O presidente Lula passou fome na infância. Teve de deixar sua terra natal em cima de um caminhão pau-de-arara para tentar a sorte em São Paulo. Perdeu um dedo quando trabalhava como metalúrgico. Ficou viúvo duas vezes. Foi preso duas vezes, a primeira quando liderava os movimentos sindicais do ABC na ditadura, a segunda por consequência da condenação pelo hoje senador Sergio Moro (União-PR) na Lava Jato. Perdeu a mãe quando estava pela primeira vez preso. Perdeu o neto quando estava preso pela segunda vez.
Chega, portanto, a ser cretino considerar que alguém com essa trajetória seja um sujeito de sorte. Se há momentos de predestinação na história de Lula, o que prevalece mesmo são lances de muita luta, lágrimas e sofrimento. Se em alguns momentos, alguma confluência o ajudou, não se pode dizer que isso fosse simplesmente porque ele estava ali por acaso, como o Zelig do filme de Woody Allen. Se o PT surgiu das greves do ABC, liderar essas greves não foi algo simples e fácil em tempos de autoritarismo. Se Lula hoje é presidente pela terceira vez, foi derrotado três vezes antes disso. Se Lula for, portanto, um “sujeito de sorte”, será como o personagem da canção de Belchior, que diz: “Tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro, ano passado eu morri, mas este ano eu não morro”.
Assim, se alguma confluência hoje ajuda Lula a melhorar seus índices de popularidade, não é possível se dizer que isso aconteça em um cenário sem adversidades. Lula enfrenta as vicissitudes da convivência com um Congresso de maioria hostil, de direita quando ele preside um governo liderado por um partido de esquerda. E um cenário internacional complexo, na iminência de uma guerra entre a Ucrânia e a Rússia, que pode se tornar mundial, que pode se tornar nuclear.
Assim, algo haverá na percepção de melhora na economia brasileira que não pode ser simplesmente atribuído à sorte. Mas que conflui para que Lula, agora em novo périplo pela Europa, experimente uma melhora nos seus índices de popularidade, conforme a pesquisa Genial/Quaest divulgada nesta quarta-feira (21). É uma melhora de fato, acima da margem de erro da pesquisa. O índice de aprovação de Lula passou de 51% para 56%. Na verdade, voltou ao mesmo patamar de fevereiro. Mas ali o que havia mais era ainda reflexo da expectativa da posse e, talvez, reação à barbaridade do 8 de janeiro. Lula caiu em março e recupera-se agora quando já é possível fazer uma avaliação mais madura do desempenho do seu governo.
E é curioso que Lula cresça especialmente agora junto àqueles que antes não o aprovavam. A melhora entre seus eleitores é dentro da margem de erro: de 88% para 90%. Entre aqueles que foram eleitores do ex-presidente Jair Bolsonaro, porém, ele passou de 14% para 22%.
Lula se manteve igual no Nordeste, região que lhe deu a maior votação no ano passado; 71%. E cresceu no Sudeste (45% para 51%), no Sul (43% para 48%) e Centro-Oeste/Norte (impressionantes dez pontos percentuais, de 46% para 56%). Ou seja, avançou em regiões que eram bem menos amigáveis a ele.
PublicidadeE, na avaliação do diretor da Quaest, Felipe Nunes, “o maior preditor da melhora do governo foi a melhora na percepção da economia”. Embora a maior parte considere que a economia “ficou do mesmo jeito” (38%), o percentual dos que acham que melhorou deu um salto de 23% para 32%. E a queda entre os que consideram que piorou foi de 34% para 26%.
E o fator principal para a mudança nessa percepção foi a decisão que fez baixar o preço dos combustíveis. Que também não é um lance de sorte. A aprovação do arcabouço fiscal deverá levar a novas melhoras dessa percepção.
Se Lula conseguir terminar o semestre aprovando na Câmara a reforma tributária, terá pavimentado um novo cenário para a economia brasileira. E nada disso poderá ser considerado um lance de sorte. Se Lula morreu em 2018, talvez este ano não morra…
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