David Emanuel de Souza Coelho *
O agora eleito presidente da República jamais foi um político relevante, sendo muito mais lembrado por suas declarações truculentas e preconceituosas do que por sua atuação parlamentar.
Bolsonaro jamais teve papel relevante na política nacional porque simplesmente nunca teve nada a contribuir. A política para ele sempre foi um meio de vida, um meio de enriquecimento pessoal e familiar, e não uma forma de transformação social. Contentava-se em simplesmente manter seu mandato ganhando votos do nicho de militares do Rio de Janeiro. Ou seja, era um típico político do baixo clero, representante de interesses ultra setorizados e preocupado apenas em perpetuar-se no poder legislativo.
Não é possível identificar em sua atuação parlamentar de quase três décadas qualquer defesa explícita de alguma bandeira social em específico, ou mesmo de sua ligação com o interesse de alguma classe ou fração de classe. No geral, defendia interesses puramente corporativistas – dos militares, no caso –, pouco ou nada contribuindo com os grandes debates nacionais transcorridos em seu período de vivência no Congresso. Falando honestamente, sua figura era tão nula e insignificante que podia se dar ao luxo de dizer barbaridades e contrassensos sem temor de perder seu cargo, como dá exemplo sua histriônica entrevista à TV Câmara em 1999, no qual defendeu a tortura e o fechamento do Congresso Nacional, disse que sonega “tudo que for possível” e pregou a guerra civil e a morte de “uns 30 mil, começando por FHC”.
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Na verdade, Bolsonaro era o tipo acabado do político representante de si mesmo. Sua base nos militares servia apenas para transferir votos a ele a cada quatro anos. Neste aspecto, ele se filia ao antiquíssimo filão de políticos brasileiros cuja visão da política sempre foi desta enquanto um meio de vida e não uma forma de mediação social.
A grande questão é, certamente, saber como foi possível a ascensão de uma figura tão nula ao comando do Brasil. Mas, tal pergunta não é o tópico a ser tratado neste artigo e sim uma outra questão, de importância também imensa, que é de entender, afinal, quais projetos guiam o presidente Jair Bolsonaro.
O próprio presidente não parece ter muitas ideias próprias. Não apenas o demonstra seu histórico parlamentar, mas também suas entrevistas pré-eleição, onde, ao ser sabatinado sozinho, demonstrou profunda incoerência de pensamento e absoluto vazio de posições a respeito de temas fundamentais da vida brasileira, como economia, educação, saúde, desemprego etc.
O único tema no qual demonstra bom desempenho é quando fala de pautas “morais”. Nesse caso, faz engenhoso uso dos pré-conceitos populares e do ódio ao diferente para se vender. Inteligentemente, viu no medo das mudanças comportamentais um filão de votos, e decidiu usá-lo para catapultar sua carreira, não tendo sido gratuita sua aproximação com os fundamentalistas religiosos.
No entanto, mesmo nesta área seu discurso é pífio, não oferecendo nada mais que denúncias mentirosas, como a do famoso kit gay, um ridículo embuste formado de invencionices grosseiras. O grau de reflexão em torno da temática do gênero, mesmo com uma tonalidade conservadora, é risível, fixando-se apenas em pedestres declarações. Mesmo uma figura deplorável como Marco Feliciano consegue articular um pensamento melhor.
Considerar o conservadorismo moral como sendo a bandeira de Bolsonaro é um profundo erro, pois, na verdade, o presidente não possui bandeiras, não possui ideais, seu objetivo supremo é apenas e tão somente ele mesmo.
No entanto, é um político hábil em farejar caminhos para si próprio e isso explica, em grande medida, seu sucesso.
Os políticos, em geral, costumam articular seus caminhos por estratégias diferentes: podem ser líderes, articuladores ou até mesmo administradores carreiristas. Sempre há, por óbvio, um grau de autopromoção em cada caminho escolhido. No entanto, há uma diferença de usar a autopromoção enquanto momento estratégico do trabalho político e usá-lo enquanto fim em si mesmo, reduzindo toda a atividade política à simples promoção de sua própria pessoa, sem outro trabalho digno de nota.
Ao contrário de ser um político articulador, administrador ou líder, Bolsonaro é apenas e tão somente um marqueteiro de si mesmo, sempre farejando o vento para encontrar o melhor caminho de sua autopromoção, o que o encaixa no último tipo de político descrito no parágrafo anterior.
