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A ideia em um segundo
O sistema político nacional está estressado ao máximo, ao ponto de um dos conceitos que lhe serve como chave explicativa – o presidencialismo de coalizão – ter perdido sua validade, segundo seu criador. O presidente da República cria uma situação na qual, progressivamente, a única saída fica sendo o rompimento institucional.
Presidencialismo de coalizão: do auge à morte em três anos?
Em 2018, Sergio Abranches escreveu um artigo para a Revista Dados, indicando que o presidencialismo de coalizão, conceito de sua lavra, ainda explicava em grande parte o sistema político brasileiro. Os três anos que se seguiram às três décadas anteriores foram suficientes para que ele escrevesse outro artigo, agora dando como fulminado o conceito como chave explicativa para o sistema – ou o próprio sistema em si.Leia também
O que aconteceu? Abranches dá boas explicações nos seus artigos, particularmente o último, no qual ressalta a fragmentação partidária e o desalinhamento entre os partidos como elementos a dificultar a formação e gestão das coalizões. Como dados, destaca que em 1998 as cinco maiores bancadas na Câmara dos Deputados chegaram a representar 79% das cadeiras, ao passo que em 2018 esse indicador caiu para 41%.
Nesta edição do Farol, queremos pensar a partir desse diagnóstico, buscando enriquecê-lo com outros dados e perspectivas. Pretendemos demonstrar que o sistema alcançou seu máximo (maior índice de votos com o governo em todos os tempos), mas que isso se deu às custas de um enfraquecimento do Poder Executivo. E que a estrutura da conjuntura que se configura levará o agente presidente da República à inescapável tentativa de uma ruptura.
Roubaram a caixa de ferramentas
Fazendo uma analogia, o conceito de presidencialismo de coalizão foi uma explicação produtiva para o fato de se ter um software parlamentarista rodando em um hardware presidencialista, por força de movimentos que aconteceram no momento da Assembleia Constituinte. Eventuais incompatibilidades foram contornadas e o sistema apresentou-se funcional, principalmente diante do uso do que a literatura convencionou chamar de uma caixa de ferramentas à disposição do presidente da República para manobrar a gestão da coalizão. Notadamente, faziam parte da caixa o controle do Orçamento Público; a distribuição de cargos; o compartilhamento das políticas públicas (por meio da cessão de ministérios para controle total de um partido, por exemplo), e os poderes legislativos do presidente – de agenda, negociais e de veto.
Entretanto, ao contrário do que acontece na informática, domínio no qual usualmente o hardware determina o software, no caso do sistema político o software começou a prevalecer sobre o hardware, querendo determiná-lo (não é coincidência o eterno retorno à esfera pública nacional de discussões sobre parlamentarismo ou suas variações, como o semipresidencialismo).
O fato é que o Congresso Nacional, na condição privilegiada de dono da bola (capacidade de alterar as regras do jogo), e como ator estratégico, soube atuar, ao longo das décadas, para sorrateiramente colocar mais ferramentas na sua própria caixa, deixando o Executivo com apenas um martelo para todo tipo de conserto.
Talvez a mais notória dessas mudanças seja a que concerne ao Orçamento. A aprovação do Orçamento impositivo, as emendas de relator, as emendas que possibilitam a gestão de um Orçamento secreto, a mudança nas regras sobre destinação e execução das Emendas – todas deslocaram poder para o Parlamento.
Venci…. em uma terra arrasada
No primeiro semestre de 2021, o presidencialismo de coalizão chega ao seu ápice. Nunca houve tantos votos alinhados à orientação do governo, conforme captado pelo Índice Congresso em Foco. Essa realidade, entretanto, não significa força do chefe do Poder Executivo. Pelo contrário, é o Congresso Nacional que nunca esteve tão forte (ou seja, o lado “coalizão” do conceito nunca funcionou tão bem).Porém o lado “presidencialismo” do conceito nunca esteve tão fraco. Embora para os operadores do sistema essa seja uma situação peculiarmente favorável (haja vista a sequência de vitórias de Arthur Lira (PP-AL) na Presidência da Câmara dos Deputados e o avanço da pauta do chamado Centrão), trata-se de situação de instabilidade sistêmica, ausente a possibilidade de homeostase pelo tradicional operar dos freios e contrapesos entre os poderes. A solução dessa instabilidade aponta para alternância do poder (como resultado das eleições do próximo ano) ou para iniciativas disruptivas da atual ordem. Ou seja, o Congresso pode ter vencido, mas a esperança de entrar na terra prometida será provavelmente frustrada por uma iniciativa de força do Executivo.
Ocorre que o Congresso se assenhorou de mais poderes, mas o presidente da República permanece como responsável pelo governo, perante a população. Encontra-se uma correspondência com a situação de 1946-1964, em que o Congresso estava empoderado e o presidente manietado (tinha menos poderes formais do que atualmente, inclusive). A renúncia de Jânio Quadros (que completou 60 anos esta semana) foi a resposta do Executivo naquela ocasião – na expectativa de dar a volta por cima e recuperar poderes. Não deu certo para Jânio, mas acabou resultando no golpe militar de 1964.
