No entorno da mesa de trabalho da ministra Anielle Franco, objetos de arte de origem africana dividem espaço com uma santa católica. No porta-retrato, uma foto dela com o marido. Um boné vermelho da Maré, complexo de favelas onde nasceu no Rio. Uma flâmula pendurada na parede traz um de seus mantras: “Tudo posso na ancestralidade que me fortalece”. Mensagem reforçada por um quadro em madeira que destaca as palavras Deus, família, sabedoria e gratidão. E Marielle Franco. Em poucos lugares é possível sentir tanto a presença da vereadora carioca assassinada em 2018 quanto no gabinete da ministra da Igualdade Racial. Por todos os lados da ampla sala, fotos da irmã com os dizeres “Justiça por Marielle”; “Marielle vive”; “Marielle, presente”; “Rua Marielle Franco”.
Foi nesse cenário que Anielle recebeu o Congresso em Foco para esta entrevista exclusiva.
Investida da missão de levar adiante a memória e a luta da irmã cinco anos mais velha, Anielle concilia sua atuação como ministra com um doutorado que terminará com uma tese sobre discurso de ódio. Uma realidade que enfrenta no dia a dia, como mulher, negra e cria da Maré. Com dois mestrados, formada em Inglês e Jornalismo nos Estados Unidos, país onde morou por 12 anos e jogou vôlei profissionalmente, a ministra se reconhece como fruto da política de cotas que buscam uma reparação histórica pela violência que perdura no dia a dia de 56% da população brasileira que se autodeclaram negros, ou seja, pretos ou pardos, na definição do IBGE.
“Por que a gente está falando de saúde da população negra? Porque se chega uma mulher negra para ter um filho como aconteceu comigo, com a minha irmã, como aconteceu em 2023 de o médico falar: ‘Não vou atender porque pode estar fedendo’. Nos animalizam e desumanizam o tempo inteiro”, diz.
Os desafios à frente da pasta são grandes. “É desde combater o racismo sistêmico, diariamente como a gente toda hora recebe demanda, pedido de ajuda, até pensar em como letrar uma sociedade que historicamente insiste em dizer que pessoas negras não precisam ser consideradas e humanizadas. A partir de agora, sem esquecer o passado, quem veio antes, é pensar também em como deixar esses espaços firmes agora para o futuro. Não é um ponto X ou outro, é em tudo. O povo preto não consegue fazer só uma coisa ou outra, tem que ser algo que continue e continue”, ressalta. “Daqui para frente é a continuidade, não dá para inventar muita coisa porque a gente não é um ministério, a gente é um ministério propositivo politicamente dizendo”, explica.
Ainda assim, Anielle destaca o avanço na titulação de terras quilombolas e em programas de inclusão social e cultural como conquistas da sua gestão até aqui. Na entrevista, ela conta que aceita críticas, desde que construtivas, em relação ao seu trabalho no ministério. Duas cartas com críticas à sua atuação foram encaminhadas ao presidente Lula entre setembro e outubro, após ela ter relatado episódios de assédio sexual que resultaram na demissão do ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida. As reclamações vão de uma possível exclusão de participação social a esquecimento da região Amazônica nas políticas do ministério.
Publicidade“A gente sempre fez muita coisa em conjunto com o movimento negro. O que acontece nesse caso especificamente, para além do que tem sido construído, é um processo orquestrado de um ataque a Anielle quando a Anielle representa bater de frente com pessoas que não têm o mínimo de escrúpulo e caráter. Aí se forjavam por trás de um terno bonito. Eu não tenho problema de aceitar crítica nenhuma, pelo contrário, vou sempre recebê-las, mas eu gosto das críticas verdadeiras.”
Aos 40 anos, cinco a menos do que teria Marielle hoje, Anielle conta que recebe ataques e ameaças constantemente. Enquanto os mandantes do assassinato da vereadora do Psol não são julgados, a ministra se apega à força da fé, da família e da sua ancestralidade, elementos tão destacados em seu gabinete. “Meus pais sempre criaram a gente para o mundo, essa é uma frase que minha mãe e meu pai sempre falam. Tanto que quando a Marielle se candidatou e foi eleita minha mãe falou: ‘Por mim, você não iria, mas se você quer vai em frente’. Mesmo se preocupando, eles falam: ‘Eu confio na minha criação, então tome asa e vá por onde você acha que deve ir’. Isso faz muita diferença para gente na hora de decidir qualquer coisa.
