Cleber Lourenço *
O ex-juiz Sérgio Moro se filiou ao Podemos nesta quarta (10) em um opulento evento em Brasília. O desfecho dessa filiação ainda virá nos próximos meses.
A única certeza é que o fragmentado e difuso bloco conhecido como terceira via, se assanhou com a possibilidade de ver Moro nas urnas em 2022, alguém que eles consideram fazer parte do bloco dos “moderados” e ex-apoiadores de Jair Bolsonaro.
Acontece que durante toda a sua atuação no poder público, Moro despendeu um enorme esforço contra o Estado de Direito e, nas palavras da procuradora Monique Cheker, “sempre violou o sistema acusatório”.
Os atropelos de Sergio Moro são discutidos no STF e no CNJ, pelo menos, desde 2005, quando a sua trajetória no judiciário brasileiro ganhou projeção no famoso escândalo do Banestado e as famosas contas CC5, uma verdadeira intentona contra o Estado de Direito e um vale tudo persecutório.
Lá ele mandou a Polícia Federal oficiar a todas as companhias aéreas para saber os voos em que os advogados de um investigado estavam e determinou a gravação de vídeos de conversas de presos com advogados e até familiares usando como justificativa a presença de traficantes no presídio federal de Catanduvas (PR). Ou seja, uma clara escaramuça com viés de criminalização da advocacia
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Em outro caso, o então juiz realizou uma oitiva com Alberto Youssef para auxiliar na produção de provas. O problema é que isso foi feito depois das alegações finais da defesa, cerceando o direito de defesa do acusado. E aqui eu não estou entrando no mérito de quem é ou não culpa. A questão é simples: diante de um julgamento, você gostaria de ter o seu direito de defesa cerceado? Acho que não.
É interessante que Alberto Youssef conseguiu um acordo com Moro e escapou da prisão no caso Banestado, para alguns anos depois, Youssef voltar a cometer delitos na Lava Jato.
E não foi só isso. Em 2004, depois do Banestado, Sergio Moro voltou a atacar o Estado de Direito, agora na operação Farol da Colina, onde ele coagiu, sob pena de desobediência, dois acusados a oferecerem o número de suas contas.
E então avançamos para 2013 – um pouco antes da Lava Jato arrasar o país – com a operação agro fantasma onde com uma só canetada, o então juiz atacou o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e mandou 12 agricultores para a cadeia por até dois meses. Vale notar que os agricultores só seriam absolvidos três anos depois.
Tempo suficiente para o estrago ser feito. A operação foi o gatilho para demolição de um programa que visava apoiar o pequeno agricultor e prover a segurança alimentar em um país que não era severamente castigado pela fome como é hoje.
Era a “prisão para averiguação” sendo usada através do artifício das prisões temporárias ou preventivas. Algo que se tornou corriqueiro na Lava Jato.
A operação revelava também a notória dificuldade de Moro com as famosas provas. Não havia provas que sustentassem as prisões e todos os vilipêndios a que os agricultores foram submetidos.
E qual era o suposto crime investigado? Aparentemente o fato de as vezes os agricultores substituírem produtos faltantes por outros.
Não era sequer um delito com intuito lesar o Estado, na verdade era contrário, caso algum produto não atingisse a quantidade prevista, eles completariam com algum outro. Por exemplo: se estivesse prevista 5 kg de alface e eles só tivessem 2kg, eles entregaram então 3 kg de batata ou algum outro vegetal/legume.
A Lava Jato
Um ano depois da Agro-Fantasma, tivemos a operação Lava Jato que operacionalizou a violência contra o Estado de Direito. E com ela, a mais assustadora das agressões ao Direitos Humanos: a normalização dos presos sem julgamento e da prisão como instrumento de tortura para forçar delações.
As seguidas violações do sistema acusatório e alegação estapafúrdia dos procuradores de Curitiba de que a inexistência de provas no caso do triplex do Guarujá, seria a prova da existência de corrupção. Uma clara agressão ao princípio da presunção de inocência.
Foi ali que tivemos um grampo absurdo e ilegal de uma presidente da República no exercício do seu mandato, algo que sempre serei contra, seja Dilma, Temer ou até mesmo Jair Bolsonaro.
