Nessa quinta-feira (31) o presidente Lula apresentou aos governadores a primeira versão da PEC da Segurança Pública, iniciativa do governo federal para constitucionalizar o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP): item prioritário na agenda do ministro Ricardo Lewandowski desde que assumiu a pasta da Justiça. A diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo, alerta que, apesar de a iniciativa representar um avanço legislativo para a segurança pública, ela pode acabar abrindo margem para o governo evitar discussões mais importantes no tema.
A PEC da Segurança Pública é uma das principais iniciativas do atual governo no enfrentamento ao crime organizado. Além de puxar o SUSP para o texto constitucional, ela estabelece a criação de uma Polícia Penitenciária Federal, renova as competências da Polícia Federal e transforma a Polícia Rodoviária Federal em uma polícia ostensiva federal, recebendo competências parecidas com as das polícias militares, mas atuando em nível nacional.
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Carolina Ricardo, que também faz parte do Quadro Consultivo em Assuntos de Desarmamento da Organização das Nações Unidas (ONU), avalia que há de fato a necessidade de aprimoramento legislativo para tratar de competências do governo federal em matéria de segurança pública, mas que a PEC ainda precisa evoluir para conseguir suprir essa demanda. “É uma PEC genérica, mas ela traz pontos interessantes”, ponderou.
A sua preocupação é de que a proposta se transforme em uma cortina de fumaça para o governo conseguir demonstrar publicamente o interesse na agenda de segurança pública sem entrar em embates polêmicos necessários para o controle da criminalidade.
“Até hoje não tivemos nenhuma política muito concreta. A política de controle de armas não avançou. Tivemos uma política de financiamento via Fundo Nacional de Segurança Pública, mas sem grandes inovações, inclusive mais recentemente, mais focada na questão dos equipamentos. Acho que há muito ainda que ser feito nesse modelo constitucional atual”, explicou.
Cenário adverso
PublicidadeAlém da questão comunicacional envolvendo a PEC, a diretora do Sou da Paz teme que a discussão consuma a capacidade de articulação do governo na agenda de segurança pública em temas que não necessitam de mudanças constitucionais, como a criação de grupos integrados de combate ao crime organizado ou o fortalecimento de centros integrados de comando e controle.
“A minha preocupação é que a gente gaste muito tempo discutindo uma PEC que vem com pouca viabilidade política do ponto de vista do Congresso e que precisa ainda de uma costura com governadores e com as polícias”, reforçou.
A proposta foi apresentada nessa quinta-feira (31) pelo presidente Lula aos governadores. De acordo com o texto da PEC, a PRF passará a ser chamada de Polícia Ostensiva Federal, com a missão de patrulhar rodovias, ferrovias e hidrovias federais. Essa nova força policial terá autorização para proteger bens, serviços e instalações federais, além de oferecer apoio emergencial e temporário às forças de segurança estaduais ou distritais, conforme solicitação dos governadores.
A Polícia Federal, por sua vez, ficará responsável por investigar infrações penais que comprometam a ordem política e social ou que envolvam bens, serviços e interesses da União, incluindo áreas de preservação e conservação. Além disso, a PF lidará com crimes de repercussão interestadual ou internacional que exijam uma repressão uniforme, como aqueles cometidos por organizações criminosas e milícias. Lewandowski aponta que as mudanças na PF e na atual PRF refletem uma situação que já ocorre “na prática”.
A PEC também determina que o Fundo Nacional de Segurança Pública e Política Penitenciária não pode ser contingenciado, tendo como objetivo “garantir recursos para apoiar projetos, atividades e ações que estejam em conformidade com a política nacional de segurança pública e defesa social.”
Oposição à proposta
As mudanças enfrentam resistência de governadores oposicionistas. Romeu Zema (Novo-MG), Ratinho Junior (PSD-PR) e Jorginho Melo (PL-SC) declinaram do convite para participar do encontro com o presidente. Outros oposicionistas, como Ronaldo Caiado (União Brasil-GO), Cláudio Castro (PL-RJ) e Tarcisio de Freitas (Republicanos-MG), fizeram críticas à PEC.
Em determinado momento do encontro, Caiado disse que teme uma eventual perda de prerrogativas das forças de segurança estaduais. “Inadmissível qualquer invasão nas posições que os estados têm em termos de poder da sua polícia civil, militar e penal, que realmente são as estruturas que sustentam a segurança nesse país, com total parceria com a PF e a PRF”, afirmou o governador de Goiás.
O presidente Lula reagiu com ironia à fala do governador goiano. “O dado concreto é que é uma situação muito complicada no Brasil inteiro. Eu tive a oportunidade de conhecer hoje o único estado que não tem problema de segurança, que é o estado de Goiás. Que eu peço pro Lewamdowski [ministro da Justiça] ir lá levantar, que pode ser referência para os outros governadores. Em vez de eu ter chamado, era o Caiado que tinha que ter chamado a reunião para orientar como é que se comporta, para gente acabar com o problema da segurança em cada estado”, afirmou o presidente.