Leia a íntegra da entrevista:
Titulação de terras quilombolas, saúde e educação
Congresso em Foco – Estamos chegando na reta final do ano, qual balanço que a senhora faz de sua gestão até este momento?
Anielle Franco – O maior e o primeiro balanço de tudo é a própria recriação do ministério. Muita gente, quando a gente fala sobre isso, acha que pode parecer simples, mas saindo de alguns anos, exatamente seis anos, desde o golpe até de um governo que não prestava muita atenção nas nossas pautas, para mim, é o maior legado que precisa ficar, independentemente das políticas e do que será entregue daqui a dois anos. Eu acho que esse é um legado que precisa ficar. O Ministério da Igualdade Racial não só representa 56% da população, mas ele precisa ficar pela importância que ele tem e o tamanho que tem dimensionalmente falando em nível de país para as pessoas que mais precisam. Puxando esse link para as pessoas que mais precisam, é um balanço que precisa ser feito a cada ano. É o que a gente faz, a gente está agora preparando as reuniões de dezembro de 2024 para pensar o que que foi feito, o que que vai ser entregue. Ainda mais neste próximo ano, porque a gente não está falando só de sobreviver. Não é somente deixar as pessoas negras vivas. Tem um simbolismo, mas o balanço é: como é que vai chegar à saúde no final deste mandato? Como é que vai chegar o emprego? Como é que vai chegar a letalidade? Como é que vai chegar a juventude? Como é que vão chegar os quilombolas?
Então o balanço é que em cada área transversalmente dizendo a gente conseguiu dar um passo adiante. Não tem nenhuma área que o ministério deixou de olhar, fosse 2022, no final do ano, 2023 ou agora em 2024. Então é um balanço em que a gente consegue ter com um recorde de titulação [de terras quilombolas]. As pessoas muitas vezes falam que está faltando alguns quilombos [para receber titulação] porque pessoas quilombolas são pessoas negras, são ancestrais, são agentes de conservação da natureza. Então tem que olhar para essa galera. Por que a gente está falando de saúde da população negra? Porque se chega uma mulher negra para ter um filho como aconteceu comigo, com a minha irmã, como aconteceu em 2023 de o médico falar: “Não vou atender porque pode estar fedendo”. Nos animalizam e desumanizam o tempo inteiro. A gente chegou a um lugar com a ministra Nísia para pensar na saúde da população negra, não somente mental, mas para pensar também violência obstétrica, como que a gente faz chegar dignidade menstrual em todas as áreas do SUS.
Precisamos pensar na educação. Eu sou fruto dessa política, a política de intercâmbio, a política de oportunidade. Então foram muitos editais abertos para que a gente pudesse olhar para professor, olhar para aluno, olhar para que as pessoas tenham contato cultural com outros espaços. Estou tentando resumir porque é muita coisa, mas acho que esse é um balanço da transversalidade. É um balanço que lida com cultura.
O Juventude Negra Viva, por exemplo, é um projeto importante que tem que estar na capa de todos os jornais quando a gente sair daqui. Porque o Juventude Negra Viva não só traz 18 ministérios, que tem ali um investimento de milhões, mas ele conecta com a juventude negra que é o futuro desse país para dizer, olha vocês têm que estar vivos. Só que não apenas com violência, falar de esporte, lazer, empregabilidade.
O balanço da gente não é uma coisa de orçamento, que você entrega em números exatos, é um balanço político. Não teve nenhuma área que não foi olhada. Até pode ter alguma outra área, já fazendo um mea culpa, porque é muita coisa. Mas pensar, propor e sentar com todos os mistérios nós fizemos.
Legado para juventude e população negra
Qual é o maior legado do Ministério da Igualdade Racial até este momento?
