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A ideia em um segundo
A manutenção do apoio da elite econômica a um governante autoritário é um projeto de risco elevado. Porque governos autoritários são muito mais imprevisíveis, porque não estão sujeitos a regras. Não foi por acaso que Milton Friedman, nesse sentido, apontava que a democracia liberal é o melhor regime para a evolução do capitalismo. E não é por acaso, pelo mesmo motivo, que grupo importante do mundo empresarial e financeiro brasileiro divulgou manifesto contra Bolsonaro e em defesa do sistema político e eleitoral brasileiro.
Vícios Públicos, Benefícios Privados ?
“Demonstrem ao seu rei os erros que vocês viram e nunca mais o aconselhem tendo em mente o lucro particular, porque junto com o que é comum também se perde aquilo que é próprio”
Grangorja, pai de Gargântua, personagem de François Rabelais
Sem a coisa pública, não há garantias para a coisa privada. Ruída a República, não há garantias no plano dos governos autoritários. Que a democracia liberal é o melhor regime para a prosperidade do capitalismo já foi brilhantemente sintetizado por Milton Friedman em Capitalismo e Liberdade: “O tipo de organização econômica que gera liberdade econômica, que chamamos de capitalismo competitivo, também promove a liberdade política porque separa o poder econômico do poder político e, dessa forma, possibilita que um compense o outro”. Para os liberais, a economia é mais um elemento no circuito de freios e contrapesos (checks and balances) do equilíbrio dos poderes.
Por essa razão, os pensadores econômicos liberais apoiam governos representativos e as instituições parlamentares, como instrumentos de descentralização de poder e redução da capacidade de ação arbitrária por parte do Estado.
Perceba-se aqui uma nuance: o governo não é o decisor das regras do jogo, mas o seu garantidor. O governo é o local onde se decidem as regras do jogo. Com isso em mente, Friedman criticou a célebre frase de John Kennedy: “Não pergunte o que o seu país pode fazer por você mas o que você pode fazer pelo seu país”. Para Friedman, a pergunta correta seria: “O que é possível de ser feito por meio do governo?”
Não se trata aqui do tamanho do Estado ou de suas funções. Mas sim de realçar a chamada democracia liberal (chamada por alguns de eleitoral) como mínimo necessário para abrigar um sistema econômico capitalista, dependente, para seu avanço, da garantia dos direitos civis, da validade e compulsoriedade dos contratos e da livre iniciativa na esfera econômica. Sem isso (pactuações mínimas em relação à coisa pública), não se chega à prosperidade na esfera privada (pactuações mínimas de respeito à propriedade e aos contratos).
Questionando as regras do jogo
Questionar as regras do jogo dá certo. A maioria dos americanos republicanos acreditam que as eleições de lá foram fraudadas e que Trump teria sido o vencedor. Apenas por isso, Bolsonaro pode de fato se sentir incentivado a prosseguir com seus questionamentos semanais sobre a lisura e a validade das eleições. No mínimo, será derrotado podendo reivindicar a falta de idoneidade da competição eleitoral.
Como já mencionado em edições anteriores do Farol, o ponto não é o voto impresso, ou mesmo a prova de que as urnas possam ser fraudadas. Mas sim lançar dúvidas sobre o processo eleitoral, com o fito de provocar incerteza e deixar o desfecho da sucessão presidencial em aberto – a depender de um choque de forças entre possíveis apoiadores do presidente e o restante do País. Bolsonaro pretende assim viabilizar a continuidade de um projeto personalista, familiar e populista.
Regras do jogo e sistema econômico
Institucionalistas há mais de um século analisaram e comprovaram como “as instituições importam” para o bom funcionamento do sistema econômico. Em um sistema ditatorial, como eram as monarquias absolutistas, não havia previsibilidade qualquer, o que dificultava o andamento das transações econômicas. A purveyance, por exemplo, permitia que o monarca comprasse qualquer coisa pelo preço que quisesse, possibilitando, na prática, o confisco.