Essa característica faz com que ele seja uma figura predominantemente performática, pautado sempre na venda de si mesmo enquanto produto político. Por isso, inclusive, seu caminho de crescimento foi o de declarações reacionárias e chocantes, ao contrário do efetuado por outros políticos, os quais crescem através de seus feitos e de articulações de poder político, econômico e social.
As declarações tiveram a função para ele de vitrines onde ele se mostrava, faticamente, ao público como sendo um indivíduo igualmente chocado com as mudanças comportamentais, ou igualmente saudosista de valores pretéritos ou simplesmente entusiasta da violência enquanto meio de solucionar os problemas da sociedade. Com isso, ele conseguia criar um laço emocional com o público, criando uma cumplicidade entre ele e a pessoa que o observava, fazendo-a vê-lo enquanto justo representante de seus próprios medos e ódios.
Não se trata aqui de analisar se Bolsonaro acredita pessoalmente ou não nessas posições expressas por ele. É bem provável que acredite, mas o ponto é entender seu uso por ele enquanto mecanismo político de autopromoção.
Nesse aspecto, não acredito ter o presidente uma relação programática com tais posições, mas sim puramente performática. Ou seja, ele não expressa tais posições como programas discursivamente construídos, mas sim enquanto uma performance a ser vivida por ele a fim de gerar uma conexão com o público, atrair simpatia e, consequentemente, votos.
Na realidade, Bolsonaro não é um político programático, mas performático. Se fôssemos falar de modo filosófico, diríamos que ele é pura aparência e nada essência. Ou, dito de modo popular, ele é oco.
Sua performática mostrou-se importante no período eleitoral quando foi vendido como um outsider, mesmo não o sendo. Sua pretensa indignação com o que “tá aí” teve papel decisivo para criar um vínculo com a população insatisfeita com os rumos do país.
Não há dúvidas de que a facada e seu consequente afastamento de debates e entrevistas autênticas favoreceram o reforço de sua persona no imaginário popular, camuflando de modo decisivo seu vazio programático.
Sua performance o fez ser visto, pela população em geral, como um representante da revolta popular contra o establishment, um homem comum, igualmente indignado com o caos político, econômico e social do país, e chocado com as mudanças comportamentais.
Mais que isso, a capacidade performática de Bolsonaro conseguiu vender como sendo um só fenômeno as mudanças comportamentais e o caos do país, transferindo todo o problema da práxis social para o terreno dos valores morais.
Então, deste modo, a explicação dada por Bolsonaro às complexas questões estruturais do país é que tais problemas são fruto do abandono de valores tradicionais: há desemprego porque as pessoas não buscam mais deus; há corrupção generalizada porque a autoridade familiar não existe mais; o comércio vai mal porque os gays estão controlando o mundo, etc. Por isso, não à toa, seu mote de campanha será o apelo vazio aos valores da religião e do patriotismo.
No entanto, a grande questão é que o presidente eleito consegue apontar o problema, mas não mostra solução para ele.
Ora – alguém poderia questionar – mas ele não mostra serem os problemas do país fruto de uma crise de valores? Não estaria aí um indicativo da solução?
De fato, diria eu, ele aponta uma suposta origem do problema, mas há uma diferença grande entre apontar a origem do problema e oferecer uma solução. E Bolsonaro simplesmente não sabe a solução. Não apenas porque seu diagnóstico é completamente falso – só o idealismo alucinado acredita serem problemas concretos fruto de crises de valores – mas porque sua performática o incapacita de oferecer soluções, pois ela existe apenas e tão somente para promover a pessoa de Bolsonaro.
Diante disso, de onde, de fato, sairão as possíveis soluções? É aqui que entra o conceito de “cavalo de Tróia”.
O ponto é: Bolsonaro não possui programa, mas possui um vazio interior capaz de abrir programas que muito provavelmente jamais conseguiriam chegar ao poder por conta própria, mas que puderam usar de um “atalho” chamado Jair Bolsonaro.
* Bacharel e mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais, onde atualmente cursa o doutorado. É colunista do site Naufrago da Utopia, de Celso Lungaretti.
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>> A faxina eleitoral de 2018, por Percival Puggina
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