A titulação dos quilombos e o Juventude Negra Viva são lutas históricas, algumas coisas a gente conseguiu encaminhar. Uma titulação demora nove passos. Não há caso em que a gente não tenha dado ao menos um passo. Esse é o meu orgulho também. Além de voltar com a participação popular, que também foi uma demanda do presidente, nos próprios conselhos, na secretaria, seria outra parte do legado. Não teve nada que a gente fez sem ter ouvido a população. O Juventude Negra Viva, o Abre Caminhos, qualquer que seja a caravana que a gente tenha feito, teve essa participação popular para que a gente pudesse dar segmento. Não fazer da cabeça, fazer com responsabilidade, fazer ouvindo as pessoas.
A senhora falou da dificuldade que foi reconstruir a pasta abandonada. Daqui para frente, nos próximos dois anos, o que mais a senhora quer deixar?
O desafio de estar não é maior do que o desafio do reconhecimento das pessoas e vice-versa. Acho que esse é um desafio, deixar a marca é mais ‘olha conseguimos encaminhar” e menos do que as pessoas podem achar que não foi feito. O maior legado é que o ministério se mantenha vivo e firme para o próximo governo, espero que com Lula. Isso não é sobre a Anielle, é sobre uma luta histórica que a Anielle defende sim, que representa, é muito maior. O que vem agora é a continuidade de políticas cíclicas. As políticas de igualdade racial não podem ser políticas apenas de governo, elas precisam ser políticas de Estado.
Não pode ser robotizado. Não pode ser uma coisa que as pessoas olhem e digam assim ‘ah, tá ótimo, já fez intercâmbio, já fez editais’. É desde combater o racismo sistêmico, diariamente como a gente toda hora recebe demanda, pedido de ajuda, até pensar em como letrar uma sociedade que historicamente insiste em dizer que pessoas negras não precisam ser consideradas e humanizadas. A partir de agora, sem esquecer o passado, quem veio antes, é pensar também em como deixar esses espaços firmes agora para o futuro. Não é um ponto X ou outro, é em tudo. O povo preto não consegue fazer só uma coisa ou outra, tem que ser algo que continue e continue.
Faço uma analogia com o esporte, que é a minha vida. Se eu chego num jogo de vôlei e sou capitã do time, mas sei que tem outras cinco jogando comigo, eu tenho que lutar com elas. Se alguém tiver mal, tem que pegar por ela. Daqui para frente é a continuidade, não dá para inventar muita coisa porque a gente não é um ministério, a gente é um ministério propositivo politicamente dizendo.
Eu tenho que chegar na Esther [Dweck, ministra da Gestão e da Inovação] e falar que as cotas precisam se manter vivas, e ela vai estar do meu lado. Eu tenho que chegar na Nísia [Trindade, ministra da Saúde] e falar que cresceu o número de pessoas que pensam de desistir das suas vidas na questão da população negra jovem. O que que a gente pode fazer ? A Nísia vai me ajudar aqui.
Por isso que eu não reclamo do orçamento, mesmo o orçamento sendo pequeno para algumas pessoas, é um orçamento que somando com aquelas pessoas que entendem que igualdade racial é transversal vai aumentando.
Críticas e violências
A gente está em um momento de polarização. Inclusive o tema consciência negra, o novembro negro, sofre críticas. Alguns perguntam por que não falar de consciência humana? Por que não tem o dia consciência branca? Nesse momento da sociedade mais polarizada, como o ministério é avaliado por esses grupos? Como a senhora recebe essas críticas?
Desde 2018 a crítica tem feito parte da minha vida e se a gente der muita atenção ao negativo, a gente acaba não sobrevivendo. Eu acho que toda crítica é construtiva. Eu sempre falei isso desde pequena, de novo trazendo o esporte quando você sai de um jogo você avalia se jogou bem ou não. Você tem um técnico que fala aquilo para você. Uma coisa é você treinar para melhorar, outra coisa é ter alguém que te xinga, agride e cospe na cara. Tem críticas que são feitas sem nenhuma pertinência e tem críticas que de fato a gente precisa olhar.
