Integrantes da Advocacia-Geral da União (AGU) defendem a aprovação de uma proposta de Emenda à Constituição (PEC 82/2007) que garante autonomia orçamentária, técnica e administrativa ao órgão. Em entrevista ao Congresso em Foco, o presidente e o vice-presidente da Associação Nacional dos Advogados da União (Anauni), Clóvis Andrade e Tobias Morato, respectivamente, argumentam que a medida é necessária para melhorar o trabalho da instituição, que busca se firmar como um órgão de Estado, não de governo, e para equipará-la às Defensorias Públicas e ao Ministério Público, que já possuem autonomia. A PEC 82 foi apresentada pelo então deputado Flávio Dino, hoje ministro do Supremo Tribunal Federal, e chegou a ser aprovada em comissão especial. O texto está parado desde 2015, à espera de inclusão na pauta do plenário.
Criado em 1996, a Anauni tem cerca de mil filiados e é uma das apoiadoras do Prêmio Congresso em Foco 2024.
Leia também
Leia a íntegra da entrevista com Clóvis Andrade e Tobias Morato:
Congresso em Foco – Como os senhores avaliam a atuação da AGU nos últimos anos?
Clóvis Andrade – A AGU tem o papel constitucional e legal de representar judicialmente a União e também prestar consultoria e assessoramento jurídicos ao Poder Executivo. Também está sempre envolvida em todas as etapas da política pública. Isso se dá porque em cada ministério existe uma consultoria jurídica que é desempenhada por um advogado da União.
Então, o papel que a AGU sempre desempenhou, mas cada vez com maior maturidade, é crucial para o Estado brasileiro. E nos últimos anos, do ano passado para cá, eu poderia citar um caso específico, que é a criação da Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia, em face do que ocorreu nos últimos anos e mais detidamente no 8 de janeiro de 2023. Demonstrou-se de crucial importância, porque ela tem entre suas atribuições o combate à desinformação contra as políticas públicas.
Cito especificamente esse caso da PMDD como algo que demonstra o amadurecimento da AGU e o fato de que ela está sempre atenta à realidade, às necessidades do Estado.
Tobias Morato – É uma instituição que vem se consolidando, ainda tem muito a avançar e se consolidar, mas está, cada dia mais, mostrando um excelente papel na defesa do Estado brasileiro. A prova disso são nossos colegas, nossos associados, que diariamente defendem causas relevantíssimas para a República. Temos diversos exemplos de causas bilionárias que são vencidas pelos nossos colegas constantemente. Então, nós produzimos também um resultado para o Estado brasileiro na casa de centenas de bilhões de reais.
Na visão dos senhores, a atuação durante o governo Bolsonaro pode ser considerada como uma advocacia do próprio governo à época e não do Estado brasileiro?
Clóvis – Quando a AGU está representando o Executivo, ela está ali defendendo políticas públicas que fazem parte de um programa de governo que foi submetido ao escrutínio do povo, dos eleitores. Então, desde que dentro do arcabouço jurídico brasileiro, desde que haja viabilidade jurídica, a AGU vai auxiliar o gestor na construção da política pública, seja de que governo for, de esquerda, direita ou centro, desde que democraticamente eleito.
Então, eu diria que isso não se confunde com a defesa de um governo, e sim do Estado brasileiro, por intermédio, claro, da defesa de políticas públicas trazidas por um governo democraticamente eleito.
Tobias – É importante também dizer que a nossa pauta aqui, enquanto entidade representativa, é a defesa de uma advocacia pública de Estado, não uma advocacia pública de governo. Não é à toa, por exemplo, que a AGU está prevista no artigo 131 da Constituição, então ela está dentro das funções essenciais da Justiça, topograficamente falando, ela não está dentro de nenhum dos poderes.
Enquanto advogados da União, nós representamos os Três Poderes. A nossa proposta é de uma advocacia pública de Estado que esteja sempre ao lado, claro, na defesa do governo democraticamente eleito, mas também dos demais poderes e, principalmente, sempre do interesse público e em conformidade com a Constituição e as leis do país.
Hoje, tramita no Congresso Nacional a PEC 82/2007, que estabelece a autonomia funcional da advocacia pública. Que análise os senhores fazem dessa proposta?
Clóvis – A autonomia é necessária pelo fato de já ser uma realidade existente para as demais funções essenciais à Justiça, que é o caso do Ministério Público, da Defensoria Pública da União e dos Estados também. Assim como ocorre com os demais poderes, as funções essenciais à Justiça, embora não possam ser chamadas de poder, elas têm, entre suas atribuições, uma parcela das competências próprias do Estado.