O parlamento inglês passou por um processo milenar de reações ao poder real arbitrário, até que o parlamento do Rei deixasse de existir e viesse o Rei no Parlamento, com um papel cada vez mais simbólico. Dessa forma, a principal referência de democracia para o Ocidente alcançou estabilidade e deu vazão às forças econômicas despertadas pela Revolução Industrial.
O respeito às regras, com suas principais consequências – a previsibilidade e a redução da incerteza, passou a ser elemento fundamental do sistema nascente que veio a se configurar como o capitalismo.
Daí, provavelmente, a reação de importantes representantes dos setores empresarial e financeiro no manifesto lançado na quinta-feira (5) e publicado nos principais jornais do país.
Riscos elevados, retornos duvidosos
A manutenção do apoio a um governante autoritário, por parte da elite econômica, é um investimento de risco elevado e retornos duvidosos. Uma vez instaurado o poder despótico, esse não necessita prestar contas a ninguém. Empresas privadas e lucrativas podem ser simplesmente declaradas de interesse nacional e estatizadas, por exemplo. Contratos podem ser rompidos sem justificativas razoáveis.
Evidentemente, para um pequeno círculo que alcance relações proximais com o ditador, o sistema pode render altos lucros. Mas mesmo esse grupo fica exposto aos conflitos internos e há um risco grande de alguém cair em desgraça de uma hora para a outra, perdendo tudo o que tenha sido eventualmente conquistado. A iniciativa econômica, nesse contexto, ganha mais ares de aposta do que de racionalidade. E reforça nosso patrimonialismo ancestral.
As instituições importam. Mas poderão vencer?
Agosto se inicia com uma mudança no patamar da crise. Após inúmeros ataques contra as urnas eletrônicas e a ameaça concreta de não realização das eleições, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu reagir para além das notas de repúdio e instaurou inquérito, que, em última instância, pode resultar na inelegibilidade do Presidente. A probabilidade é bastante baixa, contudo, uma probabilidade baixa é diferente de uma inexistente. Passa a estar disponível um caminho para o afastamento de Bolsonaro do cenário eleitoral que não passe pela Câmara dos Deputados.
Além disso, diferentemente dos Estados Unidos, onde o processo de validação do resultado das eleições é consuetudinário e baseado na autocontenção moral dos participantes, no Brasil há a Justiça Eleitoral, com poder chancelador, institucional. O adversário de Bolsonaro, portanto, é de outra natureza e sua contenda será menos propícia do que a de Trump.
A concretude da possibilidade de retirada de Bolsonaro das eleições, bem como sua sustentabilidade, dependerá do comportamento das elites – ver edição anterior do Farol sobre cada grupo componente da elite brasileira. De um ponto de vista da elite econômica, ao menos, a opção do bloqueio a Bolsonaro funciona como um hedge, cada vez mais valorizado. A ver.
Termômetro
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Chapa quente
No clássico exercício de freios e contrapesos entre os poderes, ensinado por Montesquieu no seu “Espírito das Leis”, cresce o Poder Judiciário com as reações tomadas contra a escalada do presidente Jair Bolsonaro contra o sistema político e eleitoral brasileiro. Observe-se que Bolsonaro, se segue na escalada ao falar para seus fieis no cercadinho do Alvorada, institucionalmente, ao responder formalmente ao TSE, foi bem mais ameno na resposta.
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Geladeira
Em contrapartida, no seu papel no sistema de freios e contrapesos, anda devendo o Poder Legislativo. Ao mesmo tempo em que se posiciona de forma muito mais tímida aos ataques que podem por a democracia em risco, também não avança o Congresso no sentido de propor de fato uma solução legislativa para os problemas, enquanto permanece sentado sobre mais de cem pedidos de impeachment do presidente.
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O Farol Político é produzido pelos cientistas políticos e economistas André Sathler e Ricardo de João Braga e pelos jornalistas Sylvio Costa e Rudolfo Lago. Edição: Rudolfo Lago. Design: Vinícius Souza.
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