José Lopez Feijóo*
Marilene Ferrari Lucas Alves Filha**
José Celso Cardoso Jr.***
Regina Coeli Camargos****
Este artigo relata a recente experiência de negociações coletivas na administração pública federal e ressalta a importância das relações entre o governo e as entidades representativas dos servidores e servidoras para o aperfeiçoamento do Estado Democrático de Direito.
Criado em 2003, logo no início do primeiro mandato do Presidente Luís Inácio Lula da Silva, o sistema de negociação coletiva instaurado pela Mesa Nacional de Negociação Permanente – MNNP – foi um canal efetivo de diálogo democrático e transparente entre o governo e os servidores e servidoras, mediado por suas entidades representativas e destinado ao acolhimento e tratamento das suas reinvindicações.
O funcionamento da MNNP, nos períodos em que permaneceu ativa (2003 a 2015), propiciou o exercício da negociação com as entidades representativas dos servidores e servidoras e resultou na celebração de acordos que atenderam as demandas de diversas categorias, relacionadas a questões salariais e à reestruturação de carreiras.
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Decorridos 21 anos desde sua criação, a MNNP passou por uma trajetória alternada entre momentos de avanços e retrocessos. No período virtuoso, compreendido entre 2003 e 2015, os servidores e servidoras obtiveram importantes conquistas, sobretudo no que diz respeito à valorização salarial. Contudo, em 2016, devido ao impeachment da Presidenta Dilma Roussef, esse processo foi interrompido.
Durante os governos Temer e Bolsonaro (2016-2022), houve estagnação das conquistas e foram implementadas diversas ações destinadas ao desmantelamento do Estado brasileiro, cujo alvo principal foram as políticas sociais e os direitos laborais. Além disso, foram suprimidos os canais democráticos de diálogo e negociação com as entidades representativas dos servidores e servidoras.
PublicidadeNa ausência desses canais, as demandas por recomposição salarial e reestruturação das carreiras foram represadas e as manifestações reprimidas, não raro com violência, resultando em forte arrocho salarial para a maioria das categorias.
A eleição do Presidente Lula para o exercício de um terceiro mandato, em 2022, propiciou a reabertura do processo de diálogo e de negociação com as entidades representativas dos servidores e servidoras. As demandas, represadas durante sete anos, emergiram com força e intensidade.
O restabelecimento da negociação no âmbito da MNNP, logo no início do atual governo, possibilitou a celebração do acordo que determinou o reajuste de 9% para os salários e de 43% para o Auxílio Alimentação.
Em julho de 2023, o sistema da MNNP foi aperfeiçoado com a finalidade de tratar as diversas demandas das categorias profissionais da administração pública federal.
O sistema de negociação passou a ser constituído por três espaços, a saber, a MNNP, na qual são tratadas as demandas comuns a todas as categorias, as mesas específicas e temporárias, nas quais foram abordadas as questões relacionadas à reestruturação das carreiras e as mesas setoriais, que criadas no âmbito de cada órgão da administração pública federal mediante a solicitação das entidades sindicais representativas dos servidores e servidoras, visando ao tratamento de questões afetas às condições e relações de trabalho.
O calendário da MNNP prevê uma reunião ordinária em fevereiro de cada ano, na qual são apresentadas e examinadas as demandas previamente encaminhadas pelas entidades. Em seguida, são realizadas reuniões ordinárias em maio, agosto e novembro. O regimento da MNNP também prevê a realização de reuniões extraordinárias, quando necessário.
Em relação às mesas específicas e temporárias, até julho de 2023, a SRT havia recebido 85 pedidos de abertura de mesas para tratar de pleitos relacionados à recomposição salarial e à reestruturação de carreiras.
A condução desses processos negociais representa um enorme desafio para o MGI, notadamente, para a Secretaria de Relações do Trabalho (SRT), responsável pela instalação e coordenação do processo negocial, e para a secretaria de Gestão de Pessoas (SGP), à qual cabem as análises técnicas das demandas apresentadas pelas entidades sindicais e eventual formulação de propostas alternativas em linha com as diretrizes de carreiras em construção.
Em agosto de 2023 teve início o primeiro ciclo de mesas específicas e temporárias, que contemplou a instalação de 23 processos de negociação. Cabe assinalar que, tanto no âmbito da MNNP quanto das mesas específicas e temporárias, a reabertura do processo negocial se caracterizou por uma elevada expectativa das categorias por respostas imediatas às suas demandas.
Nesse contexto, o clima nas mesas de negociação foi marcado, no mais das vezes, pela exacerbação de uma visão corporativista e imediatista sobre o processo e seus resultados. Ao mesmo tempo, restrições orçamentárias e fiscais, que afetam as possibilidades de atendimento aos pleitos plenos das diversas carreiras, concorreram para o estreitamento das margens de concessão do governo diante das elevadas expectativas dos servidores e servidoras.