A arte da guerra: nunca deixe seu adversário sem um escape
Quando não há possibilidade de escape, a alternativa é morrer ou morrer: os adversários se entregam renhidamente ao combate (algumas vezes invertendo situações amplamente desfavoráveis). Por essa razão, o sábio chinês Sun Tzu, no seu A Arte da Guerra, advertia para que sempre fosse deixada uma possibilidade de fuga aos inimigos.
Bolsonaro caminha para uma situação próxima a de sem saída. A barreira ao impeachment que tem na Câmara dos Deputados é completamente escorada nos interesses momentâneos da coalizão em vigor – que pretende explorar a situação ao máximo possível. Como tudo que se baseia tão somente em interesses, essa barreira será mantida pragmaticamente, ou seja, enquanto interessar. E isso vale para todas as outras pautas, negociadas uma a uma – o tamanho do interesse a precificar o apoio em votos.
Essa relação, embora suficiente para a manutenção do mandato, é claramente insuficiente na esfera eleitoral – quando será, inclusive, utilizada fortemente em desfavor do presidente, que terá que explicar aos seus eleitores o fato de ter se abraçado com o Centrão, aquele da musiquinha do General Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência.
Ou seja: do Congresso atual Bolsonaro não pode esperar muito mais do que um autoveto à possibilidade de impeachment. Aos eleitores, não poderá mostrar muito mais do que alguns poucos projetos não necessariamente tão populares – a reforma da Previdência vai lhe render votos? Os avanços na regulação da posse e porte de armas? Esse esvaziamento de suas capacidades eleitorais é um fator a impelir o presidente para caminhos desviantes.
A tentação da força
O lado negro da força costuma operar com mensagens subliminares, sussurradas diretamente à consciência individual. Diante do quadro em que está, Bolsonaro pode, sim, aceder à perspectiva de tentar um golpe. Afinal de contas, funcionou pelo menos duas vezes anteriormente no Brasil: com Getúlio Vargas e com os militares (para quem considera a Proclamação da República um golpe, funcionou três vezes). E o próprio Bolsonaro se assume como fruto da última experiência ditatorial, narrando seu despertar político como o momento em que ajudou forças militares a caçar guerrilheiros no ermo.
Qual é o quadro que se apresenta para Bolsonaro? No plano eleitoral, como argumentado, suas perspectivas diminuem. Perdendo as eleições, terá que lidar com as denúncias de crimes que lhe são imputadas, no âmbito de um Judiciário ao qual atacou frontalmente.
Mas, ainda que logre a reeleição, essa provavelmente viria às custas de novas e redobradas promessas de soluções mágicas, que lhe seriam cobradas mais intensamente em um segundo mandato por parte de seus eleitores fieis. No eventual segundo mandato, o presidente seguiria tendo que lidar com um Congresso superveniente e dono da pauta, além de com um Supremo Tribunal Federal e uma sociedade civil mais aguçados para resistir às confrontações. Ou seja, não há indícios de que a via eleitoral, seja no êxito, seja no fracasso, renda os resultados que Bolsonaro aspira.
Não é por menos, portanto, que o presidente da República opere com a lógica do contragolpe. Fez disso uma profecia autorrealizável: sofri e sofro um golpe, por isso preciso desferir um contragolpe (o termo não é equívoco no zap do presidente). A via autoritária-populista é a única saída que pode lhe assegurar tranquilidade judicial e a efetiva implantação da pauta de costumes, tão desejada por seus seguidores mais fiéis. Ao escorpião da fábula restará ser escorpião.
O capitão vai construindo seu labirinto, de modo que tenha saída única. Por essa razão, é importante que o cenário da tentativa de ruptura institucional não seja afastado nem por um instante. O que vai determinar a impermanência da aventura populista-autoritária é a capacidade da institucionalidade se fazer presente no momento exato em que for dado o bote.
Termômetro
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Chapa quente
Apesar dos esforços de vários bombeiros que atuaram durante esta semana, as mobilizações que estão sendo organizadas para o dia Sete de Setembro seguem sob grande expectativa. Os atores políticos em Brasília apontam tais atos como o grande marco do que prosseguirá daqui em diante. Se não forem pacíficas, se ocorrer alguma tragédia – e não são poucos os que temem isso, o Sete de Setembro pode demarcar ou o início do contragolpe pretendido por Bolsonaro ou a decisão de que de fato será preciso às demais forças no sistema de freios e contrapesos tomar contra ele uma atitude mais enérgica.
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Geladeira
A expectativa quanto ao que acontecerá no Sete de Setembro e à possibilidade de maior radicalização por parte do presidente paralisa todo o restante da agenda. A essa altura, não há, por exemplo, a menor possibilidade de clareza quanto ao avanço da reforma tributária, especialmente quanto ao projeto que tramita na Câmara que altera o Imposto de Renda. A falta de segurança e previsibilidade paralisa a economia e já claramente exaspera empresários e outros atores importantes do campo da economia. Que não por acaso começaram a reagir mais fortemente.
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O Farol Político é produzido pelos cientistas políticos e economistas André Sathler e Ricardo de João Braga e pelos jornalistas Sylvio Costa e Rudolfo Lago. Edição: Rudolfo Lago. Design: Vinícius Souza.
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