Clique abaixo para ouvir o comentário de Beth Veloso veiculado originalmente no programa “Com a palavra”, apresentado por Mariana Monteiro e Márcio Salema na Rádio Câmara:
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Nas últimas semanas, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) foi alvo de um tiroteio por parte das empresas de defesa do consumidor e do próprio consumidor. O anúncio de dirigentes da agência de que a internet fixa ilimitada estava chegando o fim pegou todo mundo de surpresa e gerou histeria geral. Por algumas semanas, a agência, considerada modelo entre os já combalidos órgãos reguladores no Brasil, ficou na berlinda e teve sua moral arranhada.
Mas poucos sabem que o órgão regulador das telecomunicações no Brasil, um dos setores mais transversais e estratégicos do país, com crescimento galopante, já perdeu a moral há muito tempo. Pelo menos no âmbito da economia interna. Só mesmo cruzando o portal de um dos suntuosos edifícios amarelos do centro de Brasília, sede do antigo sistema Telebrás, para entender que a crise que chegou primeiro na Anatel foi a financeira, e não a política, que veio em função da ameaça de corte da banda larga.
Comparado ao que já foi, a Anatel poderia estar, literalmente, fechando as portas. Sem nenhum exagero, o que acontece na agência é digno de espanto. Do controle do passado, com identificação das pessoas por andar, não sobrou nem a moça do cafezinho. Os sucessivos cortes orçamentários obrigaram a Anatel a dispensar do porteiro à recepcionista, da copeira ao próprio pó de café.
Vergonha é o sentimento que sentem os dedicados funcionários, que, além de sede, agora morrem de calor após às 18h, quando o ar condicionado é desligado. O guardião das telecomunicações no Brasil se sente, no fundo, vilipendiado por uma política que restringiu os recursos orçamentários a nível de subsistência, e a anemia financeira da agência parece afetar de maneira invisível, também, a capacidade formuladora da autarquia, atacando a sua própria essência.
PublicidadeEncarregada de fiscalizar um setor que tem 375 milhões de assinantes, representa 4,1% do Produto Interno Bruto, promove investimentos anuais de 28,6 investimentos, a números de 2015, e já recolheu para o setor 88,8 em fundos setoriais desde 2001, a Anatel enfrenta hoje a mais grave crise financeira desde a sua criação.
A ponta do iceberg é, sem duvida, os cortes com treinamentos, cursos e despesas básicas, como o combustível, mas onde o brasileiro mais irá sentir o contingenciamento de recursos é na qualidade do serviço. A fiscalização é, sem dúvida, a área mais atingida. Não há veículos nem recursos para pagar diárias aos fiscais, que deixam de fiscalizar serviços, antenas e o cumprimento de metas de cobertura e qualidade, previstos nos regulamentos. Para todos os serviços regulados pela agência, incluindo a crescente e cada vez mais demandada banda larga. A crise moral é tão grande que a agência parece voltar atrás no tempo, uma vez que os funcionários de carreira informam via WhatsApp que os telefones celulares corporativos vão ser cortados em questão de dias, por contenção de despesa. “O clima está péssimo. É de desânimo geral”, diz um servidor que pede para não se identificar. Mas a melhor metáfora seja talvez a do sapo na panela, me conta o servidor com tristeza. O problema é que a água vinha esquentando devagarinho e, quando se percebe, o sapo já está morto.
Os números mostram que, na verdade, a agência tem resistido bravamente a esta asfixia financeira. De acordo com o presidente da Associação Nacional dos Servidores Efetivos das Agências Reguladoras Federais (Aner), Thiago Botelho, embora o setor de telecomunicações gere receitas anuais superiores a R$ 8 bilhões anuais, só com os fundos setoriais, o de fiscalização, o de universalização e o de tecnologia, a Anatel teve orçamento de R$ 450 milhões no ano passado, e gastos de apenas R$ 100 milhões neste ano, sendo que a maior parte, é claro, vai para pagamento de salários.
Diz-se que a Anatel tem dificuldade até de pagar as contas de conexão do seu call center, o que pode gerar uma pane nos serviços de atendimento ao consumidor de todas as empresas, isso porque o serviço da Anatel atende via internet ou pelo telefone 1331.
Dos mais de 320 atendentes do call center da Anatel, muitos poderão simplesmente ser dispensados, como já acontece com a Aneel, agência que regula o setor de energia, e no qual os serviços fizeram um abraço simbólico para orar numa espécie de pré-velório da agência. A associação acredita que o excesso de alinhamento com o governo, fazendo da chamada agência forte da telefonia um gatinho que mal ruge para dentro, deu à agência uma situação quase falimentar, caso fosse um ente privado. E que o remédio para esse quadro de assepsia seria a aplicação do que diz a própria Lei Geral de Telecomunicações (LGT). Ou seja, que se coloque em prática a real autonomia financeira e administrativa da Anatel, que sequer tem um montante a ser repassado pelo Ministério das Comunicações carimbado em seu nome. Na prática, brinca-se na agência que a maior realização do atual presidente, João Rezende, foi a inauguração de um bicicletário, do ponto de vista de melhorias na estrutura física e funcional da agência. O posto de atendimento médico já foi fechado e não há restaurante nem lanchonete no complexo da agência em Brasília, e os convidados ou interlocutores dos conselheiros precisam levar um leque, além de dispensar o cafezinho.
Até onde vai a crise da Anatel não se sabe. O fato é que a transparência alardeada, como a transmissão das reuniões do conselho diretor, não se reflete no debate aberto sobre uma política de quase desmonte das agências reguladoras, por de leis e omissões que provocam uma hemorragia financeira que pode, em breve, levar à morte de qualquer vestígio de poder fiscalizador ou regulatório dessas agências que ainda persista. Para Thiago Botelho, a Anatel é hoje meramente um órgão arrecadador, como seria uma Receita Federal, só que o leão da Receita ruge bem mais forte perante o próprio consumidor.
Como dizem os interlocutores do setor, o nível crítico chegou a ponto que nem as empresas comemoram mais as dificuldades daquele que é responsável por implantar a política de telecom no país, que é o regulador. A conta é simples: regulador fraco, setor fraco. A última coisa que o investidor quer é um órgão regulador que não seja capaz de manter a estabilidade do modelo, gerar segurança regulatória e fiscalizar o setor a contento, gerando grandes incertezas num mercado que requer um volume anual de pelo menos R$ 21 bilhões em investimentos para dar conta do aumento da demanda, especialmente na internet e novas mídias. Um dos temas na pauta é incluir como obrigatório que haja servidores de carreira entre os conselheiros da agência, para que possam olhar também para dentro do problema.
Nem mesmo o plano estratégico da Anatel, que recentemente também foi remodelado para se adaptar a um mercado com cada vez mais serviços convergentes, parece animar os jovens funcionários que acreditavam que teriam a faca e o queijo na mão para determinar a expansão do alardeado mercado de telecom no Brasil.
Parece que a faca ficou mesmo no Executivo e o queijo… bem… este está cheio de buracos!
Se o futuro é incerto na política, na economia das telecomunicações no Brasil, nem com toda comunicação do mundo dá para saber quando é que a Anatel vai pifar. E nem mesmo as empresas querem pagar para ver.
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Coluna produzida originalmente para o programa Papo de Futuro, da Rádio Câmara. Pode haver diferença entre o áudio e o texto.