Um dos objetivos do novo plano industrial brasileiro é “reverter a desindustrialização precoce do país.” (Brasil, 2024)
Isso ocorre porque, desde a década de 1990 a economia brasileira e latino-americana não conseguiu retomar o processo de industrialização. Naquela época, seguindo os preceitos neoliberais, fortemente influenciada pelos economistas neoclássicos, que preconizam a liberdade de mercado para atrair investimento estrangeiro e promover o crescimento econômico, fracassou. As medidas adotadas, ao contrário do esperado, não resultaram em aumento de emprego, nem no aumento da produtividade, mas até em certa desindustrialização. (Cimoli et al., 2009)
As novas bases do plano, diferentemente, sinalizam na direção correta, conforme segue:
“A nova política busca melhorar diretamente o cotidiano das pessoas, estimular o desenvolvimento produtivo e tecnológico, ampliar a competitividade da indústria brasileira, nortear o investimento, promover melhores empregos e impulsionar a presença qualificada do país no mercado internacional”. (Brasil, 2024)
O destaque inicial recai sobre a abordagem coletiva da elaboração do plano, que contou com a participação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), composto por 21 entidades representativa da sociedade civil, do setor produtivo e dos trabalhadores. A formulação colaborativa do plano proporcional a identificação conjunta de problemas e a união de esforços para sua colusão, refletindo a visão de comunidade e bem coletivo delineado por por Ostrom (1990). Essa abordagem tem impactos positivos na esfera governamental, na medida que os participantes se sentem corresponsáveis pelas soluções e se envolvem em sua supervisão e contribuem ativamente para sua implementação e fiscalização.
Leia também
A visão predominante entre os economistas é de que uma política industrial eficaz requer a adoção de abordagens horizontais e investimentos abrangentes em área como infraestrutura, educação, treinamento, pesquisa, desenvolvimento e inovação (P&DI), conforme indicado por Guimarães (2016). Embora a diversificação industrial seja um fator crucial, em países em desenvolvimento, investir em setores que já possuem vantagens de mercado, considerando as possibilidades e viabilidades locais, contribui para o crescimento (Lin; Chang, 2009). Enfrentar o desafio de fornecer recursos financeiros para aproveitar oportunidades competitivas é outra faceta importante. Além disso, estabelecer uma governança sólida, acordos de cooperação e retirar incentivos, os quais devem ser temporários, são requisitos adicionais necessários, como destacado por Khan (2013; 2015) e Hausmann, Rodrik e Sabel (2008).
Com o propósito de adotar as políticas mais eficazes, o plano implementou seis missões estratégicas: 1) desenvolver cadeias agroindustriais sustentáveis e digitais para garantir a segurança alimentar, nutricional e energética; 2) fortalecer o complexo econômico industrial da saúde para reduzir as vulnerabilidades do Sistema Único de Saúde (SUS) e ampliar o acesso aos serviços de saúde; 3) promover infraestrutura, saneamento, moradia e mobilidade sustentáveis para a integração produtiva e o bem-estar nas cidades; 4) impulsionar a transformação digital na indústria para aumentar a produtividade; 5) fomentar a bioeconomia, descarbonização e transição para segurança energética, visando garantir recursos para as gerações futuras; e, finalmente, 6) investir em tecnologias essenciais para a soberania e defesa nacionais. Dessa forma, o plano estabelece políticas horizontais que atravessam vários setores, buscando diversificar a atuação, conforme discutido por Guimarães (2016) e Lin; Chang (2009).
No âmbito dessas missões, foram definidas metas, desafios, áreas prioritárias e ações específicas, as quais serão supervisionadas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI). Para financiar essas iniciativas, serão destinados recursos da ordem de 300 bilhões de reais, cuja gestão ficará a cargo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), da Finep e da Embrapii. Esse modelo de gestão financeira reflete as considerações apresentadas por Khan (2013; 2015) e Hausmann, Rodrik e Sabel (2008).
É importante ressaltar que as metas estabelecidas representariam ganhos significativos para a sociedade brasileira, destacando-se: 1) avançar de 18% para 70% dos estabelecimentos de agricultura familiar mecanizados; 2) aumentar de 42% para 70% a participação nacional nas aquisições de medicamentos, vacinas, equipamentos médicos e dispositivos correlatos; 3) reduzir em 20% o tempo de deslocamento das pessoas de casa para o trabalho; 4) elevar de 23,5% para 90% o número de empresas industriais digitalizadas, triplicando a contribuição da produção nacional nos segmentos de novas tecnologias; 5) ampliar de 21,4% para 50% a participação dos biocombustíveis na matriz energética de transportes; 6) alcançar a autonomia na produção de 50% das tecnologias críticas, fortalecendo assim a soberania nacional.
