É um bocado clichê, mas verdadeiro: o Congresso é a caixa de ressonância da sociedade. Políticos precisam ser capazes de sentir o pulso do país, os ânimos e humores dos seus cidadãos, até por uma questão de sobrevivência. Há até uma parcela que se aferra de maneira mais forte às suas convicções ideológicas, à esquerda e à direita. Mas, na sua maioria, o Congresso brasileiro é pragmático como o afetuoso abraço da deputada Flávia Arruda (ex-PL, atualmente sem partido, do Distrito Federal) no presidente Luiz Inácio Lula da Silva no dia da sua posse. Prático como o sorridente sussurro da ex-ministra de Jair Bolsonaro no ouvido de Lula: “Tamu junto”. O rei morreu, viva o rei, como diziam os franceses.
Pouquíssimas pessoas no país conhecem tão bem o Congresso Nacional como Antônio Augusto de Queiroz, o Toninho. Com a experiência de quem observa de perto deputados e senadores há 40 anos, Toninho aposta, na entrevista a Edson Sardinha e Tiago Rodrigues a este Congresso em Foco, que o Congresso deverá emprestar a Lula o apoio de que ele necessita, apesar de ser um dos mais conservadores de todos os tempos. Conservador, mas pragmático, como Flávia Arruda.
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Toninho aposta que Lula vai puxar esse Congresso da direita para o centro. A verdade é que, da mesma forma, Lula provavelmente irá puxar a esquerda também para o centro. Ainda que o PT tenha um perfil mais à esquerda, e muitas das suas alas possam vir a pressionar o governo nesse sentido, Lula parece ter consciência de que foi eleito a partir de uma composição mais ampla. E que, na apertada eleição que venceu, essa ampliação terá sido fundamental para a sua vitória sobre Bolsonaro.
Assim, Toninho acha exagerados os receios do mercado financeiro, que resolveu desocupar a cama já na lua de mel e pressiona diariamente o governo com quedas na Bolsa e alta do dólar. Ainda que seja claro que o governo tem muita urgência na reconstrução do país e na retomada de um ambiente de maior justiça social – como falamos por aqui na terça-feira (3) – não há nenhuma indicação justa de fato de que irá fazer essa condução de forma irresponsável.
Como bem lembra Toninho, em uma das poucas mudanças que irão ficar da tortuosa era Bolsonaro, o Banco Central adquiriu independência. Hoje, o presidente do Banco Central tem mandato. E Roberto Campos Neto tem mandato até dezembro de 2024. Conservador na economia, como o avô Roberto Campos, ele irá dali imprimir um outro tom. E o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, terá que se entender com ele.
E terá que se entender também com seus companheiros na área econômica. Que, embora políticos como ele, orbitam num campo bem mais conservador. O vice-presidente Geraldo Alckmin tomou posse nesta manhã no Ministério da Indústria e Comércio. E Simone Tebet assume na quinta-feira (5) a pasta do Planejamento.
Por outro lado, é claro que a grande amplitude de forças que compõem o novo governo exercerá pressões. E Lula terá de ter muita habilidade para contornar esses embates em um governo cuja composição vai do Psol ao União Brasil. Pressões que poderão se acentuar pelo fato de que a sucessão de Lula, que não deverá disputar a reeleição, é um livro em branco e aberto e que talvez não venha a ser escrito pelo PT, que não tem um sucessor claro à altura do septuagenário atual presidente. Mas talvez haja pouca gente com perfil mais negociador que o de Lula para administrar esse imbróglio.
Enfim, diante de tudo isso, fica a pergunta: por que te preocupas tanto, ó mercado?