A desinibição autoritária dos atores do sistema penal é também uma assinatura da atuação jurídica de Sérgio Moro, que avançou seguidas vezes, (não só na Lava Jato, mas desde o Banestado) contra o direito de defesa. Principalmente quando notamos que a operação grampeou 462 ligações da defesa do ex-presidente Lula por 23 dias.
É claro que Ministério Público também pode contar com a aquiescência do então juiz Moro para cometer barbáries e juntos, burlarem a lei e o processo penal, além de atentar contra os diretos ao contraditório e à ampla defesa.
Enquanto defensor do Estado de Direito, jamais irei permitir que nenhum brasileiro sofra com a violação dos seus direitos humanos, e previstos na Constituição de 1988.
Algo que nos últimos 10 anos se tornou ainda mais corriqueiro, não só com Lula, mas também com pessoas humildes como Rafael Braga e o eterno Amarildo, assassinado por policiais militares.
O Brasil não conseguirá amadurecer sua democracia sem fazer um profundo debate sobre a atuação do Ministério Público que aos poucos se torna uma República dentro da República, as Forças Armadas e o revezamento destas duas instituições no fictício posto de poder moderador.
A concentração de poderes no MP virou uma corda no pescoço dos objetivos balizados em 88.
Pacote Anticrime
Moro virou Ministro no governo que ajudou a eleger por ação direta, um governo de extrema-direita, representado por um homem que nunca mediu esforços para desprezar e vilipendiar o Estado de Direito, os Direitos Humanos e até mesmo a própria Constituição
E vejam só que curioso: são os mesmos alvos de Sergio Moro durante a sua carreira no judiciário brasileiro.
Seria injusto dizer que Sergio Moro é de extrema direita? Certamente não.
E isso ficou escancarado com o motim dos policiais no Ceará, ocasião em que o ex-ministro afirmou que policiais encapuzados cometendo uma série de delitos não poderiam ser tratados como criminosos.
Assim, ele estava dialogando diretamente com a parcela radicalizada das forças de segurança não só do Ceará, mas de todo o país e que flertavam com a quebra de hierarquia dentro das Forças Armadas e, enquanto o governo estadual fazia a lei valer para os amotinados, o Ministério da Justiça decidia utilizar tempo, recursos e pessoal para perseguir um show de punk em Belém. E eu não vou nem me aprofundar no seu passeio em um blindado do Exército no meio de Brasília.
Enquanto Ministro da Justiça, Moro lutou para que o Pacote Anticrime (ou pró-barbaridade) fosse aprovado em sua integralidade, com coisas que beiram a licença para matar. Tudo sob a justificativa de que buscava “dar mais segurança jurídica” para policiais atuarem. Algo que já está previsto nos artigos 23 e 25 do Código Penal.
Quem se lembra do assassinato da jovem Ágatha Vitória Sales Félix, de 8 anos, no Morro da Fazendinha, no Complexo do Alemão, ano passado? O inquérito conduzido pela polícia mostrou que uma testemunha havia dito que o PM estava sob “forte tensão” devido à morte de um colega três dias antes.
Se o Pacote Anticrime de Moro tivesse sido aprovado, o PM poderia alegar que agiu sob “forte emoção” e requerer o “excludente de ilicitude”, para reduzir ou anular a pena pelo assassinato. Não que a impunidade já não corra solta, mas certamente agora teria amparo legal.
São por coisas assim que o jornalista Reinaldo Azevedo chamou Moro de “Mussolini de Maringá”.
Outro exemplo dessa atuação voltada para a legalização da barbárie foi quando, Moro, enquanto Ministro, defendeu um projeto de prisão imediata de réus envolvidos em casos graves de corrupção. O que ele pretendia com isso? Legalizar o descalabro cometido na operação agrofantasma, afinal de contas, quem definiria o que é caso grave ou não de corrupção?
