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A ideia em um segundo
A aproximação do presidente da República ao Centrão demonstra o fim das promessas da nova política. É a pá de cal nas promessas de extinção do toma lá dá cá. Que tudo isso seria falso já era sabido há mais de ano, mas no Farol agora tratamos dos efeitos de imagem que isso traz para os atores políticos envolvidos.
A aproximação explícita e definitiva do presidente Jair Bolsonaro ao Centrão com a indicação do senador Ciro Nogueira (PP-PI) para a Casa Civil da Presidência da República foi tratada como a pá de cal nas promessas do fim do toma lá dá cá e no afastamento da velha política.Leia também
A imprensa entra em polvorosa dissecando práticas passadas dos atores envolvidos e as consequências em termos das trajetórias dos participantes, enquadrando os fatos em termos absolutos e que se pretendem totalmente arrasadores. Contudo, os impactos reais dessas ações tomadas pelo presidente e aliados diferem muito em relação ao público atingido pelas mensagens e ao momento em que estas são mobilizadas.
Para senadores e deputados, os impactos negativos são praticamente irrelevantes, dada a baixa densidade cívica dos eleitores brasileiros. Algum efeito negativo ocorre em relação ao presidente da República, em especial se ele concorre à reeleição.
A fragilidade da cultura política brasileira
O Brasil caracteriza uma situação de baixa responsividade democrática. Mundo afora, as democracias apresentam problemas de qualidade, isto é, respondem a anseios e expectativas dos cidadãos de forma aquém. Contudo, no Brasil, devido à tradição histórica de sociedade hierárquica e sob forte diferenciação econômica, política e social, o abismo entre cidadãos comuns e políticos eleitos é ainda maior. Sem a noção de igualdade e o acesso sempre filtrado às “autoridades”, permeia nossa relação a lógica do favor e da escassez que marca os serviços públicos e as oportunidades de vida.
PublicidadeFundamental entre nós brasileiros que cidadania se confunde com acesso privilegiado às autoridades, ao contrário da visão republicana de que o acesso deve se dar em bases iguais. Um exemplo notório é a explosão de categoriais especiais propostas pelos parlamentares. Diante dos serviços insuficientes de saúde e justiça, por exemplo, abundam propostas de categoriais que devem ser atendidas com prioridade. O que não fica claro para ninguém é que o nível médio de serviços não se eleva, apenas algumas categorias são agraciadas indo para o início da fila, como idosos, grupos em situação de vulnerabilidade, categorias com tal ou qual enfermidade etc. Ao contrário de se lutar pelo avanço geral da igualdade, o brasileiro se alegra e festeja a diferenciação, mesmo que seja a diferenciação na escassez.
Em resumo, a mensagem republicana que os valores da igualdade e da lisura da coisa pública estão sendo atacadas não arranha para além da superfície da cidadania.
Eleitor ambíguo
Este eleitor que vai criando uma repulsa à política em geral não associa as ações públicas aos seus praticantes.
Apesar do toma lá dá cá, o eleitor se impressiona realmente com o acesso que o político local tem aos centros de poder e aos benefícios que ele consegue trazer para sua realidade imediata. Assim, estabelece-se a ambiguidade do “eu não gosto de política, mas recompenso o político local” sejam quais forem os meios pelos quais eles trazem benefícios para as comunidades agraciadas. Não importam as perdas coletivas enfrentadas pelos segmentos mais amplos da população, pois os ganhos específicos se impõem.
Vejamos por exemplo o “tratoraço”. O governo central distribuiu bilhões de reais em máquinas e equipamentos agrícolas e de terraplanagem sem transparência e de forma altamente seletiva. De um lado, a sociedade brasileira como um todo não teve acesso aos critérios para a distribuição de recursos, não pôde minimamente aplicar parâmetros democráticos em que a população é capaz de julgar o que é feito com seu dinheiro, e ainda se pagou mais caro, superfaturadas as compras.
Por outro lado, uma microrrede de interessados nesses ganhos foi alimentada. Ganharam prefeitos, vereadores e as populações atendidas pelos serviços das máquinas e obras distribuídas. Para eles, não importa se houve transparência ou superfaturamento, mas sim se o acesso aos centros de poder lhes pode trazer benefícios palpáveis, mesmo que em prejuízo da população em geral ou de critérios como transparência democrática. Por fim, os políticos intermediários de tais benefícios conquistam ganhos políticos e eleitorais junto à população de suas áreas de apoio.
