Regimes autoritários resultam da conjugação, num determinado momento histórico, de alguns ingredientes ou de todos juntos. O primeiro é o populismo. Depois, o patriotismo grandiloquente para conquistar a simpatia popular ao mesmo tempo em que esconde a ausência de conteúdo. Quase sempre, o pretendente a chefe de governo autocrático constrói, encarna e usa de todos os recursos para se apresentar na versão do xerife vingador ou de salvador da pátria, além de negar a política partidária, mas se servir dela como trampolim para os saltos mais ousados.
Como todo poder autocrático deriva da cooptação do setor militar, os candidatos a ditador cuidam em distribuir cargos, benesses e aumentos salariais aos integrantes das forças armadas, garantindo seu apoio, mesmo que ele seja vergonhosamente fisiológico. Se o momento for de comoção popular ou de grande crise social, então está criado o caldo de cultura ideal para líderes de vocação autoritária anularem os demais poderes e empalmarem todos eles, passam a exercer diretamente e sem limites a condição de legisladores, juízes e executores de políticas públicas. Sem quaisquer mecanismos de controle, sem pesos nem contrapesos, sem um poder moderador para conter excessos e sem os rituais codificados num texto constitucional haurido da representação popular, esses líderes passam a gozar do poder impunemente de fazer e desfazer. Bem ao contrário das promessas feitas e da imagem que projetam para a obtenção do apoio que os alça ao comando absoluto da nação, governos autocráticos, sem exceção, sempre são truculentos, assassinos e corruptos.
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O pior cego é o que não quer ver os indícios
Neste espaço, por algumas vezes, vimos apontando os evidentes riscos da vocação golpista de Bolsonaro, que escancaradamente é saudoso e nutre enorme admiração pela ditadura militar de 1964, incluindo seus métodos de coerção mais torpes como a tortura. Além, é claro, do respeito e admiração que devota a torturadores notórios como o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o “Doutor Tibiriçá” de triste e repulsiva memória. Ustra foi chefe do DOI-CODI do II Exército, um dos órgãos mais atuantes na repressão política durante a ditadura militar no Brasil. Em 2008 tornou-se o primeiro militar condenado pela Justiça Brasileira pela prática de tortura. Nem por isso Bolsonaro parou de cultuá-lo publicamente, como fez na votação do impeachmente de Dilma Roussef.
Se eu exagero, então como fica o ministro Fux?
De vários leitores já recebi observações de que exagero e ando vendo inimigos imaginários debaixo da cama. Lamento informar que não sou só eu. O Presidente do STF, ministro Luiz Fux, também. Além de diversos analistas políticos, articulistas de vários matizes e especialistas em ciência política de instituições respeitadas. O próprio Fux ficou tão preocupado com as seguidas menções de Bolsonaro à possibilidade de decretação do estado de sítio – antessala da maioria dos golpes de estado – que passou a mão no telefone e ligou pra ele, pedindo explicações.
PublicidadeBolsonaro negou. Nem poderia reagir de outra forma. Mesmo se contradizendo porque, pouco antes, havia manifestado a apoiadores a disposição de apelar para o estado de sítio com o intuito de se sobrepor aos governadores que estão decretando medidas restritivas à circulação de pessoas e até do lockdown como forma de contenção dos níveis da pandemia. Como sempre, apelou para o discurso salvacionista de que poderá usar “medidas duras” para “dar liberdade ao povo, deixar o povo trabalhar”.
Populismo e patriotismo de fancaria
O populismo de Bolsonaro se expressa em ações como as que praticou em plena pandemia, comparecendo a carrocinhas de cachorro quente e tomando banhos de mar em praias lotadas, além de outros eventos em que sempre se passa por “gente do povão”. O patriotismo de fancaria é visível na postura austera, no tom de voz dos chefes militares em seus exercícios e na posturas marcial que assume mal ouve um clarim ou os acordes de algum hino. Para ficar num único exemplo, se esse patriotismo fosse pra valer, deveria se expressar na defesa do patrimônio ambiental brasileiro e não na concordância à sua destruição pela “passagem da boiada” defendida pelo primeiro ministro do meio ambiente do mundo que só existe para acabar com ele.
O “xerife vingador” é visto diariamente no linguajar egocêntrico e autoritário contra quem se opuser aos seus propósitos. Seu governo se utiliza abertamente do entulho autoritário da ditadura, como a aplicação da Lei de Segurança Nacional contra seus críticos. Para encontrar o patriota de fancaria basta fazer a análise do seu discurso e observar como faz questão de repetir retumbantemente o “nosso Brasil”, “o Brasil acima de tudo” e no slogan do próprio governo, “Pátria amada, Brasil”. Por último, nem é preciso lembrar a carrada de cargos entregues a militares com ou sem qualificação. E o delicadíssimo momento sanitário que o país vive. O caldo de cultura está pronto.
E esse monte de armas? É pra caçar passarinho?
Mas, some-se a isso o incentivo oficial ao armamentismo da população, situação que tem tudo para desembocar na formação ou fortalecimento de milícias. Segundo a Polícia Federal, foram registradas 179.771 novas armas no ano passado, número superior a 91% em relação ao ano anterior. Existem pessoas com verdadeiros arsenais em casa. Aqui em Brasília corre a informações de que apenas uma dessas pessoas, além de dezenas de armas, tem estocadas neste momento mais de 10 mil munições. Seria para enfrentar os ladrões, caçar passarinho ou para inofensivos exercícios de tiro-ao-alvo?
Ora, se o Presidente do órgão máximo do Judiciário, como o ministro Luiz Fux, anda ressabiado com o quadro atual, é fundamental e inadiável bater e insistir na mesma tecla e apontar para os visíveis riscos de fragmentação institucional. Porque onde há fumaça, há fogo. E onde tem pólvora e fogo há risco iminente de explosão.
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