Chico Anysio não chamava de talk show. Mas, desde a década de 1960, durante anos era o que ele fazia, lotando teatros em espetáculos memoráveis onde, sozinho, contava piadas para as plateias às gargalhadas.
Em um desses espetáculos, Chico Anysio contava a história de um time que aluga um ônibus caindo aos pedaços para disputar um campeonato de várzea. Na primeira subida na estrada, o motorista para e grita: “Desce todo mundo para empurrar o ônibus!” Na descida, ele para de novo e grita: “Desce todo mundo para escorar o ônibus!” E assim vão indo até que o capitão do time comenta: “Tá tudo muito bem. Mas precisava ter trazido o ônibus?”
Veja o comentário em vídeo:
Desde o início da montagem do governo, não faltam questionamentos ao arranjo que deu ao União Brasil três ministérios. O União Brasil não deu apoio a Lula no primeiro turno. Nem mesmo deu apoio no segundo turno. Pelo contrário, em alguns estados deu apoio decisivo para derrotar candidatos da preferência de Lula. Caso, por exemplo, do Distrito Federal onde aliou-se à reeleição de Ibaneis Rocha e à eleição de Damares Alves, do Republicanos para o Senado. Não fez parte nem daquele Conselho de Coalizão que Lula criou após no início do governo.
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O partido presidido por Luciano Bivar não faz, portanto, formalmente parte da base do governo. Não deu a Lula garantia de votos. Ao contrário, declara-se independente. Boa parte da sua bancada assina o pedido de CPI Mista para investigar os atos golpistas, CPI que o governo não deseja. Há notórios oposicionistas filiados ao partido, como o senador Sergio Moro (PR).
Mas, a despeito de tudo isso, no arranjo governamental ganhou três ministérios. E só o que entregou de volta ao governo foram rolos constrangedores. A ministra do Turismo, Daniela Carneiro, foi acusada de proximidade com milícias do Rio de Janeiro. O ministro do Desenvolvimento Regional, Valdez Góes, nem filiado ao União Brasil é, entrando na cota do senador Davi Alcolumbre, do mesmo Amapá que ele. E, nesta segunda-feira (6), Lula terá uma reunião incômoda com o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, pra que ele explique as diversas denúncias contra ele: usou dinheiro do orçamento secreto para pavimentar uma estrada que passa na porta da sua fazenda; omitiu da Justiça Eleitoral a posse de cavalos de raça, e usou um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para ir a um leilão de cavalos. Lula afirmou na semana passada que se Juscelino não der explicações convincentes poderá ser demitido.
Se Juscelino Filho dará explicações convincentes, se Lula as aceitará ou não, se vai ou não demiti-lo, vamos ver ainda nesta segunda-feira. Mas, diante de tudo isso, cabe fazer a mesma pergunta do capitão do time de várzea de Chico Anysio com relação ao ônibus encrencado: precisava trazer o União Brasil?
Porque, qualquer que seja o desfecho dessa história, o saldo será a essa altura complicado para Lula. Depois da entrevista em que o presidente disse que Juscelino teria que dar explicações convincentes para permanecer no cargo, o União Brasil cerrou fileiras na sua defesa.
Assim, se Lula não tinha com os três ministros a garantia dos votos do União Brasil, se demitir Juscelino Filho poderá ter acabado de pavimentar o caminho para não vir mesmo a ter em momento algum esses votos. Se, pelo contrário, Lula mantiver Juscelino Filho, terá ficado refém do partido sem do mesmo jeito ter a garantia dos votos. E o taxímetro do União Brasil passará a rodar na bandeira 2.
Claro, ninguém é ingênuo de desconhecer como acontece no Brasil o chamado presidencialismo de coalizão. Vencedor de uma eleição disputadíssima, Lula precisava de fato fazer uma composição ampla para governar. Mas terá ele acertado essa equação no caso do União Brasil. E, caso tenha errado, há como corrigir? Essa é a questão…