Então, elas precisam dessa autonomia para melhor desempenhar, com mais liberdade, com mais independência, aquelas atribuições que são próprias e conferidas pela Constituição. No caso da advocacia pública, de representar o Estado, de prestar consultoria jurídica. Por quê? Havendo uma vinculação, inclusive administrativa e orçamentária, ao Poder Executivo, que é a realidade atual, acaba que essa independência, até para exercer uma advocacia pública de Estado, é mitigada.
Tobias – A autonomia é algo que nós consideramos o próximo passo do que o constituinte originário desenhou para as funções essenciais da Justiça. Então, no título 4 – da Organização dos Poderes –, no capítulo 4 – Funções Essenciais da Justiça –, ele coloca o Ministério Público, a Defensoria Pública, a Advocacia Pública e a Advocacia Privada. Das que estão dentro do serviço público, a única que não tem autonomia ainda é a Advocacia Pública. O Ministério Público, com a própria Constituição, já conquistou, a Defensoria Pública conquistou recentemente na última década, e nós ainda não conquistamos.
Então, não é nada fora do normal, muito pelo contrário, é um caminho natural. Nós temos plena convicção de que vai acontecer, a questão é quando. Mas está no legislativo e nós lutamos e trabalhamos muito por isso. Inclusive, apresentamos uma nova PEC, que é 17/2024, com o apoio de quase 300 parlamentares, apresentada pelo deputado Carlos Sampaio (PSD-SP), também com o apoio do deputado Antônio Brito (PSD-BA), um importante ator legislativo, e nós estamos muito confiantes que vamos conseguir avançar nesse próximo passo.
O senhor citou o líder do PSD, Antônio Brito, um dos candidatos à sucessão de Arthur Lira na Presidência da Câmara. Nessa perspectiva de aprovação das PECs, já há articulação com os possíveis presidentes da Câmara e do Senado a partir de 2025?
Tobias – É uma perspectiva nossa de fazermos essa aproximação agora no segundo semestre com esses possíveis próximos presidentes: Antonio Brito, Elmar Nascimento e Marcos Pereira. Entendemos que a aprovação de uma PEC – como a 82, que já está pronta para ser pautada no plenário da Câmara –, só vai acontecer com o aval do próximo presidente da Câmara, inicialmente, depois do Senado.
É claro que se for o Antonio Brito, é uma conversa que já vai começar de uma etapa um pouco mais avançada. Mas na Anauni nós não temos partido, então quem for, acharemos ótimo e pediremos apoio, com certeza. Então, acreditamos que na próxima presidência as coisas vão andar de uma forma favorável para a advocacia pública, independentemente de quem for presidente.
Clóvis – A Anauni atua em defesa do interesse da carreira. Então, é do interesse da carreira o avanço dessa pauta da autonomia. Mas de forma alguma isso significa que nós tenhamos qualquer preferência ou atuação em prol de um ou de outro que está ali na corrida para a presidência da Câmara.
Além da aprovação da autonomia, que outra medida pode ser aprovada para valorizar a carreira de advogado da União?
Clóvis – Nós temos outra pauta que é de suma relevância para a valorização da carreira de advogado da União, tramitando no Congresso, que é a da advocacia plena. Nós somos advogados antes mesmo de sermos advogados da União. E existe uma vedação legal que recai sobre a nossa carreira que é de exercer a advocacia fora do âmbito da AGU.E eu não preciso ir muito longe para mostrar que isso é algo totalmente irrazoável.
Nas Procuradorias Gerais dos Estados e do Distrito Federal, a imensa maioria, são 27, somente quatro não podem advogar. E isso traz um ganho muito grande, tanto do ponto de vista da atratividade para profissionais, ou seja, para a retenção de bons advogados da União, na carreira, como também do ponto de vista de reverter esse benefício em favor da União. Quando o advogado tem um nome a zelar na esfera privada, é algo que sempre reverte em favor também do ente público ao qual ele está vinculado.
Como?
Clóvis – Por exemplo, quando você tem um escritório que tem um bom trânsito e, por conta da atuação privada nos tribunais, muitas vezes são esses procuradores dos estados que têm esses escritórios, que são requisitados para tratar de uma matéria que seja mais importante para o estado. Na União seria da mesma forma, mas continuaria a vedação de atuação na iniciativa privada em processos que tenham conflito de interesse com a União ou com a administração pública federal.
Tobias – O Projeto de Lei 5531/2016 é uma reparação histórica com a nossa categoria. Desde 2015, foi negociado com o governo Dilma na época, em mesas de negociação setorial, aprovado pela categoria, aprovado pelo governo e enviado ao Legislativo. Por questões históricas e políticas, acabou não sendo votado na Câmara dos Deputados e está atualmente na CCJ, pronto pra ser pautado.