O projeto de lei orçamentária (PLOA) para 2023, encaminhado ao Congresso Nacional em 31 de agosto de 2022, considerou uma projeção de inflação da ordem de 7,41%, até o final do ano de 2022, pelo INPC, e de 7,2% pelo IPCA, e um reajuste de 7,43% para o valor do salário mínimo.
Segundo a legislação em vigor, os benefícios previdenciários são reajustados com base na variação do INPC do ano anterior, ou seja, seriam impactados pelo reajuste previsto (7,41%); já o reajuste do salário-mínimo depende do que vier a ser fixado em lei, mas, desde 2020, em vista do fim da política de ganhos reais com base na variação do PIB do segundo ano anterior ao reajuste, tem sido aplicado, apenas, a partir de janeiro, o INPC sobre o valor fixado no ano anterior.
Assim, mantida a previsão de reajuste contida no PLOA, o salário mínimo passaria de R$ 1.212 para R$ 1.302, a partir de janeiro de 2023.
Ocorre que, desde então, as estimativas de inflação para o ano sofreram o impacto de medidas adotadas para conter o avanço da inflação, notadamente a redução do preço dos combustíveis, embora a solução heterodoxa adotada não seja sustentável a longo prazo.
Leia também
Assim, houve deflação nos meses de agosto, setembro e outubro, e a expectativa do mercado, apontada pelo Boletim Focus, do Banco Central, sofreu forte redução e se acha, atualmente, em de 5,61%,
Caso a inflação deste ano, medida pelo INPC, seja desse percentual, o valor do mínimo seria de R$ 1.280,00 a partir de janeiro, e, para chegar-se ao valor inicialmente estimado, seria necessário um reajuste adicional, a título de ganho real, de 1,72%.
A variação do PIB, em 2021, foi de 4,6%. Assim, caso resgatada a regra que vigorou até 2020, se aplicado esse percentual, a título de aumento real, além da correção inflacionária segundo a estimativa do mercado para 2022, o salário-mínimo passaria para R$ 1.361,95 em janeiro de 2023.
Esse valor, porém, é superior ao estimado no PLOA e exigiria suplementação orçamentária, a um custo bastante elevado, num contexto em que já será difícil acomodar as despesas decorrentes de compromissos como a manutenção do Auxílio Brasil em R$ 600,00 em 2023, reajustes para servidores públicos e outros.
A notícia veiculada em no último dia 2 de que o governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pretende “garantir reajuste real de 1,3% a 1,4% para o salário mínimo”, entre outras medidas, como aumento dos recursos para o Programa Farmácia, para o Auxílio-Brasil e para a educação, não tem, portanto, a necessária veracidade, no que se refere ao salário-mínimo.
E isso porque as dotações destinadas no PLOA 2023 a despesas que dependem do valor do salário mínimo já levaram em consideração um valor maior do que o que resultaria da aplicação do INPC mais o percentual de 1,3% ou 1,4%. Na verdade, a dotação orçamentária comportaria um ganho real de 1,72%. Apenas para conceder reajuste maior do que esse percentual, a título de ganho real, seria necessária alteração no PLOA 2023, em relação a despesas com previdência, assistência social e seguro-desemprego.
A edição de uma medida provisória, prevendo o reajuste para o ano de 2023, com base na variação do PIB, é uma solução possível, mas desde que haja dotação orçamentária para tanto. E, para assegurar a variação do PIB de 2020 (4,6%), não há.
Para que essa nova regra seja adotada a partir de 2024, porém, o Executivo a ser empossado em 1º de janeiro terá tempo hábil à provação de nova lei e inclusão no PLOA 2024 da dotação orçamentária necessária e suficiente.
Contudo, um outro aspecto se destaca: o teto de despesas primárias, fixado pela EC 95/2016. O teto para 2023 foi estimado no PLOA em R$ 1,8 trilhão, após reajuste do valor para 2022 baseado em estimativa de IPCA de 7,20%. A EC 109/2021, fixou, ainda, o sublimite para despesas obrigatórias, de 95% da despesa primária total. O sublimite foi respeitado no PLOA 2023, prevendo despesas obrigatórias equivalentes a 92,7% do teto, e, apenas no Poder Executivo, 93,1% do respectivo teto.
Contudo, caso a inflação se situe no novo patamar previsto pelo mercado (5,61%), haverá um “descasamento” entre as despesas e o teto, o que pode acabar por acionar os “gatilhos” que levam ao congelamento da despesa em 2023, o que seria superável, apenas, por meio de nova emenda à Constituição.
Na proposta orçamentária, as despesas com benefícios do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), foram estimadas em R$ 862,3 bilhões e as receitas em R$ 595,1 bilhões. Já há uma previsão de “déficit” de R$ 264,9 bilhões, considerando como premissas um crescimento vegetativo de 1,96%, reajuste de salário-mínimo de 7,43%, crescimento da massa salarial de 10,3% e estimativa do INPC para 2022 de 7,41%. Caso alcançada a inflação prevista pelo mercado, inferior à usada nas estimativas, haveria uma redução do déficit previdenciário em 2023, especialmente em vista do fato de que do total de 37,22 milhões de benefícios previdenciários e de prestação continuada da assistência social pagos pelo INSS a cada mês, 67% (que correspondem a 46,5% da despesa) são vinculados ao salário mínimo.
A “folga fiscal” resultante da redução da inflação de 2022 seria superior a R$ 15 bilhões, em 2023, e poderia, portanto, ser empregada, sem necessidade de alteração ao PLOA, para a concessão de aumento real ao salário-mínimo, ou remanejada para outras finalidades.
Todavia, a despesa como Auxílio Brasil tem outra dimensão: a proposta orçamentária prevê recursos, apenas, para o pagamento do benefício no valor mínimo de R$ 400, e a manutenção do atual valor de R$ 600 exigirá acréscimo de R$ 52 bilhões, com potencial elevado de risco de “ruptura” do teto de gastos. Acomodar essa despesa, portanto, é parte da difícil equação financeira para o ano de 2023.
Trata-se, como se vê, de questão complexa, desafiadora e sensível, mas não insolúvel.
Contudo, para que se possa analisar o que foi anunciado de forma realista, é mister informar que um reajuste a título de ganho real, para o salário-mínimo, de 1,3% ou 1,4%, acima do INPC, resultaria em valor inferior ao que foi considerado quando do envio do PLOA 2023 ao Congresso.
Apenas no caso de inflação voltar a crescer, em novembro e dezembro de 2022, aproximando a inflação acumulada no ano do percentual estimado, é que o “ganho real” apontado se tornaria um problema fiscal, a demandar a criação de um espaço fiscal adicional também para essa finalidade.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para redacao@congressoemfoco.com.br.