais integrantes na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Indicado ao Supremo Tribunal Federal nessa segunda-feira (27) pelo presidente Lula, Dino segue aquela que se tornou uma rota natural e segura para quem comanda o Ministério da Justiça e ambiciona atravessar a Praça dos Três Poderes em direção ao Palácio do Supremo Tribunal Federal.
Desde a redemocratização, outros cinco ministros da Justiça foram alçados ao Supremo após terem seus nomes aprovados pelo Senado: Paulo Brossard e Maurício Correia (falecidos), Nelson Jobim (aposentado) e os atuais Alexandre de Moraes e André Mendonça – esse indicado ao fazer uma parada na Advocacia-Geral da União.
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Coordenador da Operação Lava Jato em Curitiba, Sergio Moro também fez a mesma aposta e poderia constar da lista no lugar de Mendonça. A passagem pelo Ministério da Justiça, no início do governo Jair Bolsonaro, era considerada por ele próprio uma escala natural no meio político em Brasília antes de chegar ao topo do Judiciário. Mas as divergências com Bolsonaro, ainda na primeira metade do mandato, não só o desalojaram da Esplanada dos Ministérios como o desviaram completamente da rota originalmente traçada. Sua volta a Brasília se deu pelo Senado, onde desde o início enfrenta a desconfiança dos demais colegas políticos por conta da conduta que adotou durante e após a Lava Jato – objeto de ações por arbitrariedade e outras ilegalidades atribuídas a ele que resultaram na anulação de condenações como a imposta ao ex-presidente Lula.
Embora seja o ministro do governo Lula mais atacado pela oposição, Dino confia em um prognóstico favorável para ser aprovado no Senado. Para isso, depende do apoio de 41 dos 81 senadores em votação secreta. Desde a redemocratização, em 1985, os senadores aprovaram todos os 28 indicados ao Supremo Tribunal Federal. Dentre eles, o que teve mais dificuldade foi André Mendonça, cuja condução foi aprovada por 47 votos a 32. O último deles, Cristiano Zanin, escolhido por Lula, de quem foi advogado na Lava Jato, recebeu 58 votos favoráveis e 18 contrários. Luiz Fux foi o que passou com mais tranquilidade: 68 votos a dois em 2011.
Triturado
Na visão de um jurista com trânsito livre no Congresso e na cúpula do Judiciário, Moro subdimensionou as dificuldades que enfrentaria. “Depois da eleição de 2018, Moro foi até a casa do Bolsonaro. E lá, Bolsonaro perguntou se ele queria ser ministro do Supremo ou da Justiça. Pouco depois, aparece Moro reaparece dizendo que vai renunciar à magistratura para ser ministro. Isso significa que ele optou pelos dois. Foi um exagero. Ele não mediu o próprio tamanho efetivamente”, diz o magistrado, na condição de anonimato. “Ao querer os dois, ele se expôs no domínio da política. Um território que não era o dele. Em determinado momento ele se encantou com a ideia de ser presidente da República. Acabou triturado e expulso do governo Bolsonaro sem a menor condição de chegar ao Supremo”, acrescenta.
PublicidadeO observador da cena jurídica e política em Brasília enxerga aí um corte profundo em relação à forma com que Lula e Dino se portaram na condução do processo. “Flávio Dino é um nome político por si só e tão grande que é presidenciável por natureza. Não quer dizer que esse seja o momento dele, mas ainda é jovem e tem uma aliança saudável com Lula, o que é bem diferente do que houve entre Moro e Bolsonaro, que não tinham relação”, destaca. “Moro teve o azar de ser quem era num governo cujo presidente era quem era”, ironiza.
Moro deixou o Ministério da Justiça em agosto de 2020, acusando Bolsonaro de tentar interferir politicamente na Polícia Federal, então sob sua alçada, para proteger aliados políticos, a começar pelo filho, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), à época investigado por se apropriar ilegalmente de parte dos salários de seus servidores na Assembleia Legislativa. Depois de cair atirando, Moro virou alvo de artilharia pesada dos bolsonaristas, que o acusaram de traição. Sem conseguir decolar com a candidatura presidencial, trocou o Podemos pelo União Brasil horas antes do prazo final para troca de filiação. No novo partido, teve de trocar a disputa ao Planalto pela corrida ao Senado, derrotando na reta final seu padrinho político, o ex-senador Alvaro Dias (Podemos-PR). A sua vitória ao Senado também foi caracterizada pela reaproximação com o bolsonarismo, a ponto de aparecer como um dos instrutores de Bolsonaro em debate com Lula na TV.