Um exemplo é quando alguém fala “eu queria muito que vocês tivessem mais condições de investir na ponta, para coletivos, projetos”. Isso não é simples porque a gente está com dinheiro da União. Tem todo um trâmite legal para fazer, tem ofício, emenda. Quem dera que a Anielle pudesse chegar e falar “vamos embora”, mas não é fácil. Isso é uma crítica construtiva. Uma crítica não construtiva é quando as pessoas nos xingam na rua ou criticam a existência do ministério por ser Anielle, que representa a Marielle, representa uma luta contrária a tudo aquilo que tem ódio, fake news, racismo.
Tem uma área que não tem como a gente controlar, agora tem uma área que a gente precisa letrar. Esse é o nosso papel aqui, uma vez que, se você ganha letramento racial, nunca mais olha as coisas do mesmo jeito.
Quando entro no lugar em um lugar com uma mesa inteira de pessoas brancas tomando decisões, eu penso o que será que falta para a gente chegar aqui também. Esse é o nosso trabalho diário. Infelizmente quem está no topo da pirâmide de violência, de falta de acesso, são as pessoas negras. As mulheres mais violentadas desse país também são as mulheres negras. Nossa maior dificuldade é fazer com que as pessoas se sensibilizem com esses dados. Só neste ano foram 413 mulheres negras assassinadas. Essa conscientização é o que me dá força para enfrentar essas críticas.
Muita gente fala coisas como você deveria estar no lixo ou por que você não se mata. Esse é o tipo de crítica que chega, isso é muito duro. Então por isso que a gente fala deste mês ser importante, mas é um mês em que os olhares estão voltados para a gente, mas a nossa luta é todo dia.
Nesse cenário de violência, sobretudo para população negra, há uma preocupação com a integridade física dos integrantes do ministério, considerando-se o atentado recente em Brasília?
Acho que atentado não é um caso isolado, a gente precisa ter cada vez mais atenção. Infelizmente há uma parte da população que legitima situações como essa, incitam também, e o 8 de janeiro está aí para comprovar. Ainda bem que o golpe falhou e fracassou. Porque essa era a ideia, a intenção, daquelas pessoas que depredaram esse lugar, mas também tinha ali uma ideologia que as movia. Agora a mesma coisa com essa pessoa [Francisco Wanderley Luiz]. Eu não digo só em nível de ministério, mas eu acho que todas as pessoas que trabalham hoje na Esplanada devem estar mais atentas.
Em relação a mim, eu até evito falar em alguns momentos sobre isso, mas são muitas as ameaças e sempre foram muitas ameaças. Tanto que me faz até às vezes mudar um pouco o rumo de algumas coisas, não só de onde eu estou ou de onde eu vou estar, mas é de entendimento. Um exemplo, entrei no doutorado em 2022 para falar de aquisição de segunda língua na defensoria de Direitos Humanos. Estou saindo do doutorado ano que vem, se Deus quiser, falando de discurso de ódio porque é o que eu recebo diariamente seja via e-mail, seja via Instagram. Imagina todo dia alguém chegar para você falar “Por que você não se mata? Por que você está aqui? O que você está fazendo aqui? Você nem sabe fazer isso que está fazendo”. Esses questionamentos muitas vezes são direcionados às mulheres, quase sempre são mais para as mulheres, falando todas as mulheres incluindo negras e brancas. Mas muitas vezes se sobressaem nas mulheres negras ou nas pessoas LGBTQIA+ negras. É muito duro lidar com isso e ter essa preocupação, mas a gente faz essa coisa como pode. Além da fé, vai dando um jeitinho aqui e ali para se manter firme.
Duas cartas foram enviadas ao presidente Lula com algumas críticas, cartas do próprio movimento negro, falando de apagamento da participação social. Outras críticas falando do descaso do ministério em relação a Amazônia e a região Norte. O que procede ou não dessas críticas?
