Era o início do primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva como presidente da República. Em um amplo apartamento da 302 Norte em Brasília, um sujeito com voz de barítono soltava a sua voz em uma sala repleta de senhores engravatados. “Há pessoas com nervos de aço”, cantava ele os versos da canção de Lupicínio Rodrigues. À frente dele, um desses senhores, com aparada barba grisalha, divertia-se.
O dono da voz de barítono era o presidente licenciado do PTB, Roberto Jefferson. O homem de aparada barba grisalha à frente dele era o próprio ex-presidente Lula. Na plateia, estava a professora de canto da Escola de Música de Brasília, Denise Tavares, que assistia a tudo um pouco surpresa. Denise tinha sido convidada porque vinha ensinando Jefferson a cantar sem desafinar tanto.
No dia seguinte, Denise comentou sobre a festa com o saxofonista, professor de música da Universidade de Brasília, Vadin Arsky. Vadin não esteve naquela festa onde estava Lula, mas o convescote não era surpresa para ele. Tinha quase um ano que ele era contratado para tocar, com um trio de jazz, segunda-feira sim, segunda-feira não, naquele apartamento na 302 Norte, que era o imóvel funcional de Roberto Jefferson como deputado federal. Enquanto Vadin soprava seu saxofone, Jefferson reunia políticos e ali eles discutiam cargos e verbas.
Até o dia em que Roberto Jefferson, sentindo-se traído pelo então ministro da Casa Civil de Lula, José Dirceu, resolveu denunciar a existência do mensalão. O jazz acabou, e Jefferson, em vez de cantar Lupicínio para Lula, começou ali o trabalho que sepultou a era petista no poder. O mensalão jogou sobre o PT uma mancha de desconfiança que, depois, aumentou com o petrolão e a Lava Jato. Dilma Rousseff foi apeada num processo de impeachment e do processo ascendeu o hoje presidente Jair Bolsonaro.
O episódio das noites de segunda-feira de jazz me foi contado pelo próprio Vadin Arsky em 2017 e a história foi publicada à época no site Os Divergentes. Eu a retomo diante da carta que agora Roberto Jefferson escreve da prisão dizendo que o presidente Jair Bolsonaro e seu filho 01, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), se viciaram em dinheiro público.
Roberto Jefferson lembra um pouco o personagem do filme Zelig, de Woody Allen. Como Zelig, acontece com Jefferson uma espécie de metamorfose para ficar parecido com aqueles com os quais se alia por conta das suas conveniências políticas. A diferença é que Zelig era tão discreto que, na sua metamorfose, desaparecia por trás dos grandes personagens da história mundial. Jefferson, ao contrário, é uma espécie de Zelig caricato e expansivo. Exagera na metamorfose. Nos tempos de aliado do PT, sofisticava a sua presença com trios de jazz e performances de canto. Agora, amplifica ao máximo o tom belicista e direitoso da era Bolsonaro aparecendo em vídeos carregando escopetas e revólveres e pregando a dissolução do Supremo Tribunal Federal.
PublicidadeE o jeito como Jefferson rompe o casulo para abandonar a antiga forma e assumir a nova é também barulhento e expansivo. Quando abandonou o PT foi denunciando o mensalão. Aparecendo de olho roxo em uma comissão do Congresso para dizer, histriônico, que José Dirceu despertava nele “os sentimentos mais primitivos”.
Agora, abandonado na cadeia onde lhe botou o ministro do STF, Alexandre de Moraes, Jefferson parece ensaiar novo rompimento explosivo. Os motivos ainda não estão claros. Mas devem passar pela sensação de abandono e pelo fato de que, aparentemente, Bolsonaro escolherá uma outra legenda que não o PTB para tentar a reeleição. Ou seu faro talvez já mostre que Bolsonaro não irá mais longe. Ou, bem provável, seja um pouco a soma de tudo isso e mais algumas coisas.
Nunca parece ter sido por espírito patriótico que Jefferson aderiu ao PT no governo Lula e mais recentemente aderiu ao governo Bolsonaro. Ou a razão pela qual trocou as aulas de canto pelas de tiro. Também não parece ser por espírito público que ele rompeu com Lula e denunciou o mensalão e agora ameaça romper com Bolsonaro. Mas nos dois casos, Jefferson desfrutou de segredos explosivos. Como ele próprio diz na sua carta, “quem anda com lobos, lobo vira, lobo é”. Roberto Jefferson não anda. Ele dança com lobos.