Contra a liberdade de imprensa
Moro, enquanto chefe da Polícia Federal, colocou a instituição para investigar movimentações financeiras do jornalista Glenn Greenwald, um claro aparelhamento da estrutura do governo brasileiro para promover perseguição política e coação como represália à série de reportagens intitulada como Vaza Jato e que escancarou os descalabros ocorridos na operação.
No auge das publicações das reportagens da Vaza Jato do portal The Intercept Brasil, uma portaria publicada no Diário Oficial da União deu poderes para delegados federais, que estavam submetidos às ordens do ministro Sergio Moro, abrirem processo de deportação.
Era a portaria 666, de 25 de julho de 2019 e que tratava sobre o impedimento de ingresso, a repatriação e a deportação sumária de pessoa perigosa ou que tenha praticado ato contrário aos princípios e objetivos dispostos na Constituição Federal.
A portaria foi publicada depois da escalada de tensões entre o jornalista Glenn Greenwald e o governo, onde o presidente chegou a dizer: ‘Talvez pegue uma cana aqui no Brasil’.
Ela dava poderes a delegados ou agentes da imigração que são prerrogativas de ministros do STF e, além disso tudo, ainda atacava (mais uma vez) a presunção de inocência ao permitir a deportação imediata de estrangeiros com operação investigativa ainda em curso e ainda considerá-los perigosos. Mais uma vez, Moro tentou legalizar o autoritarismo, e embora não afetasse diretamente Glenn, aquilo era claramente uma tentativa de intimidar um jornalista.
É claro, não sem antes esbarrar na lei novamente já que não é permitida a deportação travestida de extradição. O Art. 53 é claro:
“Não se procederá à deportação se a medida configurar extradição não admitida pela legislação brasileira.”
Sobre a ação do ex-Ministro no episódio da vaza jato, Leandro Demori, editor executivo do The Intercept Brasil Declarou com exclusividade para essa coluna:
“Na época eles tentaram minimizar o vazamento, a reação inicial foi essa. É bom lembrar que a reação inicial não foi dizer que era manipulado, nada disso. Ou seja, eles confirmaram isso. A própria nota da força tarefa do dia 9 de junho de 2019 dizia isso (ver aqui).
Aí depois a tentativa do Moro foi, desesperadamente, conseguir uma ação da PF que mostrasse que o The Intercep tinha cometido algum ilícito.
Quando têm os desdobramentos da spoofing ele vê que isso não seria possível pois não cometemos ilícitos ele sugeriu destruir os arquivos com medo do que poderia surgir.
Basicamente é isso: um cara usando de todos os meios que o poder público deu a ele para fazer coisas em prol da vida pessoal”
Extrema-direita
Quando o assunto é Constituição e Estado de Direito, Moro não é muito diferente de Jair Bolsonaro, principalmente pelo aceno aos amotinados no Ceará.
Sua atuação como juiz federal também mostrou que agir dentro da legalidade também não era uma prioridade.
Inclusive, enquanto Bolsonaro trabalhava para facilitar o acesso da população a armas de fogo, Moro atuava para viabilizar o excludente de ilicitude, à grosso modo: autorização para forças de segurança pública matarem indiscriminadamente. Isso não me parece muito moderado.
Perseguir um show de punks que fazia críticas ao presidente, também não me parece coisa de quem é de centro, tampouco elogiar encapuzados armados levando terror ao estado do Ceará.
Não é nem um pouco republicano usar o Estado para intimidar jornalistas ou prender pessoas sem julgamento para forçar delações.
Quem possuí um histórico desses e defende medidas bárbaras como essas, sequer pode ser chamado de direita, é extrema-direita mesmo!
E a terceira via? Depois de aplaudirem Bolsonaro em 2018, irão aplaudir outro extremista em 2022?
Paulo Guedes e Moro
Em outro episódio envolvendo a operação lava jato, a operação estranhou as movimentações da GPG Consultoria Econômica, que tem como sócios o ministro da Economia Paulo Guedes e seu irmão, Gustavo. Em 14 de agosto de 2007, a companhia de Guedes fez pagamentos no valor de R$ 560.834,24 para a Power Marketing, uma empresa de fachada.
Segundo a Lava Jato, essa empresa emitia notas frias relativas a serviços fictícios e, com o dinheiro recebido, distribuía propinas a agentes públicos.