Uma dessas cartas tinha 40 assinaturas, das quais 30 eram inverídicas. O que não significa que não tinham nas cartas pontos que precisavam ser apreciados. É super válido, não tem incômodo nenhum para mim de responder nem problema em falar sobre. Infelizmente a demanda é muito maior do que a entrega porque a gente está falando de uma população de 57% . Tem documentação que demora mesmo, isso faz parte do processo de administração pública. Não estou dizendo que tem que demorar dois anos ou três, mas tem processos que demoram mais do que os outros. A gente sempre fez muita coisa em conjunto com o movimento negro. O que acontece nesse caso especificamente, para além do que tem sido construído, é um processo orquestrado de um ataque a Anielle quando a Anielle representa bater de frente com pessoas que não têm o mínimo de escrúpulo e caráter. Aí se forjavam por trás de um terno bonito. Eu não tenho problema de aceitar crítica nenhuma, pelo contrário, vou sempre recebê-las, mas eu gosto das críticas verdadeiras.
Em relação a suposta carta recebida por lideranças de terreiros, o ministério tem uma diretoria própria para Povos de Terreiro e de Matriz Africana desde a constituição da pasta. A política em construção dialoga com os povos de terreiro das cinco regiões do Brasil e está sendo articulada para lançamento em breve.
Um ponto de atenção quando você fala da parte da Amazônia, o mundo vai estar de olho em Belém ano que vem, como já está, o presidente fala um pouco sobre isso. Mas eu também acho que são muitas demandas num curto prazo de tempo que às vezes a gente não consegue dar conta. A exemplo, vamos lançar um edital que a gente não pode anunciar ainda de 30 milhões para quilombos na Amazônia. Isso já está sendo feito o ano inteiro, só que não é uma coisa que seria feita em talvez nem 15 meses. Demandaria mais porque para receber um montante como esse tem que ter alguém especificamente pronto para aquilo ali.
Além da crítica da existência da pessoa, do que ela representa, tem também críticas de tempo, demanda, crítica de coisas que a gente poderia fazer mais talvez se tivesse um pouquinho mais de orçamento e uma equipe um pouco maior. Nada impede de ter a crítica, eu acho que tem que ter, mas também são coisas que tem que ter um outro lado sendo ouvido e entendido. Quando as cartas foram recebidas aqui a gente chamou os movimentos para conversar, para sentar, para os próximos meses. Enfim, eu acho que é assim que funciona mesmo, a gente está num lugar público, tem que aceitar, ouvir, mas tendo limite do que que é real.
Orçamento
Falando sobre orçamento, neste momento o governo discute o corte de gastos. Há preocupação com o corte de verbas do ministério? Como vocês estão pensando o orçamento para o próximo ano?
Não acho que isso me assuste, mas eu sei que o que vier, assim como a gente fez em 2023 e 2024, a gente vai ter que dar conta do recado e fazer acontecer. Vamos supor que haja um edital de R$ 30 milhões, se entrar parceiros, às vezes nem onera tanto o nosso orçamento. Se no ano que vem o orçamento cair, a gente vai continuar fazendo, tentando agir como a gente faz. Não me assusta, mas me preocupa poder ter o mínimo de condições para propor e materializar, mais do que propor é a gente conseguir materializar no próximo ano.
Projetos para 2024
Fora as demandas do ministério tem algum grande plano ou projeto pensado para o próximo ano?
Tem um plano, a maior conferência da igualdade racial, nacional, a Conapir, que não acontece, se não me engano, há seis anos. Essa é uma das demandas do movimento, então precisa acontecer. A Conapir é algo grandioso que precisa combinar com datas de várias pessoas do país inteiro. Acontecem as conferências estaduais e municipais até chegar na nacional. São muitos dias, é uma semana intensa. Além da continuidade dos das titulações e dos decretos. O Juventude Negra Viva é o outro grande guarda-chuva. Estou falando desses três porque neles tem tudo, tem esporte sem racismo, Brasil sem fome, as casas da cultura. Além de toda essa questão, tem demandas internacionais desde a continuidade do caso do Vini Jr à continuidade dos casos que a gente recebe de denúncia de Portugal e vários outros países.
