Professor universitário, advogado, filósofo e ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida é formado em direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e em filosofia pela Universidade de São Paulo (USP). Com notória reputação acadêmica, primeiro presidente do Instituto Luiz Gama – ONG que carrega o nome do abolicionista e que tem por objetivo a luta contra o preconceito Racial – e autor de livros sobre direito e racismo, o ministro enfrenta acusações de assédio moral e sexual.
Nessa quinta-feira (5), denúncias contra Silvio Almeida foram veiculadas na mídia. O jornalista Guilherme Amado, do portal Metrópoles, que primeiro publicou as informações, afirmou também que a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, foi uma das vítimas. Segundo a organização Me Too Brasil, que recebeu as denúncias, os casos aconteceram em 2023, quando ele já era ministro da pasta. Ele nega (veja resposta mais abaixo).
A chegada dele ao Ministério dos Direitos Humanos, em janeiro do ano passado, foi comemorada por ativistas devido ao seu reconhecimento como um dos principais nomes do movimento negro no país. Em seu discurso de posse como ministro, comprometeu-se a “não esquecer os esquecidos” e a lutar por um país que ponha a vida e a dignidade em primeiro lugar. Ele citou um ditado iorubá, os rappers Emicida e Mano Brown, Mandela, Pelé, Zumbi, Marielle Franco, Luiz Gama e Martin Luther King, entre outras referências negras, para exaltar a ancestralidade e também o futuro.
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“Trabalhadoras e trabalhadores do Brasil, vocês existem e são valiosos para nós. Mulheres do Brasil, vocês existem e são valiosas para nós.
Homens e mulheres pretos e pretas do Brasil, vocês existem e são valiosos para nós”, disse (assista ao discurso).
Em abril do ano passado, o ministro foi provocado durante audiência em uma comissão no Senado. O senador Eduardo Girão (Novo-CE) tentou entregar a ele um boneco representando um feto, acusando o governo de apoiar o aborto. “Em nome da minha filha que vai nascer, eu me recuso a receber isso. Eu não vou receber. Em nome da minha filha, não vou receber! Isso é um escárnio! Não vou receber”, completou, indignado. Os demais senadores presentes na audiência aplaudiram o ministro de pé pela atitude.
Com as denúncias dessa quinta-feira, porém, Silvio Almeida passou a ter sua permanência no cargo incerta. O presidente Lula pretende se reunir com ele e Anielle Franco, em separado, ainda nesta sexta-feira. A tendência é que ele seja exonerado. Em documento enviado ao Congresso em Foco, a Coalizão Negra por Direitos, que congrega centenas de entidades integradas ao movimento por igualdade racial no país, se solidarizou com Anielle e as “demais mulheres vítimas de violências de gênero”, sem citar o nome de Silvio Almeida.
PublicidadeDa universidade ao ministério
Nascido em 17 de agosto de 1976, em São Paulo capital, Silvio Luiz de Almeida é filho do casal Lourival e Verônica. O pai do ministro atuou como goleiro do Corinthians. Conhecido como Barbosinha, Lourival defendeu o alvinegro entre 1967 e 1968. Silvio Almeida é casado há 15 anos com a modista Ednéia Carvalho. Com o tempo de namoro, o casal está junto há 18 anos. No último ano, nasceu a primeira filha de Silvio e Ednéia.
Silvio formou-se em direito pelo Mackenzie em 1999. Um ano após a conclusão, o paulista começou a atuar como advogado. Em 2005, trocou a advocacia pelo magistério, tornou-se professor universitário na Universidade São Judas Tadeu, onde continuou a lecionar até 2019. Atualmente o ministro leciona nas cadeiras de direito político e direito econômico na Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Autoridade acadêmica na defesa dos direitos humanos e no combate ao preconceito racial, Silvio Almeida também foi professor visitante em instituições universitárias dos Estados Unidos, como a Universidade Duke e a Universidade de Columbia. A atuação em defesa dos direitos humanos, sobretudo em relação ao racismo no Brasil, também levou o professor a assinar uma coluna no jornal Folha de S.Paulo.
