*Celeste Leite dos Santos e Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos*
O direito das vítimas no acesso à Justiça tem sido negligenciado em nome do direito fundamental à presunção de inocência. A implementação do juízo de garantias em nosso sistema jurídico assume novos contornos com a aceleração da digitalização dos processos e a implementação de audiências virtuais desde a pandemia de Covid-19.
O tema voltou à baila, há poucos dias, com o julgamento virtual, pelo Plenário do Supremo Tribunal, da figura do juiz de garantias. Na oportunidade, formou-se maioria, no último dia 17, pela implantação do formato em todo o território brasileiro. Portanto, há uma tendência de ser aprovada a matéria, restando apenas aos ministros fixarem um prazo para que isso ocorra, conforme três propostas em análise: aplicação em até um ano, em até 18 meses, ou em até 36 meses.
A separação das funções de julgar, defender e acusar concedem imparcialidade ao julgador. Numa análise comparativa com o direito alemão, importante mencionar a figura de Ermittlungsrichter (juiz da investigação), do Código de Processo Penal alemão (StPO, §§ 162 e 1693).
O referido diploma legal traz:
Leia também
Artigo 3º-B: O juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais, cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário, competindo-lhe especialmente: (…)
PublicidadeXVIII – Outras matérias inerentes às atribuições definidas no caput deste artigo.
De acordo com a teoria dos direitos fundamentais sociais de Robert Alexy, o acesso à Justiça é opção constitucional de obtenção da igualdade entre todos e, por conseguinte, deve promover a redução de desigualdades (artigo 5º, inciso XXXV, CR).
O conflito enfrentado é o de obter uma convivência harmônica entre o direito da vítima no acesso à Justiça e o direito do acusado ou investigado à presunção de inocência – ambas dimensões integrantes do mesmo sistema jurídico. Na esteira do acesso à Justiça, Soares e Furtado pontuam que:
“São inúmeros os entraves de efetividade do acesso à Justiça. Conforme já referido, tratam-se de questões econômicas, políticas, sociais e culturais importantes que precisam ser vencidas, cotidianamente. O direito de acesso à Justiça, constitui-se, assim, na efetiva possibilidade do jurisdicionado obter do Estado os meios indispensáveis ao conhecimento e à defesa de seus direitos, por meio de tutela jurisdicional prestada pelo Poder Judiciário. Essa tutela há de ser em tempo razoável”.
A igualdade material entre ofensores e vítimas somente será obtida com o reconhecimento de que ambos são sujeitos de direitos. As mudanças legislativas serão justas na medida em que não afetem a esfera de dignidade de nenhum dos cidadãos no dever prestacional do Estado, e no exercício de seu monopólio do direito de punir.
* Celeste Leite dos Santos é doutora em Direito Civil, mestre em Direito Penal, promotora de Justiça, coordenadora do Grupo de Estudos de Gênero do Ministério Público (MP) de São Paulo, presidente do Instituto Pró-Vitima, coordenadora da revista internacional de Vitimologia e Justiça Restaurativa, e idealizadora da lei federal de importunação sexual.
*Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos é advogada, professora livre docente em Direito Penal, pela Universidade de São Paulo (USP), professora doutora em Filosofia do Direito, pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, e vice-presidente do Instituto Pró-Vítima.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para redacao@congressoemfoco.com.br.