A decisão do ministro Luís Roberto Barroso de determinar a abertura da CPI da Covid no Senado Federal é relevante, mas não deixa de ser inédita. 14 anos atrás, após um dos mais graves acidentes aéreos na história do Brasil, foi o Supremo Tribunal Federal (STF) que determinou a abertura de uma CPI sobre o chamado “apagão aéreo”.
Na ocasião, a oposição ao segundo mandato do governo Lula na Câmara dos Deputados conseguiu assinaturas suficientes para instalar uma CPI que analisasse os eventos recentes no setor aéreo brasileiro. A queda do voo 1907 da Gol, em setembro de 2006, motivada por uma colisão no ar com um jato executivo, causou a morte de 154 pessoas no interior do Mato Grosso. Como consequência, o afastamento de seis controladores de tráfego aéreo gerou déficit de operadores, o que ocasionou filas imensas em aeroportos, um alto número de voos com atrasos e cancelamentos. A questão causou inclusive a queda do ministro da Defesa de Lula, Waldir Pires.
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A oposição, então, reuniu as assinaturas necessárias para a instalação – e contou com a anuência do então presidente da Câmara, o deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP). O presidente chancelou a abertura dos trabalhos, mas o então líder do PT, Luiz Sérgio (PT-RJ), objetou e levou a questão a Plenário. Lá, a questão de ordem foi aprovada por 308 votos a favor e 141 contrários, o que em tese enterraria a CPI.
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O STF, então uma corte discreta, sem o holofote que possui hoje, foi chamada a decidir sobre a questão. O Congresso em Foco noticiou isto, em 2007.
Alguns dos impetrantes do Mandado de Segurança 26.441, entregue à corte em 12 de março de 2007, ainda estão na carreira política, caso de Onyx Lorenzoni, que à época estava em seu segundo mandato na Casa pelo PFL – hoje, no quinto mandato seguido, está licenciado do Legislativo por ser ministro da Secretaria-Geral da Presidência de Jair Bolsonaro. Fernando Coruja, então no PPS catarinense, também assinava o pedido, junto com Antonio Carlos Pannunzio (PSDB-SP).
A decisão seria tomada apenas em 25 de abril, cerca de um mês e meio do pedido inicial. O relator era o ministro Celso de Mellohttps://congressoemfoco.uol.com.br/especial/noticias/terceira-via-vai-ao-stf-para-garantir-cpi/, cuja aposentadoria no fim de 2020 deu lugar a Nunes Marques, primeira indicação de Jair Bolsonaro à corte.
Enquanto a corte se preparava para julgar a questão, um deputado em quarto mandato – mas ainda sem nenhum projeto aprovado desde então – foi à tela da TV Câmara defender a abertura da CPI pela corte. “Espero que tenha uma decisão lá volta à razoabilidade e deixe instalar a CPI”, disse, ainda questionando: “Por que o governo teme a CPI?” Hoje, em outro cargo, ele pensa radicalmente diferente.
O julgamento do STF foi unânime. Os 11 ministros votaram anular a decisão de Plenário e manter a CPI instalada.
Leia a íntegra da decisão de 2007:
O voto completo, de 135 páginas, mostra como a corte interpretou o tema. Relator do caso, Celso de Mello prestigiou a necessidade de oposição em regimes democráticos. “O reconhecimento do direito de oposição de um lado, e a afirmação da necessidade de se assegurar, em nosso sistema jurídico, a proteção às minorias parlamentares, de outro, qualificam-se, na verdade, como fundamentos imprescindíveis à plena legitimação material do Estado Democrático de Direito”, escreveu em seu estilo próprio, com grifos e negritos que o ajudariam na entonação, no momento da leitura do voto.
O ministro concluiu seu voto com sua definição de CPI:” O inquérito parlamentar desempenha um papel impregnado de essencial relevo, pois se qualifica – enquanto garantia instrumental do direito de oposição – como meio expressivo de investigação legislativa, ensejando a quem promove, mesmo contra a vontade de grupos majoritários, a possibilidade de apreciar, de inspecionar e de averiguar, para coibi-los, abusos, excessos e ilicitudes eventualmente cometidos pelos órgãos e agentes do Governo e da Administração.”
Os ministros, em sua maioria, pouco debateram sobre a questão e acompanharam o relato. “Estamos diante de manifesta ‘manobra’ adotada pela maioria parlamentar objetivando obstar ou postergar a instalação da CPI”, escreveu Joaquim Barbosa. “Em outras palavras, de forma tortuosa, sub-repetícia, logrou-se obter aquilo que a Constituição não autoriza e que é impróprio num estado democrático direito [sic], isto é, na prática delegou-se ao Plenário da Casa legislativa a crucial decisão.”
O ministro Cezar Peluso foi além. “Viu-se no caso, manobra que, em termos jurídicos, estritamente jurídicos, foi tentativa de fraude à Constituição”, escreveu em seu voto “pois, por via de uso de um recurso[…]tentou-se paralisar, inviabilizar ou inibir o exercício daquele direito que, evidentemente, não pode estar na dependência do arbítrio da maioria, caso em que não passaria de farsa.”
A CPI acabou instalada. Antes da decisão. Três meses depois, um segundo acidente, envolvendo um avião da TAM (hoje Latam), causou a morte de 199 pessoas, no mais mortal acidente aéreo da história do país.
Arlindo Chinaglia disse que não iria contestar a decisão: “Cabe acatar, não espero nada. É preciso aguardar. A nossa parte já fizemos. A CPI foi arquivada pelo plenário, e quando decidimos, fizemos de acordo com o regimento da Câmara”, disse à época. A postura de acatar a decisão do Judiciário é parecida com a que o atual presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), disse que a adotaria.
O julgamento sobre a instalação da CPI da Covid ocorre a partir das 14h desta quarta-feira, no Plenário da corte. Quatro dos onze ministros daquele julgamento ainda estão na corte: Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello, que hoje é decano da corte.
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