O reconhecimento ao seu trabalho ganhou novo capítulo em 2018, com a publicação do livro Racismo Estrutural (Jandaíra), obra que é considerada um dos mais importantes estudos sobre os impactos do racismo na estrutura social, política e econômica do Brasil. O conceito, desenvolvido no livro Black Power, de Kwame Turu e Charles Hamilton, ainda nos anos 1970, mostra como, mais do que a ação de indivíduos com motivações pessoais, o racismo está infiltrado nas instituições e na cultura. No livro, Silvio apresenta dados estatísticos e discute como o racismo está na estrutura social, política e econômica do país. Ele aponta a sociedade como uma “máquina produtora de desigualdade racial”.
Assédio moral
O portal UOL, parceiro do Congresso em Foco, foi o primeiro veículo a associar Silvio a denúncias de assédio. Segundo reportagem de Mateus Araújo, publicada na noite de quarta-feira (4), “o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, comandado por Silvio Almeida, tem sido alvo de denúncias de assédio moral e pedidos de demissão em série desde o início da gestão, em janeiro de 2023”. O repórter relatou que as acusações deram origem, até janeiro deste ano, a dez procedimentos internos para apurar casos de assédio moral. Sete, já arquivados por “ausência de materialidade” e “três ainda estavam em aberto até julho deste ano” (aqui, a matéria completa para assinantes).
De acordo com o colunista Matheus Leitão, de Veja, estudantes da Universidade São Judas Tadeu, em São Paulo, ouviram relatos de colegas mulheres assediadas sexualmente pelo ministro dos Direitos Humanos, ao menos entre os anos de 2007 e 2012, segundo apurou a coluna. “Os relatos são de tentativa de troca de favores sexuais para que a avaliação das provas fosse alterada para melhor, incluindo alunas que corriam o risco de reprovação nas matérias ensinadas por ele”, escreveu o jornalista.
Em nota, a defesa do ministro declarou que tomará as “medidas necessárias para fortalecer os dispositivos de proteção e acolhimento às mulheres, em especial, vítimas de violência”.
“A transparência acerca dos critérios de averiguação de fatos ensejadores de denúncias de violência contra a mulher representa espectro inarredável da sua esfera de proteção e carecem de diretrizes orientadas por perspectivas de gênero, evitando-se interferências de ordem a promover agendas que não colocam a mulher na posição central. O ministro Silvio Almeida não realizará qualquer ação de silenciamento e invisibilização de vítimas de violência, tampouco, irá se desincumbir dos compromissos assumidos por toda a vida, de defesa irrestrita aos Direitos Humanos. O sistema de justiça não pode atuar à margem de ações protetivas e deve ser instado a proteger de maneira interseccional vítimas de violência e opressão. A convocação do agir institucional regulado, sério e isento não poder ser visto como construto de opressão”, diz o comunicado da defesa, assinado pelos advogados João Paulo Boaventura e Thiago Turbay.
Ditadura
Como ministro, Silvio Almeida se destacou pela atuação nas questões envolvendo a ditadura militar (1964-1985). Em janeiro de 2023, no primeiro mês na função, ele excluiu militares da Comissão de Anistia que haviam sido nomeados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.
Na ocasião, o ministro defendeu a nomeação de integrantes com “experiência técnica, em especial no tratamento do tema da reparação integral, memória e verdade”. Um dos militares afastados por Silvio Almeida era Rocha Paiva, amigo do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, primeiro militar brasileiro condenado pela Justiça por tortura.
A comissão foi criada em 2002 pelo governo FHC a fim de analisar pedidos de reparação de perseguidos políticos pelo Estado. Com o governo Bolsonaro, o conceito de reparação integral foi desvirtuado e a esmagadora maioria dos pedidos (95%) foram negados.
Outra pauta muitas vezes levantada pelo ministro era a recriação da Comissão sobre Mortos e Desaparecidos. Criada também durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, em 1995, o colegiado responsável pela apuração dos crimes na ditadura foi extinto em 2022 por Bolsonaro.
Após dois anos de pressão pela recriação, em 4 de julho de 2024, o governo restabeleceu a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos. A lista de integrantes que compunham o grupo também mudou com o anúncio.