Enquanto Dino se aproxima do Supremo, Moro tem o futuro político em aberto. O Tribunal Regional Eleitoral do Paraná julga duas ações movidas pelo PT e pelo PL que pedem a cassação de seu mandato e sua inelegibilidade por oito anos. O senador é acusado das práticas de abuso do poder econômico, caixa dois e uso indevido dos meios de comunicação e irregularidades em contratos. Moro alega inocência e perseguição política.
As ações alegam que as contas da campanha do ex-juiz para o Senado são irregulares por não incluírem os valores gastos em sua pré-campanha à Presidência. De acordo com o PL e o PT, o Podemos gastou mais de R$ 18 milhões para preparar a sua candidatura à Presidência da República. Caso seja condenado, poderá recorrer ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Mesmo assim, seus adversários – à esquerda e à direita – já se movimentam à espera de uma eleição fora de época para suprir a eventual cassação de sua chapa. O julgamento deve ficar para 2024.
Flávio Dino e Sergio Moro já estiveram frente a frente em maio durante audiência na Comissão de Segurança Pública do Senado. Na ocasião, o titular da pasta disse ao senador que “foi-se o tempo em que se rasgava a lei, que se jogava a lei fora no Brasil” e que nunca teve uma sentença anulada – em alusão às anulações das condenações de Lula e outros réus da Lava Jato. O ex-juiz interrompeu a fala do ministro, alegando que estava sendo tratado com deboche. “Eu conheço muito bem a lei, eu sei que na minha gestão no Ministério da Justiça a gente reduziu os assassinatos em 20%, coisa que eu não vi ainda”, disse Moro.
Dino negou agir com deboche. “Eu fui juiz, nunca fiz conluio com o Ministério Público. Nunca tive sentença anulada. Por ter sido um juiz honesto, por ter sido um governador honesto, é que eu não admito que ninguém venha dizer que eu tenho que ser preso, isso é desrespeito”, afirmou Dino. “Ninguém vai me impedir de defender a minha honra”, completou.
“Vingadores”
Apesar do cenário favorável, Dino não deverá encontrar clima ameno no Senado. A lista de desafetos na Casa é grande. “Se o senhor é da SWAT, eu sou dos Vingadores”, disse o ministro ao senador Marcos do Val (Podemos-ES) durante uma audiência pública no Congresso, ao melhor estilo de quem não foge de uma briga. Por esse tipo de comportamento, já foi chamado de “cínico”, “ideológico” e “desrespeitoso” pela oposição. O ministro, no entanto, é reconhecido até mesmo pelos adversários pela habilidade política com que costura suas alianças nos três poderes. Juiz federal por 12 anos, presidiu a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e foi o primeiro secretário-geral do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) antes de renunciar à magistratura para entrar na vida política em 2006, quando se elegeu deputado federal. Na Câmara, chegou a apresentar uma proposta de emenda à Constituição (PEC) prevendo mandato de 11 anos para ministros do STF.
Depois de fracassar na disputa à prefeitura de São Luís, em 2008, e ao governo do Maranhão, em 2010, Dino se reacomodou em Brasília como presidente da Embratur na gestão Dilma Rousseff. Em 2014, elegeu-se para o primeiro de seus dois mandatos como governador. Ainda pelo PCdoB, impondo derrota histórica ao clã Sarney no estado.
Em 2022, Flávio Dino foi eleito senador, desta vez pelo PSB, seu atual partido. Apesar da vitória eleitoral, nunca chegou a exercer o cargo: logo ao assumir seu terceiro mandato, o presidente Lula o nomeou como ministro da Justiça. Sua cadeira no Senado, desde então, é ocupada pela suplente Ana Paula Lobato (PSB-MA), que poderá se tornar titular caso o ministro seja aprovado na sabatina.
Como ministro da Justiça, Dino se destacou pelo discurso antiarmamentista, tendo desde janeiro editado uma série de medidas para restringir o armamento civil no país, contrapondo-se à política do ex-presidente Jair Bolsonaro. Esse posicionamento o tornou alvo de oposição ferrenha da bancada do PL e de demais parlamentares bolsonaristas na Câmara e Senado. Se dentre partidários de direita, Dino se tornou alvo constante de ataques, na esquerda, o ministro se tornou um símbolo de enfrentamento ao bolsonarismo. Sua provável ida para o Supremo agrada aos petistas, que viam nele um eventual postulante à Presidência da República em 2026. Ao menos para a próxima eleição, esse risco parece afastado.