Na implementação de uma política industrial eficaz, a transparência e a avaliação desempenham papéis fundamentais, requerendo o estabelecimento de critérios prévios para o sucesso, o que parece ter sido delineado. A definição de objetivos claros e de longo prazo, aliada a um monitoramento contínuo e avaliação do processo, é crucial, sendo realizada por especialistas diversos. O propósito é realizar ajustes necessários quando as empresas não atingirem o desempenho desejado, conforme destacado por Hausmann et al. (2008). Como ressaltado por Devlin e Moguillansky (2011), a avaliação é um ponto crucial para o êxito de uma política industrial.
Em nossa avaliação, o plano indica o esforço para reverter a desindustrialização e impulsionar uma transformação na indústria do país, mediante a adoção de políticas de inovação, de transformação digital; de sustentabilidade ambiental, de promoção de exportações, de qualidade da força de trabalho e de estímulo à produção local. Nesse aspecto, o papel indutor do Estado, por meio de financiamento com apoio dos bancos públicos, notadamente o BNDES, será crucial para induzir o investimento produtivo, com a participação do setor privado.
Nesse contexto, o papel da CNDI será crucial para o êxito da “Nova Indústria Brasil”, uma vez que sua responsabilidade envolverá o acompanhamento da implementação do plano, a avaliação constante e a correção de seu curso, garantindo assim a eficácia das ações propostas.
* Texto escrito em parceria com Allan Titonelli Nunes, procurador da Fazenda Nacional, mestre em Administração Pública pela FGV e especialista em Direito Tributário. Ex-presidente do Fórum Nacional da Advocacia Pública Federal e do Sinprofaz, membro da Academia Brasileira de Direito Político e Eleitoral (Abradep)
Referências:
Brasil. Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. Nova indústria Brasil – Nova indústria Brasil – forte, transformadora e sustentável: Plano de Ação para a neoindustrialização 2024-2026 / Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI). — Brasília : CNDI, MDIC, 2024. 102 p.
CIMOLI, Mario; et al. Instituições e políticas que moldam o desenvolvimento industrial: uma nota introdutória. In: CIMOLI, Mario; DOSI, Giovanni e STIGLITZ, Joseph (eds). Política Industrial e Desenvolvimento – a economia política da acumulação de capacidades. Oxford, Oxford Jornal universitário, 2009.
DEVLIN, Robert; MOGUILLANSKY, Graciela. Criação Latino-Americana tigres: princípios operacionais para a reabilitação de políticas industriais. Nações Unidas. Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe. Santiago / Washington DC: CEPAL / Banco Mundial, 2011.
GUIMARÃES, Alexandre Queiroz. Evolution and Challenges of the Recent Industrial Policy in Brazil. In: 10 Encontro da ABCP, 2016, Belo Horizonte. Anais do 10 Encontro da ABCP, 2016.
HAUSMANN, Ricardo; RODRIK, Dani; SABEL, Charles. Reconfigurando Política Industrial: um framework com uma aplicação para a África do Sul. Centro de Desenvolvimento Internacional da Universidade de Harvard. Documento de Trabalho nº 168 do CID, 2008.
KHAN, Mushtaq. Políticas Tecnológicas e Aprendizagem com Governança Imperfeita. In: STIGLITZ, Joseph E.; LIN, Justin Yifu (Eds). A política industrial revolução I – o papel do governo além da ideologia. Nova Iorque, Palgrave Macmillan, 2013.
KHAN, Mushtaq. O Papel da Política Industrial: Lições da Ásia. In: BAILEY, David; COWLING, Keith; TOMLINSON, Philip R., (eds.). Novas Perspectivas sobre Política Industrial para uma Grã-Bretanha moderna. Oxford: Oxford University Press, pp. 79-98, 2015.
LIN, Justin; CHANG, Ha-Joon. Deveria a Política Industrial no Desenvolvimento Países se conformam à vantagem comparativa ou a desafiam? – um debate entre Justin Lin e Ha-Joon Chang. Revisão da Política de Desenvolvimento, 27 (5), pp. 483-502, 2009.
OSTROM, E. Governing the Commons: The Evolution of Institutions for Collective Action. 1st edition ed. Cambridge ; New York: Cambridge University Press, 1990.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para redacao@congressoemfoco.com.br.