Por mais confortável que seja se comparado a um jato comercial normal, os pouco mais de 33 metros de comprimento do Airbus VC-1A, a aeronave da Presidência da Reública, ainda formam um ambiente de total confinamento, pressurizado e hermeticamente fechado, do qual ninguém pode sair. Afinal, trata-se ainda de um avião. Na avaliação do presidente Lula, as cerca de 35 horas de viagem que separam o Brasil da China nesse espaço confinado podem ser o ambiente ideal para fazer com que desafetos da política se entendam.
Lula levará consigo no avião presidencial na próxima terça-feira (11) 39 parlamentares. Dividirão o espaço os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que têm andado às turras nas últimas semanas por não se entenderem sobre o rito de tramitação das medidas provisórias. Rodrigo Pacheco quer a retomada do rito tradicional previsto na Constituição, no qual é formada uma comissão mista de deputados e senadores para analisar previamente a MP. Lira insiste na manutenção do rito adotado durante a pandemia de covid-19, quando a MP era primeiro analisada na Câmara e depois encaminhada ao Senado. A falta de entendimento sobre o tema gerou uma crise institucional, que paralisou o Congresso e gera dificuldades para o andamento das pautas do governo.
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Ainda estará dentro do mesmo avião o senador Renan Calheiros (MDB-AL), adversário declarado de Lira. E nomes dos partidos tradicionais de esquerda, que apoiaram a eleição de Lula, como os líderes do governo no Senado e no Congresso, Jaques Wagner (PT-BA) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP), dividirão o voo com oposicionistas que apoiaram a tentativa de reeleição do ex-presidente Jair Bolsonaro, como o deputado Cléber Verde (Republicanos-MA).
Serão 35 horas de promoção da paz interna, para criar as condições necessárias para que o Congresso avance nas pautas de interesse do governo, especialmente a aprovação do arcabouço fiscal proposto pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e a reforma tributária.
PublicidadeAinda não houve teste
Durante o café da manhã que teve com jornalistas na quinta-feira (6), Lula admitiu que o atual Congresso Nacional ainda não foi testado quanto ao tamanho da sua simpatia ao não com relação ao novo governo. Até agora, Lula avalia, não há ainda dificuldades objetivas na relação entre o governo e o Legislativo.
“Ainda não vi muita dificuldade na relação com o Congresso Nacional”, afirmou. Lembrou, então, que antes mesmo de tomar posse, já conseguira fazer aprovar no Congresso a PEC que flexibilizou o teto de gastos, dando autorização ao governo para gastar R$ 145 bilhões além do teto. “Temos um presidente do Senado que foi eleito com o apoio da bancada do PT. Um presidente da Câmara eleito com o apoio da bancada do PT”, emendou, referindo-se a Pacheco e Lira.
Lula admitiu, porém, que os dois presidentes eleitos “com o apoio da bancada do PT” resolveram entrar em uma disputa de poder. Segundo Lula, uma “divergência para ver quem pode mais e quem pode menos”.
O presidente, no entanto, acredita que as condições para o entendimento começaram a ser postas. E que o tempo de confinamento no avião, tanto na ida quanto na volta, ajudará a promover conversas que afinem o entendimento. “Tenho certeza que eles vão se entender”, afirmou.
“Vamos esperar o primeiro teste”, afirmou. “Tenho certeza de que será aprovada a reforma tributária e o arcabouço fiscal”, disse ele. “Não tem nenhum projeto que seja do meu interesse pessoal. Os projetos são de interesse do país”.
O tamanho e a diversidade da comitiva que vai com Lula à China relacionam-se a essa busca de entendimento, relacionada à complexidade de montagem de uma base com a diversidade de partidos e posicionamentos que existe no Brasil. “É muito difícil se pensar em um sistema de coalizão política com quantidade de partidos que existe no país”, constatou o presidente.
Paz externa
Se Lula pensa na viagem à China como oportunidade de promover a paz interna entre Executivo e Legislativo, suas ambições são igualmente grandes no plano internacional. Com o presidente da China, Xi-Jinping, Lula pretende prosseguir nos seus esforços para promover um espaço no qual outros países possam discutir o fim da guerra entre a Rússia e a Ucrânia e um ambiente de maior paz no planeta.
“Vou falar com Xi-Jinping sobre paz como falei com Joe Biden”, disse Lula. Desde que tomou posse, Lula levou a Biden, presidente dos Estados Unidos, e a outros líderes mundiais a proposta de criação de um grupo de países, que não estão diretamente ligados ao conflito, para que possam mediar uma saída para o fim da guerra.
“Não há justificativa para essa guerra continuar”, considera Lula. Para Lula, a situação que levou à guerra envolve erros de todas as partes. “O Brasil defende a integridade territorial de qualquer nação. Por isso, não aceitamos a invasão da Ucrânia”, afirmou. Por outro lado, pressões da Europa e dos Estados Unidos para que a Ucrânia entrasse na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) pesaram também para que a guerra acontecesse. Na conversa com os jornalistas, Lula chegou a fazer uma proposta polêmica. Sugeriu que a Ucrânia cedesse à Rússia a região da Crimeia, que já estavam ocupados antes do início da guerra, e cedesse as regiões que conquistou depois. A Ucrânia, porém, já respondeu que não aceita ceder a Crimeia e que lutará para recuperá-la.
Lula imagina que Xi-Jinping, com o peso que tem a China, possa ajudar a mediar um acordo de paz, com a ajuda de outros países, incluindo o Brasil. “A China tem peso, o Basil tem peso. Eu acho que a Indonésia pode participar, a Índia pode participar. Vamos lá conversar com o Putin, vamos conversar com o [presidente da Ucrânia] Zelensky, vamos conversar com o [presidente dos Estados Unidos] Biden. Vamos tentar ver se encontramos um grupo de pessoas que não se conforme com a guerra. Não é necessário ter guerra”.
Para Lula, dificilmente uma solução de paz sairia dos dois países que iniciaram a guerra. Daí a ideia de formação de um grupo de outros países. “A paz é mais complicada que a guerra”, disse Lula. Ele comparou com a deflagração de uma greve. Muitas vezes, no calor de uma assembleia, pressionado pela audiência, um líder sindical decreta uma greve. “É mais fácil decretar do que depois parar”.
Lula e sua comitiva embarcam para a China na terça-feira (11). O encontro com Xi-Jinping está previsto para a sexta-feira (14). A comitiva embarca de volta para o Brasil no sábado (15). As próximas viagens internacionais de Lula serão a Portugal e Espanha, já na semana seguinte. O presidente deverá embarcar para Portugal no dia 22 de abril e ficar na Europa até o dia 25.