Com o encerramento do primeiro ciclo de instalação de mesas, em março de 2024, foi necessária a implementação de medidas para viabilizar, concomitantemente, a continuidade das mesas de negociação instaladas, mas pendentes de acordo, com a instalação de novas mesas.
Diante desse quadro – e considerando o fato de que diversas categorias haviam negociado reajustes salariais em acordos firmados em 2023 -, o MGI, em acordo com as entidades sindicais, decidiu, em vez de negociar um novo reajuste linear no âmbito da MNNP, destinar os recursos orçamentários disponíveis ao reajuste dos benefícios e canalizar as demandas por recomposição salarial às mesas específicas e temporárias.
Cabe destacar que a LOA de 2024 previu reajuste de 52% para o Auxílio-Alimentação, que passou a valer R$ 1.000,00 em junho de 2024, perfazendo 118% de aumento acumulado desde o início do atual governo; de 51,1% para o Auxílio-Creche, que representou a recomposição real do valor desse benefício, considerando o período de 2017 a 2023; e de 51,1% na assistência à saúde suplementar.
Considerando que o Auxílio-Alimentação não sofre incidência de imposto de renda, o reajuste concedido, que se aproxima dos valores dos demais poderes, beneficia, sobretudo, os servidores que estão na base da pirâmide remuneratória da Administração Pública Federal. Na distribuição dos recursos disponíveis para a saúde, as pessoas mais velhas e com remunerações mais baixas foram beneficiadas com reajustes mais elevados, que chegaram, em alguns casos, a 100%.
No que tange especificamente ao processo de reorganização das carreiras no âmbito da Administração Pública Federal, o alinhamento e a articulação entre a SRT e a SGP, que são as secretarias do MGI diretamente envolvidas no processo de negociação, possibilitou a implementação antecipada de alguns dos principais aspectos das novas diretrizes de carreiras, recentemente divulgadas na Portaria MGI n° 5.127 de 13 de agosto de 2024.
A padronização, o alongamento e a simplificação das estruturas remuneratórias, bem como a tentativa de transversalizar o raio de atuação de algumas carreiras, entre outros aspectos das novas diretrizes do MGI, se refletiram nos termos de acordo firmados entre até final de agosto de 2024, os quais constam no Projeto de Lei recentemente encaminhado ao Congresso Nacional. As novas diretrizes de carreira deverão delimitar os marcos das discussões sobre as demandas relacionadas às carreiras da administração federal, que estão presentes em mais de 50% das pautas de reivindicação apresentadas pelas entidades representativas dos servidores e servidoras.
Além da retomada dos processos de negociação, cabe destacar outra importante ação implementada pela SRT-MGI, relacionada ao encaminhamento do processo de regulamentação da Convenção 151 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que dispõe sobre o direito de negociação coletiva na administração pública federal.
Em 2023, em reunião com todas as Centrais Sindicais brasileiras, a Ministra Esther Dweck e o Ministro Luiz Marinho firmaram o compromisso de se retomar o trabalho conjunto entre governo e movimento sindical com vistas à edição de um decreto para constituir um Grupo de Trabalho, cuja tarefa era elaborar uma proposta de Projeto de Lei para regulamentar a negociação coletiva na administração pública federal.
A regulamentação da negociação coletiva se insere no âmbito dos esforços de democratização das relações de trabalho, entendida pelo atual governo como um pressuposto do Estado Democrático de Direito. Liderar esse processo é tarefa crucial e urgente das entidades representativas dos servidores e servidoras e do atual governo, visando a garantir, aos trabalhadores e trabalhadoras do setor público, um espaço paritário e legítimo nos fóruns de debate sobre relações de trabalho, em respeito à Constituição Federal e à convenção n. 151 da OIT subscrita pelo Governo brasileiro. Em que pesem as dificuldades enfrentadas até o momento, esse processo deve ser visto como uma oportunidade ímpar de aperfeiçoamento do sistema de negociação no setor público, que está alinhado, por sua vez, à perspectiva de transformação qualitativa e positiva do Estado brasileiro.
A retomada dos processos de negociação e a busca pela sua institucionalização, por meio da regulamentação da Convenção151 da OIT, bem como a iniciativa de implementação das novas diretrizes de carreiras, também fazem parte de um conjunto mais amplo de ações que colocam efetivamente em marcha uma verdadeira reforma administrativa de índole republicana e democrática, que prima por ser, ao mesmo tempo, infraconstitucional e incremental. Justo o oposto do que propõe a PEC 32/2020.
*José Lopez Feijó é Secretário de Relações de Trabalho no MGI
**Marilene Ferrari Lucas Alves Filha é Secretária Adjunta de Relações de Trabalho
***José Celso Cardoso Jr. é Secretário de Gestão de Pessoas no MGI
****Regina Coeli Camargos é Secretária Adjunta de Gestão de Pessoas
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