O desafio do presidente Lula neste terceiro mandato é repetir, em condições adversas, o que fez nos dois primeiros, nos quais combinou, pela primeira vez no Brasil, crescimento econômico, redução de desigualdades e equilíbrio das contas públicas. A diferença é que a herança deixada por Michel Temer e Jair Bolsonaro é infinitamente pior que a deixada por Fernando Henrique Cardoso, a começar por marcos regulatórios que reduziram ou mesmo retiraram a capacidade do governo de fazer entregas, como as restrições fiscais e o engessamento das estatais para contribuírem com as políticas públicas.
Os governos Temer e Bolsonaro, além das amarras fiscais e das restrições impostas à atuação das empresas estatais, desregulamentaram direitos, desmontaram a máquina pública, e desativaram os mecanismos de fiscalização e controle do Estado – especialmente em questões trabalhista, ambiental e de direitos humanos – e também entregaram a gestão do orçamento aos partidos fisiológicos do Congresso Nacional, que ganharam um poder extraordinário sobre o Poder Executivo.
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Além disto, neste terceiro mandato, o presidente Lula herdou um país dividido e com excesso de demandas em todas as áreas de atuação do Estado, além do Congresso e de setores de mercado viciados pelas concessões feitas pelos governos anteriores, que agradaram a ambos em troca de apoio para concluir seus mandatos.
De um lado, as concessões feitas por aqueles governos aos partidos em troca de apoio no Congresso, como o aumento exagerado dos fundos eleitorais, partidários e das emendas parlamentares, inclusive com o orçamento secreto, e a entrega da gestão do orçamento público aos partidos do Centrão, deram um poder extraordinário a essas forças políticas, majoritariamente formadas por partidos conservadores e controlados pelo mercado, fazendo delas um vetor de resistência à aprovação e implementação da agenda progressista referenda pelas urnas na eleição presidencial de 2022.
De outro, a desregulamentação da economia e das relações de trabalho, combinado com a desativação da fiscalização do Estado em todas as áreas naquele período, deram ao mercado o discurso de que o país precisa de previsibilidade e de segurança jurídica e que, portanto, a revisão de marcos legais, mesmo aqueles completamente absurdos, como o voto de qualidade ao contribuinte no CARF, caracterizaria ausência de incentivo ao investimento ou perseguição ao mercado. É um desafio e tanto.
Para fazer as entregas que prometeu na campanha, o presidente Lula terá que superar muitos obstáculos, sobretudo de natureza política. E, nesse particular, precisa reforçar dois setores: a comunicação e a coordenação de governo, pois na área econômica já conta com uma equipe de qualidade – Fernando Haddad, na Fazenda; Simone Tebet, no Planejamento; e Geraldo Alckmin, no Desenvolvimento, Industria, Comércio e Serviço – e que possui boa aceitação no mercado, na mídia e no Parlamento, apesar da postura divergente do presidente do Banco Central, indicado pelo governo anterior para um mandato de quatro anos, que se encerra em dezembro de 2024.
PublicidadeA comunicação tem sido um ponto fraco do governo, tanto no método quanto no conteúdo. No método, tem priorizado mais a resposta à oposição do que as realizações de governo, além de não ter sido criativa na retomada de programas sociais, que voltaram com os mesmos nomes e com carimbo de coisa antiga. E no conteúdo, anúncios têm sido feitos por ministérios setoriais sem a coordenação da Casa Civil, da Secom e da Presidência da República, sendo posteriormente desautorizados, com enorme desgaste para a unidade e credibilidade do governo.
Uma forma de resolver isto seria, de um lado, o Presidente da República determinar que nenhuma iniciativa sobre política pública pudesse ser anunciada sem uma análise prévia de sua compatibilização com as diretrizes de governo e de sua viabilidade política e jurídica, o que pressupõe passar antes pela Secretaria de Relações Institucionais e pelas Secretarias Especiais da Casa Civil de Análise Governamental e Assuntos Jurídicos e, de outro, priorizar a divulgação da agenda positiva de realizações do governo frente à agenda negativa de resposta à oposição, para reforçar a proatividade do governo, como aconteceu com a recriação do Conselhão com o acréscimo da palavra “Sustentável” e no anúncio de antecipação do 13º dos aposentados e pensionistas do INSS, que ajudam a injetar recursos na economia.
Já a coordenação eficiente do governo se impõe basicamente por duas razões: a transversalidade temática entre os diversos ministérios, para que todos falem a mesma linguagem, e a necessidade de respostas tempestivas às demandas e indagações do Parlamento, cuja reação tem sido mais em decorrência de desencontro no governo do que propriamente de uma hostilidade às propostas governamentais. Demonstram isso o caso das MPs sem conversa prévia com partidos da base e a demora nas explicações a respeito dos decretos de saneamento básico, que a Câmara entendeu como desdém dos ministérios demandados: Casa Civil e Cidades.
Com uma composição muito próxima daquela vivenciada durante o governo Bolsonaro, inclusive com a continuidade da direção das Casas, o Congresso ganhou muito poder nos últimos anos e vai precisar de uma atenção especial por parte da coordenação de governo. Além das bancadas informais, que possuem muito poder de pressão no Congresso – agronegócio, evangélica e segurança – o diálogo mais urgente é com os partidos políticos, que estão organizados em quatro grandes blocos no interior da Câmara dos Deputados: um composto informalmente pelos partidos de esquerda (Federações PT/PCdoB e PSol/Rede ), um integrado formalmente por forças do Centrão e partidos de centro-esquerda (União, PP, Federação PSDB/Cidadania, PDT, PSB, Avante, Solidariedade e Patriota), outro constituído formalmente pelos partidos MDB/PSD/Republicanos/Podemos/PSC, e, por fim, o bloco informal de oposição, formado basicamente pelo PL e o partido Novo. O PL possui pelo menos 60% de sua composição que não é fundamentalista nem bolsonarista.
A Secretaria de Relações Institucionais, para fortalecer a relação com o Congresso, vai precisar estreitar mais os laços com os partidos da base de apoio ao governo, coordenando melhor o contato com os líderes do governo e dos partidos da base, mas também vai necessitar ser empoderada e receber reforço em sua estrutura, afinal sua atuação inclui, além da interlocução com o Poder Legislativo, a relação com os entes federativos e, por intermédio do Conselhão, com setores do mercado e da sociedade civil. Esse fortalecimento deve envolver a capacidade de mobilização de parlamentares da base governista para o enfrentamento em plenário com intervenções, discursos e pronunciamentos em favor do Governo, de forma a reduzir o predomínio dos discursos oposicionistas nos veículos de comunicação do Congresso, como ocorre com a Voz do Brasil, em que parlamentares de Oposição, com frequência, dominam o tempo com virulentos ataques ao Governo, até mesmo apelando a fake news.
Para o presidente Lula repetir no atual mandato a performance dos mandatos anteriores, o governo vai precisar rever seus métodos e melhorar a coordenação intergovernamental, bem como a comunicação interna e externa do Poder Executivo, inclusive com unidade de linguagem e prioridade na divulgação de ações governamentais. Sem uma relação cooperativa do Congresso, dos entes subnacionais e do empresariado, o governo terá dificuldade na aceitação e implementação de sua agenda prioritária.
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