Clique abaixo para ouvir o comentário de Beth Veloso veiculado originalmente no programa “Com a palavra”, apresentado por Elisabel Ferriche e Lincoln Macário na Rádio Câmara:
[sc_embed_player_template1 fileurl=”https://static.congressoemfoco.uol.com.br/2016/10/Beth.mp3″]
Sabe quando você ultrapassa a última fronteira? Quando você invade aquele espaço proibido em que tudo parece não ter mais sentido? Em que o ambiente é frio e a sensação de desemparo é quase insuportável? Imagina aquele instante em que o arco-íris desaparece e o próximo passo é incerto? Como se rompesse o último pilar e você assistisse ao momento em que a casa irá cair?
Eu me senti assim nesta semana.
Na minha sempre conflituosa e cansativa relação com as operadoras de telecomunicações, eu vivi um fato novo e surpreendente, mas não foi nada empolgante. E, agora, não sei bem como aconselhar os nossos usuários de telecomunicações, porque a minha última trincheira de resistência foi destruída. Estou falando do call center da Anatel.
Eu já disse aqui, certa vez, que o call center da Anatel era o porto seguro para clientes insatisfeitos e desamparos. Ligar para a operadora 1331 e depois para o call center e fazer uma reclamação era a melhor forma de resolver problemas do consumidor. Pois eu era obrigada a fazer isso com relativa frequência. Da última vez, a operadora não mandou a conta, eu atrasei o pagamento, a fatura na internet não funcionava, e em dez dias meu 3G e meu telefone foi cortado para receber chamadas. Problemão!
Um mês depois a operadora me cobra por um pacote de roaming que eu não contratei, sendo roaming aquela cobrança adicional para usar o celular fora, especialmente no exterior. O tamanho da conta: R$ 480. Eu liguei para a operadora, contestei. Reforcei na Anatel. E esperei em vão. Quando de volta ao site da Anatel, assim estava: reclamação resolvida!
É mentira, gente! A conta está lá, ninguém me ligou, nada está resolvido e meu telefone vai ser cortado em alguns dias!!!
A Anatel traz, no seu call center, uma ferramenta que as operadoras temem: é o ranking das operadoras mais questionadas. Elas fazem de tudo para não constar no topo de ranking das piores operadoras. Não é bem a preocupação com o consumidor que as move, mas sim com a lista negra. Mas não achei que omitissem os fatos para a própria Anatel. Havia um certo pudor, até onde eu sabia, um temor do call center da agência. Ali, tudo se resolvia.
Não conheço detalhes do sistema, mas dar por encerrada uma reclamação unilateralmente é fraude! Consta lá que a operadora não conseguiu falar com o cliente e que a fatura ainda não tinha sido emitida – embora eu já tivesse recebido um SMS com o valor incorreto e entrado em contato com a operadora. Então, está certo: vamos encerrar o caso com um aperto de mãos virtual que não ocorreu.
No próprio site da Anatel, no sistema Focus-Fale Conosco, você faz a reclamação. Escolho o tipo de reclamação e acredito que, em cinco dias, a operadora vai me ligar, desde que eu tenha o número de protocolo junto à operadora. Ou seja, é um calvário, prepare seu dia para fazer isso.
No site Reclame Aqui estão as queixas sobre algumas das regras do Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Telecomunicações não cumpridas, especialmente no que diz respeito ao atendimento do consumidor, como: retorno de ligação do call center, cancelamento automático de serviços e acesso a resumo dos planos no site das operadoras. Outros serviços das quatro maiores operadoras do país – Claro, Oi, Tim e Vivo –, como habilitação de linha, portabilidade, cancelamento de propaganda via SMS e informação sobre valores de tarifas são regras da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), que tem o dever de fiscalizar as operadoras. Quem não se lembra do impacto havido com a suspensão de venda de novos chips das operadoras Claro, Oi e Tim quatro anos atrás, incluindo dados e voz?
Como tudo pode piorar, denunciamos aqui o risco de que o call center da Anatel seja encerrado, a exemplo do que ocorreu com a Aneel, a Agência Nacional de Energia Elétrica. Apenas por falta de recursos orçamentários, em quadro que nós traçamos aqui, no comentário “Sem moral e sem cafezinho”, que foi ao ar em maio passado.
Em julho último, a Associação de Consumidores Proteste enviou oficio ao Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações; para a Anatel; e à Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), do Ministério da Justiça, cobrando que não seja desativado o call center da Agência. A própria associação coloca à disposição do consumidor o telefone 0800-201-3906, se ligar de telefone fixo.
Entre os critérios de qualidade medidos pela agência, estão os canais de atendimento: meios de comunicação colocados pelas prestadoras à disposição dos consumidores; a relação entre a informação veiculada pelas prestadoras e as características dos serviços efetivamente prestados; e a capacidade de resolução de conflitos, sendo a cobrança indevida o maior deles.
Desde junho, funciona o aplicativo para smartphones e tablets que o usuário poderá usar para fazer reclamações contra as empresas, chamado de “Anatel Consumidor”.
Em geral, o consumidor não tem sentido melhora na qualidade dos serviços. Segundo informações publicadas nos jornais, o custo do call center é de R$ 23 milhões, o que se explica pelo fato de que, a título de exemplo, em 2015, a Anatel realizou 6,7 milhões de atendimentos, sendo que mais de 70% pela central telefônica 1331, sendo o restante pelo sistema Fale Conosco, na internet, sendo que a telefonia móvel foi o serviço mais reclamado (44,72%) e os registros sobre cobrança responderam por 31% das reclamações. Os dados são do Relatório Anual da Anatel de 2015.
Na página anterior ao atendimento, as informações sobre multas aplicadas pela Anatel às operadoras ilustram porque o modelo punitivo não tem dado tanto resultado. Uma tabela demonstra que, de 2000 a 2015, apenas 14% do total de multas aplicadas foram efetivamente pagas. A maior parte delas, 45,9% foram suspensas judicialmente.
Me parece que a aplicação de multas talvez não seja o único caminho para poder assegurar aos consumidores “a melhor experiência”, como afirmam as próprias operadoras na sua relação com os clientes.
Nos meus 20 e poucos anos como usuária intensiva dos serviços de telecomunicações, esses números se traduzem em dor de cabeça. Sinceramente, foram poucos os meses em que não tive complicações com operadoras e não dispendi, no intervalo de um mês, pelo menos a soma equivalente a um dia inteiro da minha vida para tratar de reclamações junto à Anatel. Sempre seguindo a mesma cartilha: ligar para a operadora e nem esperar a negativa, que virá, e então registrar a reclamação no Focus da Anatel, até que a operadora te ligue com a solução para o problema.
Não se esqueça que cobrança indevida deve ser reembolsada em dobro. Esse sistema não remunerou as minhas horas perdidas, mas evitou que entrasse com ação no Juizado de Pequenas Causas. Um trabalho a menos! Espero que esse não seja o primeiro caso.
Mas se você não concorda ou quer comentar, escreva para nós: papodefuturo@camara.leg.br
Coluna produzida originalmente para o programa Papo de Futuro, da Rádio Câmara. Pode haver diferença entre o áudio e o texto.