Uma reportagem da Folha de São Paulo, mostrou como Moro e a lava jato Lava Jato ignoraram de maneira sistemática o repasse de Guedes nessa denuncia
A Folha ainda revelou que um ofício da justiça com questionamentos sobre o caso teria sido enviado à GPG pela Justiça, mas nunca foi entregue porque os oficiais de Justiça, após um ano de diligências, os oficiais não teriam encontrado a GPG no endereço informado.
A reportagem da Folha acabou conseguindo fazer o que a justiça não fez e confirmou o endereço da empresa (que hoje se chama BR Corporate Advisory) através de um telefonema.
Outra coisa que chama atenção nesse caso é o fato de que diferente do resto de toda a lava jato, Moro reconheceu a incompetência da 13ª Vara para julgar o caso, fazendo com que fosse remetido para a 23ª Vara Federal de Curitiba. Uma postura totalmente diferente com o que era usual e conhecido.
E a cereja do bolo nessa história toda é a revelação do vice-presidente Hamilton Mourão de que Moro foi convidado para integrar ao governo ainda durante a campanha eleitoral por ninguém menos que Paulo Guedes.
Os outros esqueletos no armário
Moro ainda terá a oportunidade de explicar durante a sua campanha episódios, no mínimo controversos. como o caso envolvendo o escritório do advogado René Ariel Dotti, contratado pela Petrobras para atuar como assistente de acusação do Ministério Público Federal em ações penais da Lava Jato na 13ª Vara Federal de Curitiba, que contou com a atuação de Carlos Zucolotto, padrinho, amigo e sócio da mulher de Moro, então juiz titular da vara.
Segundo Rodrigo Tacla Duran, ex-funcionário da Odebrecht, Zucolotto prometia melhores condições para ele nas negociações para um eventual acordo com os procuradores da Lava Jato, em troca de R$ 5 milhões.
Uma conversa privada em julho de 2017, revelada pela Vaza Jato, mostrou que dois meses depois de Moro absolver a esposa de Eduardo Cunha, o então juiz Sergio Moro recomendou que o Ministério Público Federal não fechasse acordo de delação premiada com o ex-deputado federal.
O procurador Ronaldo Queiroz afirmou esperar que Cunha entregasse no Rio de Janeiro, pelo menos, um terço do Ministério Público estadual, 95% dos juízes do Tribunal da Justiça, 99% do Tribunal de Contas e 100% da Assembleia Legislativa. Algo que não ocorreu.
Mesmo com a Lava Jato tendo baseado boa parte de suas acusações e ações em delações e ter se viabilizado graças a lei das delações do governo Dilma, Moro não estimulou essa delação.
É estranho, já que a Lava Jato usou e abusou das prisões preventivas para forçar delações. Algo que Moro fez sem pestanejar durante toda a sua carreira.
Como eu disse acima, Moro costurou um acordo de delação com o doleiro Alberto Youssef, favorecendo a sua libertação e posterior envolvimento em crimes apontados pela própria lava jato.
Em 2007, ainda como juiz do caso Banestado, Moro declarou: “”O que a gente ouve de doleiros confessos é que o mercado teria diminuído, mas eles não são fontes dignas de confiança.”
E mesmo assim, anos depois, Moro e a Lava Jato tornaram a celebrar um novo acordo de delação com Youssef.
Uma postura absolutamente diferente com a que foi adotada sobre uma provável delação do Eduardo Cunha.
E por fim, temos o festival de impunidade no caso Banestado, o maior esquema de corrupção e evasão de divisas da história do Brasil. Onde está a lista VIP das contas CC5 usadas para mandar milhões de reais para o exterior? E por qual motivo o Banestado terminou chegando a lugar nenhum?
São muitas questões e espero que Sergio Moro tenha a oportunidade de respondê-las durante a sua campanha, seja ao Planalto ou Senado.
Depois que Bolsonaro e 2022 passarem, o Brasil tem um encontro inadiável e marcado com o Estado Democrático de Direito e a sua Constituição.
* Cleber Lourenço é pós-graduando em Jornalismo político.
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