Aqui, novamente, a mensagem das perdas coletivas não importa, apenas os ganhos particulares para o grupo beneficiário.
A hora das eleições
Se a mensagem do toma lá dá cá é tão pouco relevante para o eleitor, por que a imprensa enfatiza tanto essas ocorrências?
A primeira resposta refere-se a um viés dos próprios órgãos de imprensa. Em geral constituídos por trabalhadores com maior cultura política, sua cobertura tende a espelhar seus próprios valores. Isso não quer dizer necessariamente algo espúrio ou sem sentido, mas sim que se estabelece um diálogo entre o grupo de pessoas da imprensa e a população em geral, numa troca de impressões e ideias.
A segunda resposta importante refere-se à diferença entre presidente da República e parlamentares, os polos distintos do toma lá dá cá. Para deputados e senadores envolvidos nas trocas, como já dissemos, o impacto é aquele que se construiu junto a seus eleitores ao longo do tempo. Um parlamentar que foi forte no toma lá dá cá, em geral, é bem-visto pelos eleitores de sua base, pois conseguiu benefícios (exceção em geral aos partidos que se colocam de forma clara na oposição).
Já para o presidente, o enquadramento do toma lá dá cá em geral é visto como a distribuição de ganhos aos parlamentares em troca de apoios espúrios. Embora difuso ao longo do tempo, na época da eleição fatos são relembrados e o sentimento é reforçado e vocalizado pelos oponentes do presidente que buscam identificá-lo com corrupção. Se até então permanece um sentimento difuso pouco definido entre os eleitores, todo o esforço da mídia e dos demais oponentes à Presidência é colar no presidente a imagem de oportunista, incoerente e corrupto.
O eleitor brasileiro claramente, em média, não tem espírito crítico e atitude para avaliar rotineiramente seus representantes de acordo com valores republicanos. Ao contrário, o brasileiro valoriza o acesso privilegiado aos centros de poder, do jeito que for. A única parte do discurso que importa ao eleitorado, de forma um tanto hipócrita e espúria, é o discurso anti-corrupção acionado na época de eleições.
Termômetro
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Chapa quente
A ida de Ciro Nogueira para a Casa Civil da Presidência amplia o apetite do PP, partido que segue guloso para se ampliar politicamente. Sigla líder do Centrão, o PP já dominava a Câmara a partir do comando do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). Atribui-se a ele ainda o controle da distribuição das emendas RP9, que compõem o que vem se chamando de orçamento secreto. Esse poder no Legislativo amplia-se agora para o Executivo, com Ciro assumindo o que o próprio presidente Jair Bolsonaro chama de “alma” do governo. Se o partido conseguir, como vem tentando, filiar Bolsonaro para a disputa de 2022, sela-se completamente o tamanho da ambição em caso de sucesso na reeleição: o controle dos dois poderes políticos da República.
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Geladeira
A ascensão de Ciro e do PP enfraquece fortemente a divisão original de poder no governo Bolsonaro entre técnicos, militares e ideológicos. Luiz Eduardo Ramos perde para Ciro Nogueira a Casa Civil e sai das mãos da caserna mais um cargo de destaque. O núcleo ideológico praticamente se extingue. Sua única remanescente agora é a ministra da Mulher, Damares Alves. O PP trabalha para que ela se filie ao partido para disputar algum cargo nas eleições de 2022. Quer filiar também o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas. Se conseguir, o partido líder do Centrão abocanha e extingue o núcleo ideológico e ataca o pouco que há do núcleo técnico. Se tudo isso obtiver sucesso, um segundo governo Bolsonaro ganharia uma conformação muito diferente. Bem mais próxima da tradicional da coalizão política brasileira, com o PP no centro do comando.
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O Farol Político é produzido pelos cientistas políticos e economistas André Sathler e Ricardo de João Braga e pelos jornalistas Sylvio Costa e Rudolfo Lago. Edição: Rudolfo Lago. Design: Vinícius Souza.
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