Um planejamento que a gente sabe onde a gente vai alcançar. Acho que isso é primordial para não ficarmos falando e depois não cumprirmos. Eu tenho muito cuidado, então é dar continuidade ao que vem com a Conapir de novidade.
Políticas de cotas
O Congresso está votando projeto de lei de cotas em concurso público, aumentando inclusive o percentual. A senhora está satisfeita com o que foi construído, com o projeto que está na Câmara ou defende que haja alguma mudança para tornar esse percentual maior?
Satisfeita eu estaria se tivesse 50 a 50, já que somos 56% da população, aí eu ficaria bem feliz, mas eu acho que é o que a gente consegue fazer neste momento. Muita gente fala que não precisa ter cota, que tem de diminuir, mas não vejo ninguém falando isso quando, por exemplo, a gente vê todo o histórico, todas as fotos com pessoas brancas. Cotas raciais é pauta que envolve a minha vida, eu sou fruto disso. Entrei no mestrado e no doutorado também sendo fruto de cotas. A continuidade dessa política pública para mim é o que importa. Se a gente vai ganhar em todos os quesitos eu não sei, mas a gente tem incidido muito com os nossos líderes, nossos colegas, pessoas que trabalham conosco para que a gente consiga manter pelo menos o mínimo. Conseguimos a renovação no ensino superior, renovar agora nos concursos públicos seria fundamental. Tem muita coisa que envolve cotas raciais no nosso país, pessoas que não entendem e que fraudam, então tem um olhar muito específico sobre cada ponto que precisa de atenção.
Caso Marielle
Em relação ao julgamento dos assassinos de Marielle, quando teve as condenações de Ronnie Lessa e Élcio Queiroz, a senhora disse que a luta não acabava ali. Qual é a expectativa em relação ao desfecho desse caso com a prisão dos irmãos Brazão e do delegado Rivaldo Barbosa? A senhora acredita que isso pode ser resolvido ainda no primeiro semestre do ano que vem?
É difícil falar de expectativa pessoal estando nesse lugar profissional. Eu espero muito que a gente tenha um desfecho parecido com o que teve agora dos assassinos. Eu sei que tem muita gente neste país que infelizmente não consegue o mínimo de justiça. Eu acho que o caso da Mari é emblemático e traz também esse ‘acorda, gente. Vamos ver como está a Justiça do nosso país’. Eu não sei o que que vai ser definido em relação aos mandantes, porque eu acho que tem muita coisa ainda para ser desvendada, embora a gente tenha dado passos muito importantes. Agradeço a todo mundo que ajudou a gente chegar até aqui, mas a minha expectativa no geral é que a gente consiga, sim, saber.
Como eu falei semana passada, sem a pessoa que dirigiu não teria a pessoa que atirou, sem a pessoa que pensou também não teria todos os trâmites de interrupção, apagamento de imagens etc e tal. Então agora é a gente pensar e esperar o que será feito em nível de provas concretas também para que depois a gente chegue lá na frente e não tenhamos outras reviravoltas.
Minha expectativa é que a gente consiga justiça. Não sei quando vai ser ou se está próximo ou não. A justiça mesmo seria se a Mari estivesse aqui, já que não está, que a gente lute por justiça.
Seus pais demonstram muita força em relação ao caso da Marielle. Como eles lidam com o fato de a senhora também receber ameaças, ataques racistas e misóginos, como é que essa relação em casa?
A relação em casa casa é muito boa, nossa base para aguentar um lugar como esse, em situações que a gente às vezes acha que talvez não aguentaria. Acho que esse é o nosso segredo, a família e a nossa fé, ter essa troca diariamente. Meus pais sempre criaram a gente para o mundo, essa é uma frase que minha mãe e meu pai sempre falam. Tanto que quando a Marielle se candidatou e foi eleita minha mãe falou: “Por mim, você não iria, mas se você quer vai em frente”. Mesmo se preocupando, eles falam: “Eu confio na minha criação, então tome asa e vá por onde você acha que deve ir”. Isso faz muita diferença para a gente na hora de decidir qualquer coisa.
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